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A LDBEN: ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO

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CAPÍTULO II A CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE UNIVERSIDADE NO BRASIL

2.7 A LDBEN: ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que regula atualmente a educação no Brasil é de 1996.

No Título I dispõe que a educação abrange processos formativos que não se dão somente em instituições, mas também na vida familiar, no trabalho, nos movimentos sociais, nas organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Estabelece que a educação – um direito de todos e um dever do Estado e da família – será promovida e incentivada, com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e à sua qualificação para o trabalho.

Ao definir os princípios e fins da educação nacional, a LDBEN afirma que a finalidade da educação é o pleno desenvolvimento dos estudantes. Ela é sensível a algo que compreende a realidade social, que o ser humano não é somente um ser

político, mas também se desenvolve na rua, na família, na escola, no trabalho, e que tem o direito de se desenvolver em todos esses sentidos.

Em seu artigo 43 que abrange as finalidades da educação superior, deixa transparecer a idéia da formação humana nos seguintes incisos:

I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;

O espírito científico é elemento fundamental para a produção de conhecimento. É através da pesquisa que o conhecimento é gerado, a ser necessariamente entendido como construção dos objetos de que se precisa apropriar humanamente. Segundo Severino:

Construir o objeto que se necessita conhecer é processo condicionante para que se possa exercer a função do ensino, eis que os processos de ensino/aprendizagem pressupõem que tanto o ensinante como o aprendiz compartilhem do processo de produção do objeto. (2004, p.37)

Este artigo trata especificamente da necessidade de formação humanista na universidade. Como instituição educacional, a universidade realiza a ação educativa de promoção do homem concretizada em cada um dos membros da comunidade universitária.

Conforme coloca Reis Filho (1981) este objetivo maior é alcançado no exercício das funções específicas de criação, de conservação, transmissão e transformação da cultura. Essas funções, no entanto, só poderão ser desempenhadas numa universidade capaz de formar pessoas com consciência da realidade sócio-cultural e que possa colocar-se a serviço das conquistas do saber humano.

Como órgão cultural essencial, a universidade deve refletir em suas preocupações intelectuais o grau de consciência que o homem tem de si mesmo e o papel que desempenha na sociedade.

Referindo-se novamente ao artigo 43 da LDBEN, nos incisos que se seguem ainda no art. 43, é curioso que apresente outras funções para o ensino superior nas quais se privilegia a formação profissional especializada:

II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

Esta visão de uma instituição que tenta contemplar o ensino profissional e ao mesmo tempo, a cultura livre e desinteressada foi a concepção dos fundadores da USP em 1934.

Em seu projeto original a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras era entendida como instituição que deveria conter as virtudes de uma universidade como um todo. Seria o refúgio do espírito crítico e objetivo e o local adequado no qual seriam formados os novos quadros dirigentes que ultrapassaria, segundo Hey e Catani (2006), a visão profissional e a técnica restrita que caracterizavam os cursos superiores que dominavam na época.

A idéia era de que a FFCL centralizasse cursos básicos, comuns e propedêuticos, que garantiria às demais escolas, faculdades e institutos os novos padrões de ensino e pesquisa básica e aplicada. Deveria também realizar a integração dos cursos e das atividades acadêmicas de toda a USP. Seria a escola propriamente universitária, um centro dedicado à totalidade e à universalidade do saber, e o núcleo unificador de toda a universidade.

Para tanto, em seu projeto, os fundadores previam a construção de uma cidade universitária com a organização de prédios, laboratórios e equipamentos para uso comum que ampliassem a convivência entre mestres e alunos. Além disso, seriam contratados mestres estrangeiros para que se iniciasse na FFCL o cultivo de estudos ainda não conhecidos no país e se implantasse uma tradição de pesquisas

e de altos estudos desinteressados, o que consequentemente formaria um novo quadro de intelectuais e especialistas de alto nível.

Esta concepção, no entanto

Logo entra em conflito com as escolas tradicionais – Direito, Engenharia e Medicina – que enfatizavam a formação profissional e não somente a formação da “cultura humanística”, que visava conteúdos não profissionalizantes ligados aos aspectos globais da sociedade. (Hey e Catani, 2006, p.300)

Este modelo concebido originalmente para a USP, nunca foi efetivado. Um dos motivos foi que, segundo Irene Cardoso (1982), as escolas profissionais achavam que o Brasil não precisava de humanismo, mas sim de técnicos para garantirem o progresso econômico.

Além disso, segundo Celeste Filho (2004), a FFCL era tida como formadora de professores para o ensino médio e como tal, não poderia ser efetivada como órgão integrador das universidades. Ela acabou então, tornando-se uma faculdade como as demais, ou seja, profissionalizou-se como as outras, numa tradição já cristalizada do sistema universitário brasileiro.

Para Severino, não se pode perder de vista que a formação universitária é um processo extremamente complexo.

É preciso superar essa idéia reducionista que a função educativa da universidade se exaure na formação de mão-de- obra, como mera preparação para o mercado de trabalho, por mais especializada que fosse essa preparação. Se é verdade que a apropriação e o domínio de conhecimentos e habilitações técnico-científicas são exigências indiscutíveis, é igualmente verdade que essa formação não pode reduzir-se a tanto ( Severino, 2001.p. 186).

A formação universitária pode superar o modelo meramente profissionalizante para alicerçar-se numa cultura superior fundada na prática da pesquisa e da investigação sistemática de nossos problemas. Neste modelo de educação se formarão personalidades integradas e conscientes da realidade social em que irão atuar.

É interessante então, refletir como esta perspectiva de educação superior, que tenta superar o modelo de transmissão de conhecimentos técnicos e que está incorporada na legislação, se apresenta no discurso e a prática de professores.

Reis Filho (1981), defende que a universidade deva contribuir para o desenvolvimento do país, equipando-se com uma bagagem de saber profundamente comprometido com os interesses nacionais, que possa fornecer recursos para uma ação eficiente no processo de conquista e posse das riquezas do país.

Ainda referindo-se ao artigo 43 da LDBEN, percebe-se que a indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão nas instituições universitárias expressa na constituição federal em seu art. 207 não é citada. Porém, nos incisos que se seguem nesse artigo, a extensão aparece da seguinte maneira:

VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.

Para Silva (2002), o conceito da extensão universitária está ligado à idéia de função social da universidade. Na atual organização social, a extensão configura-se em uma das formas de atuação mais necessária, pois a universidade é uma realidade social e política.

Para ele, a extensão é a expressão do compromisso social do próprio conceito de universidade, para dar-lhe objetivos sociais, políticos e culturais.

No entanto na história da extensão na universidade brasileira, não existe homogeneidade sobre o que seria e nem como ela seria realizada. Ora era apresentada como função social, ora como atividade complementar. Foi percebida como um modo de comunicar as realizações do ensino e da pesquisa à população, e também buscar soluções para os problemas sociais.

Existe ainda o desejo de que a universidade preste serviços à sociedade e assim busque sua auto-sustentação financeira. Por um outro lado, outros defendem que a extensão universitária tenha a função de uma universidade cidadã ligada aos problemas da maioria da população, correndo-se o risco de que a universidade tome o lugar do Estado.

Todas essas perspectivas ligadas às funções da universidade e seus compromissos com a sociedade, são expressos de maneira complexa na LBDEN.

Segundo Cury, (1997), a LDBEN registra as muitas vozes que lhe deram vida. Vozes dominantes, mas também recessivas, abafadas, imbricadas no complexo processo de sua tramitação entre o Senado e a Câmara Federal, da sua iniciação até sua aprovação e sanção. Seu processo de construção foi bastante complexo e polêmico, desde seu projeto original, que pela primeira vez na história do país, partiu da iniciativa do legislativo e não do executivo. Talvez por isso contenha esse jogo de vozes.

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