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O Suriname, menor país da América do Sul225, localiza-se entre a Guiana (a oeste), a Guiana Francesa (a leste), o Brasil (ao sul) e o Oceano Atlântico (ao norte). Foi uma colônia neerlandesa de plantação, voltada para exportação de café, açúcar e outras culturas, de grandes lucros para a metrópole. Embora representasse a menor economia da região, no século XVIII “foi não só a mais rica colônia das Guianas, como também uma das mais prósperas do Caribe”226.

Ao longo de sua história houve uma tentativa malsucedida de colonização com caribenhos e europeus (estes últimos, portugueses de origem judia em sua maioria, que se instalaram no país em 1664227, depois de passar pelo Brasil e por Caiena, na Guiana Francesa)228. Em meados do século XIX teve início uma grande migração, principalmente de pessoas de origem asiática contratadas com o intuito de substituir a mão de obra escrava, que tinha data definida para ser abolida pelo governo da metrópole: 1863229. Entre 1854 e 1874

225 Com extensão de 163,821 km², o Suriname possui dez distritos administrativos, localizados pincipalmente nas

proximidades da costa do país: Brokopondo, Commewijne, Coronie, Marowijne, Nickerie, Para, Paramaribo, Saramacca, Sipaliwini e Wanica.

226 RIBEIRO, Fernando Rosa. A construção da nação (pós-)colonial: África do Sul e Suriname, 1933-1948. Estudos Afro-Asiáticos, v.24, n.3, p.483-512, 2002 (p.508).

227 Segundo Maria Stela de Campos França (Apanjaht: a expressão da sociedade plural no Suriname. 228p. Tese

[Doutorado em Antropologia Social] - Universidade de Brasília, Brasília, 2004), a partir de 1900 os judeus, que não eram muitos, passaram a migrar gradativamente para a Holanda, para estudar, e não retornaram ao país, reduzindo ainda mais o grupo.

228 RIBEIRO, Fernando Rosa. O encontro (pós-colonial): “raça”, história e território no Brasil, África do Sul e

Caribe. Universitas: Relações Internacionais, v.2, n.2, p.83-107, 2004 (p.90); e FRANÇA, op. cit.

229 Mais de vinte anos após a abolição da escravidão, o governo decidiu pôr em prática o plano de “assimilar”

população de “cor” à sociedade a — negros e “mulatos”, estes últimos, muitas vezes chamados de mestiços —, e estabeleceu, em 1876, o ensino obrigatório em língua neerlandesa para todos os habitantes, com currículo similar ao lecionado na metrópole colonial. Contudo, deixou de fora, parcial ou totalmente, os migrantes de origem asiática, que, da mesma forma que seus descendentes, não eram considerados habitantes da colônia, já que chegaram com contrato de trabalho e, ao seu término ou não renovação, deveriam retornar ao seu país de origem — o que não se concretizou, a maioria permaneceu no país (RIBEIRO, A construção da nação (pós-)colonial: África do Sul e Suriname, 1933-1948, op. cit.).

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chegaram chineses230, e a já partir de 1870, indianos. Em 1891 começaram a chegar javaneses231. Entre 1873 e 1917, chegaram ao Suriname 34.024 migrantes232.

Mesmo com a abolição, os escravos foram obrigados por lei a permanecer nas fazendas de seus antigos donos como trabalhadores assalariados, e a participar de um programa forçado de aprendizagem233. Eles foram libertados gradualmente, e um grande número foi se instalar

em Paramaribo, o que fez com que a população da capital se tornasse maior que a do interior do país — e os poucos postos de emprego não absorviam a quantidade de libertos que chegavam. Nesse contexto, surgiu, na época, uma “classe empobrecida e urbana” de Creolen234.

No final do século XX, quando as plantações para exportação já não davam lucro para a metrópole, teve início um novo projeto de ocupação: com o intuito de povoar a colônia, os migrantes que resolvessem permanecer após findo o seu contrato ganhavam um lote de terra no interior, “propositalmente pequeno, para que seus ocupantes pudessem plantar para comer, mas tivessem, ainda assim, que vender sua força de trabalho nas grandes plantações coloniais”235;

visava-se, também, que além do consumo familiar, eles produzissem um excedente para exportação236 — de modo que a maioria dos migrantes de origem asiática decidiu permanecer no país.

No contexto da mobilidade de escravos libertos e migrantes asiáticos formaram-se várias comunidades, não apenas hindustanas ou javanesas, no interior do país, e espaços em que os negros foram se instalando nas áreas urbanas, na capital ou em pequenas cidades próximas a ela. Para Fernando Rosa Ribeiro, essa mobilidade contribuiu para formação da pluralidade étnica da sociedade surinamesa, também percebida na diversidade linguística e em sua geografia. Segundo o autor,

quando se está em Paramaribo, basta atravessar o rio Suriname, por exemplo, para deparar com todo um distrito eminentemente rural, o Commewijne (cortado pelo rio do mesmo nome), habitado na maior parte por javaneses

230 Entre 1853 a 1870 chegaram 2.500 chineses com contrato de trabalho assinado, mas muito desses imigrantes

passaram por vários problemas, desde a não adaptação aos trabalhos nas plantações, as promessas de ganhos não concretizadas até desilusões; muitos adoeceram ou se suicidaram, e em pouco tempo a contratação de chineses pelo governo colonial foi reduzida — mas eles continuaram chegando por conta própria (FRANÇA, op. cit.)

231 RIBEIRO, A construção da nação (pós-)colonial: África do Sul e Suriname, 1933-1948, op. cit. 232 FRANÇA, op. cit.

233 Segundo França (op. cit., p.66), com a abolição, aos escravos “foi dado um prazo de dez anos, chamado de

‘liberdade assistida’, com duas finalidades: a primeira foi a de os escravos se adaptarem à sua nova condição de libertos; a segunda foi para que houvesse a adaptação econômica do país, substituindo a mão de obra escrava pela de trabalhadores contratados”.

234 RIBEIRO, A construção da nação (pós-)colonial: África do Sul e Suriname, 1933-1948, op. cit, p.495. 235 Ibidem, p.496.

107 surinameses. Nieuw Nickerie, distrito e segunda cidade do país, ao lado do rio Corantijn, portanto da fronteira com a vizinha Guiana, é território indiano237.

A marronagem também marcou profundamente a história e a formação da sociedade surinamesa, uma vez que muitos escravos que resistiram à escravidão fugiram e estabeleceram comunidades no interior da floresta238 — eles constituem os negros atualmente conhecidos como marrons239, ou Noirs Marrons240, do país. Dessa forma, “ao lado da migração e colonização, o processo de resistência à escravidão no Suriname acrescenta um novo segmento à sociedade”, formado por escravos fugidos chamados, inicialmente, de negros da floresta (bush

negroes)241, estabelecendo-se, assim, um segundo grupo de negros no país.

Os diversos grupos do Suriname ainda mantêm língua, religião e cultura próprias: a escolarização, tanto básica como superior, é na língua oficial do país, a holandesa, e todos aqueles que frequentam o ensino formal a aprendem. Mas a primeira língua que aprendem é a de seu grupo étnico-cultural, que é a falada em casa, e a segunda, o Sranantongo, a língua corrente falada nas ruas e que aprendem com os amigos242.

No Suriname a diversidade cultural e a religiosa são bem demarcadas pela origem étnica dos grupos. De acordo com dados divulgados pelo órgão oficial de estatísticas surinamês, o Algemeen Bureau voor de Statistiek in Suriname, em 2012 o país tinha 541.638 habitantes, dos quais 148.443 hindustanos (descendentes de indianos; 27%), 117.567 bosnegers ou Noirs

Marrons (22%), 84.933 crioulos (16%), 73.975 javaneses (14%), 72.340 mestiços243 (13%),

237 Ibidem, p.497.

238 De acordo com Richard Price (Quilombolas e direitos humanos no Suriname. Horizontes Antropológicos, v.5,

n.10, p.203-241, 1999 [p.205]), quando recapturados “eram ‘punidos’ rotineiramente com o corte dos tendões das pernas, a amputação de membros e uma série de mortes sob tortura. Na verdade, até o final do século 18, a exibição pública de torturas e as execuções de quilombolas recapturados eram comuns em Paramaribo”.

239 Segundo Richard Price e Sally Price (Les marrons. 2.éd. La Roque d’Anthéron: Vents d’ailleurs, 2004, p.9),

“Le mot français ‘marron’ vient de l’espagnol cimarrón, mot dérivé de la langue des Indiens Tainos de le bétail échappé dans les collines d’Hispaniola. Puis il a servi à qualifier les esclaves amérindiens qui fuyaient les Espagnols. À la fin des années 1530, il a commencé à s’appliquer exclusivement aux fugitifs afro-américains et s’est teinté d’une forte connotation de courage et de caractère indomptable”. No Brasil, o termo correspondente aos escravos que fugiam é quilombola.

240 Também “historicamente chamados de maroons ou ainda bosnegers, ‘negros do mato’” (RIBEIRO, A

construção da nação (pós-)colonial: África do Sul e Suriname, 1933-1948, op. cit., p.508.

241 FRANÇA, op. cit., p.70.

242 RIBEIRO, A construção da nação (pós-)colonial: África do Sul e Suriname, 1933-1948, op. cit.; FRANÇA, op.

cit.

243 Grupo sem expressividade étnica e política (não possui nenhuma data comemorativa referente a ele nem partido

político para que possa eleger representantes na Assembleia Nacional), pois não é incorporado como um dos grupos do país, de modo que os mestiços são identificados de acordo com o grupo ao qual a pessoa foi criada e assumiu. Segundo França (op. cit., p.34), são “denominados dogla ou douglas, Dogla, dougla, doghla ou dogula, termos usados respectivamente na Índia, Guiana, Trinidad e Tobago e Suriname referindo-se a pessoas mestiças entre indianos e outros grupos não indianos, usualmente descendentes de africanos. Deriva do hindi significando relações entre castas e tem conotação derrogatória, de impureza”.

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20.344 indígenas (4%), 7.885 chineses (1%), e 16.151 (3%) declararam pertencer a outro grupo244 (Figura 4). Essa diversidade também está presente na organização política, que conta com partidos étnicos desde a “política pós-colonial desenvolvida já antes da autonomia concedida pela metrópole em 1954, e que seria firmada com a independência oficial em 1975”245. No Suriname, compõem a Assembleia Nacional os representantes dos partidos

políticos étnicos eleitos em seus distritos246.

Figura 4: Distribuição da população surinamesa pela composição étnica.

Maria Stela de Campos França, que estudou a formação da sociedade Surinamesa, compreende que esta é uma “sociedade plural”, de diferentes grupos étnicos-culturais, que enfatiza uma ideologia, o apanjhat, de igualdade entre os grupos, para que nenhum prevaleça:

O apanjhat é a expressão surinamesa da sociedade plural definida pelos sociólogos, no sentido de que é uma ideologia que procura agregar os diferentes ao invés de construir um “nós surinamês”. A ausência desse “nós” é observável na forma como o país se torna uma entidade histórica, no sentido de que, ao contrário da grande maioria dos países, não há uma narrativa sobre os surinameses, mas numerosas narrativas sobre os grupos étnico-culturais: indígena, chinês, marron, crioulo, indiano e javanês247.

244 ALGEMEEN BUREAU VOOR DE STATISTIEK IN SURINAME. ABS Census Uitslag 2012. 1p. Disponível

em: http://www.statistics-suriname.org/index.php/censuskantoor/abs-census-uitslag-2012. Acesso: 8 de novembro de 2016.

245 RIBEIRO, A construção da nação (pós-)colonial: África do Sul e Suriname, 1933-1948, op. cit., p.506. 246 HÖFS, Carolina Carret. Yu kan vertrouw mi: você pode confiar. 174p. Dissertação (Mestrado em Antropologia

Social) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006.

247 FRANÇA, op. cit., p.71.

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