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O MERCADO DO SEXO NO SURINAME: O HABITUAL E A TOLERÂNCIA

3.1 Sair do Brasil: motivação da viagem

3.1.1 Os filhos: a importância do suporte familiar

Para as mulheres que têm filhos, a decisão de migrar através do clube também implica em decidir com quem deixá-los. Normalmente elas recorrem às avós das crianças, com as quais eles permanecem até seu retorno ou até adquirir independência financeira, quando já têm mais de 18 anos. Em campo foram encontradas mães que estavam no Suriname havia mais de dezesseis anos cujos filhos permaneciam com quem os abrigou desde o dia de sua viagem — uma responsabilidade para quem aceita cuidar das crianças e dos adolescentes daquelas que partem na expectativa de lhes dar uma vida melhor.

A maioria dos filhos das mulheres entrevistadas ficou, no Brasil, sob a responsabilidade, principalmente, de uma mulher, mas há casos de ex-maridos (os pais) que ficaram com eles, único momento em que a figura masculina aparece na acolhida das crianças depois da separação do casal. As avós maternas figuram como as grandes acolhedoras (nove), seguidas pelos ex- maridos (três) e pelas avós paternas (duas); e uma das mulheres deixou uma das crianças com uma amiga. Doze das mulheres que viajaram para o Suriname através de clubes tinham filhos quando foram, e no momento da pesquisa treze eram mães, num total de 32 filhos (Tabela 7).

385 Segundo Quirina, essa funcionária era conhecida por criar dificuldades nas solicitações de casamento

envolvendo brasileiras e homens surinameses, e agia assim porque fora casada e o marido a deixara por uma brasileira.

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Tabela 7: Os responsáveis pelas crianças na ausência da mãe.

Responsável Número de mães* Número de crianças

Avó materna 9 15

Ex-marido 3 8

Avó paterna 2 4

Amiga 1 1

Não tinha filhos quando migrou 2** -

* Treze das mulheres entrevistadas que viajaram para clubes de prostituição do Suriname tinham filhos no momento da pesquisa, mas o número de mães citadas nesta tabela difere porque a maioria das que tinham mais de um filho não deixou todos na mesma casa; assim, uma mãe pode ter deixado um dos filhos na casa da avó materna e outro na casa de uma amiga.

** Uma delas, no momento da pesquisa tinha dois filhos, que nasceram no Suriname e estão com ela e o marido. A outra permanece sem filhos e continua atuando no mercado do sexo.

No geral, as mulheres que tinham mais de uma criança optaram por separá-las, sobretudo dividindo-as entre as avós materna e paterna. Das 28 crianças que ficaram no Brasil quando a mãe foi para o Suriname, dezenove ficaram com as avós. Ao falar do momento em que deixaram os filhos com outra pessoa para poder viajar, as emoções afloravam, uma mistura de impotência, medo, coragem, responsabilidade e desejo de um futuro melhor — desejo que muitas mulheres, mesmo passados alguns anos, não conseguiram realizar:

O dia que eu vim eu chorei demais, abracei demais meus filhos. Agora ainda me dá vontade até de chorar. Eu abracei a Vânia, o Marlon. A minha mãe nem sabia que eu ia [para o Suriname], nada, ninguém. O Sandro eu deixei com a minha mãe, [...]. Depois, eu aqui, com dois meses que eu cheguei aqui em Suriname, eu mandei avisar pra minha mãe. Só que a minha mãe não sabia onde eu tava, eu não falei o que eu vim fazer, mas a família do pai dos meus filhos sabia. (Lara, 52 anos, proprietária de cantina e cabaré, três filhos, entrevistada em 2011 no Suriname)

As três mulheres que recorreram ao ex-marido, mesmo sabendo que corriam o risco de perder a guarda dos filhos, o fizeram porque não puderam deixá-los com as avós. Yasmim (34 anos, cozinheira de restaurante, duas filhas, entrevistada em 2011 no Suriname) foi uma delas:

– Quando eu vim pra cá elas ficaram com o pai. – Tu já estavas separada dele?

– Já, já tava separada. Nessa época elas estavam comigo, só que quando eu decidi vir, eu não falei pra ele pra onde eu vinha, que era pra cá. Eu falei que eu ia trabalhar, mas eu não disse que eu vinha pro Suriname. Eu disse: “Então, você vai ficar com as minhas filhas, só que eu não tô te dando, eu tô deixando por uns tempos com você”. Aí eu vim.

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Deixar os filhos com o pai nem sempre é sinônimo de tranquilidade, mesmo quando elas participam financeiramente do sustento daqueles (e todas afirmaram que enviavam dinheiro para as despesas dos filhos que ficaram):

De quinze em quinze dias eu mandava dinheiro pra elas. Só que quando eu mandava dinheiro, eu sempre ligava pra saber se caiu o dinheiro e quanto tinha dado. Aí, uma vez eu cheguei a falar com a minha filha, e disse assim: “Filha, cadê seu pai?”. Ela disse: “Mãe, toda vez que a senhora manda dinheiro o papai fica no bar, bebendo com seu dinheiro”. [...] Mandei pagar plano de saúde pra essa minha filha menor, só que ele nunca levou ela no médico; o plano que eu pagava, que era Unimed, ele nunca levou ela. Aí, a minha filha disse pra mim que ele só fazia gastar o dinheiro que eu mandava pra elas. Ele saía com a mulher e os dois bebiam. Muitas vezes, eu ligava pro Brasil — já cheguei a ligar pro Brasil umas nove horas, nove e meia da noite, até dez horas —, a minha filha disse pra mim: “Mãe, eu tô com fome”. “E o dinheiro que eu mandei?” “Ah, o papai tá bebendo.” (Yasmim, 34 anos, cozinheira de restaurante, duas filhas, entrevistada em 2011 no Suriname)

Uma das mulheres só voltou para buscar um dos filhos depois que ele havia completado 19 anos, e o levou para trabalhar no garimpo; a que estava no Suriname havia dezesseis anos na época da pesquisa de campo, os filhos permaneciam com o pai; uma, apesar de ter deixado os filhos com a avó paterna, encontrou dificuldades para recuperá-los, pois o pai interveio e quis impedir a sua saída da casa da avó, obrigando-a a recorrer à Justiça para reaver a guarda deles; uma retornou um ano depois para buscar as filhas e teve problemas com o ex-marido, para recuperá-las:

Com um ano eu resolvi e fui lá no Brasil, pra buscar elas. Ele disse que ia me dar, aí não me deu. Na segunda vez, eu fui de novo no Brasil, aí foi que ele me deu ela[s], aí eu trouxe. Aí, pegou e falou que ele ia me dar ela[s], mas com seis meses era pra mim voltar, senão ele ia mandar a polícia atrás de mim. Mas eu sabia [o] que as minhas filhas estavam passando, a madrasta maltratava. A mais velha, a madrasta bateu nela de cano. Ela chamava minha filha de vagabunda, dizia que ia ser puta, ia ser isso, falava muitas coisas pra ela; ela batia na menor. Então elas passaram por muita dificuldade, e quando eu consegui pegar elas, aí eu não voltei mais, não deixei mais elas irem. Aí ele disse que ia botar a polícia atrás de mim. Eu digo: “Então bote”. Elas passaram cinco anos aqui comigo. Quando foi agora, em dezembro, elas foram porque ele tá com câncer, aí deixei elas irem. Mas, assim, minha vida lá no Brasil não foi muito boa, então eu não tenho vontade de morar mais no Brasil. (Yasmim, 34 anos, cozinheira de restaurante, duas filhas, entrevistada em 2011 no Suriname)

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