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O MERCADO DO SEXO NO SURINAME: O HABITUAL E A TOLERÂNCIA

3.1 Sair do Brasil: motivação da viagem

3.1.2 Relações pessoais: proximidade com a intermediária com o clube

Treze das entrevistadas (93%) que tiveram como destino da viagem um clube de prostituição no Suriname partiram do Aeroporto Internacional de Belém, e uma partiu de Boa Vista, capital de Roraima. Em sua maioria, elas foram por intermédio de uma amiga ou de uma mulher da família — assim, a mediação entre elas e o clube foi realizada por mulheres com alto grau de proximidade, e quanto mais próxima a intermediadora, mais fácil foi o convencimento e a aceitação da proposta.

As expectativas eram, sempre, ficar um curto espaço de tempo, ganhar dinheiro e voltar para o Brasil, comprar uma casa e dar uma vida melhor para os filhos. “Passar uns três meses e depois voltar; pegar dinheiro e voltar”, explicou Quirina (42 anos, vendedora de loja chinesa de roupa, dois filhos, entrevistada em 2011 no Suriname) — um tempo que está atrelado aos três meses que o clube dá para as mulheres pagarem a dívida, pois elas acreditam que, em razão da possibilidade de pagá-la parceladamente, conseguirão guardar o bastante para retornar e recomeçar a vida.

A amiga como intermediária apareceu na fala de cinco (36%) entrevistadas que migraram para clube de prostituição no Suriname. Como disse Juliana386, 30 anos, trabalhadora do sexo, sem filhos, 7ª série, “na verdade eu conhecia uma amiga minha que veio e ela fazia

strip também, ela era menina de pole dance” (dança do ferro e strip-tease, ou strip, como elas

diziam)387.

Juliana nasceu no Nordeste388 brasileiro, mas vivia em Boa Vista desde os 19 anos. Morou com os pais, comerciantes, na fronteira com a Venezuela por algum tempo, mas foi em Boa Vista que se iniciou como trabalhadora do sexo — contou que nessa cidade há vários clubes de prostituição. Em 2006 decidiu seguir uma amiga que trabalhava em clube do Suriname, o Aventura, com pole dance. Juliana, nesse clube, fazia strip-tease, e disse que poucas vezes precisou recorrer à prostituição (no sentido de fazer sexo pago com qualquer um), pois quem trabalha nisso ganha muito bem e normalmente tem um cliente fixo, que a “banca”, ou seja, financia sua estada no clube, e seu trabalho ali se restringe à dança. Ela ficou no Aventura três meses, mas quitou sua dívida, de pouco mais de trezentos dólares, em três dias, sem a ajuda de

386 Entrevistada em 2012 no Suriname; tinha permanência no país renovável a cada dois anos. 387 A clássica dança ao redor de uma barra vertical.

388 Antes de gravar a entrevista Juliana pediu que seu estado natal não fosse informado. Aliás, foi uma das

condições impostas para concedê-la: argumentou que dificilmente as pessoas de seu estado migram para o Suriname, e sua divulgação a identificaria de imediato, sobretudo por familiares que desconhecem sua experiência na prostituição.

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cliente. Saiu dali para trabalhar como sacoleira e como profissional do sexo em cabarés, e quando teve malária passou um tempo em Paramaribo, para tratar-se, período em que voltou a trabalhar no Aventura — mas ficou nele apenas o tempo suficiente para recuperar-se, depois voltou a circular em cabarés. Foi a única entrevistada que não teve o passaporte retido pelo clube, além do valor de sua dívida ser bem inferior ao das demais entrevistadas.

Das quatorze mulheres que passaram por clube no Suriname, uma foi contatada diretamente por uma desconhecida; duas citaram uma desconhecida como intermediária do clube, contudo foi uma amiga que as encorajou a viajar e as apresentou a essa mulher, e a amiga já estivera em um clube; seis (43%) tiveram como intermediária uma mulher com algum tipo de relação familiar: irmã (três), tia (duas), cunhada (uma) (Figura 30).

Figura 30: Relação da mulher que migrou para o Suriname através de um clube de

prostituição com a intermediadora do clube para a viagem.

Há dois relatos de que nove mulheres, amigas e residentes do mesmo bairro em Belém, viajaram no mesmo voo para o mesmo clube, o Manilla (das quais duas foram entrevistadas nesta pesquisa): “Conhecia todas elas. [...] A gente morava praticamente uma pertinho da outra, éramos todas amigas. Todas ainda estão aqui. As que estão aqui, a gente sempre tem contato uma com a outra” (Ana, 37 anos, cabeleireira e manicure, dois filhos, entrevistada em 2011 no Suriname).

Dessas nove, nenhuma atuava na prostituição no Brasil, em sua maioria eram donas de casa com problemas financeiros e/ou com o companheiro (violência doméstica). Uma delas foi abordada por uma desconhecida, decidiu viajar, contou para uma amiga... e assim uma foi

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contando para a outra e a encorajando a ir também. Ao chegar ao Suriname, um taxista que falava português estava no aeroporto à espera do grupo. A desconhecida, protagonista da viagem das nove, tinha contato com a brasileira que era casada com o proprietário do clube, com a qual intermediou a viagem. Ela ganhou financeiramente com a partida de cada mulher, e provavelmente o seu pagamento foi incluído na dívida delas, já que o clube não perde nada.

Em muitos casos, a mulher que migrou com dívida para prostituição em clubes torna-se peça-chave na mobilidade e adaptação de outras mulheres que migram na mesma situação. Brasileiras que trabalharam em clubes e tornaram-se gerentes ou esposas do proprietário, na Guiana ou no Suriname, são as principais articuladoras de viagens de mulheres para prostituição, e nem sempre precisam procurá-las, pois são conhecidas no ramo, de modo que muitas chegam até elas por celular, Facebook, conhecidos, ou chegam até elas porque ouviram falar delas em algum lugar e foram atrás. Assim, elas nem sempre têm que participar ativamente do processo de mobilidade internacional de mulheres para prostituição.

Entre as nove amigas mencionadas que partiram juntas para o Suriname, a que foi abordada pela desconhecida é a Cláudia389, 32 anos, dona de cabaré/cantina390 e de máquina no garimpo, duas filhas (uma nascida antes de migrar e outra na Guiana Francesa), 5ª série, natural do Maranhão mas que desde criança residia em Belém. Ela engravidou do namorado aos 14 anos, e ele nunca a ajudou financeiramente depois que a criança nasceu, quem a ajudava era a mãe dela, com quem morava. Em 1997, com 17 anos, deixou a filha com sua mãe e migrou para o Suriname, para trabalhar no Manilla: no Brasil a desconhecida391 a abordou na porta da escola, e ela viajou com as oito amigas, estas, maiores de idade392. Todas sabiam que estavam indo para um clube de prostituição — do qual Cláudia fugiu um mês depois de chegar e foi para um cabaré no garimpo, sem terminar de pagar sua dívida de pouco mais de dois mil dólares393. Posteriormente ela trabalhou como cozinheira em garimpos na Guiana Francesa e no Suriname. Circulando entre os garimpos da Guiana Francesa, que são ilegais, foi deportada quatro vezes pelos gendarmes, mas sempre retornou varando. Na última vez foi deportada para Belém, de onde só poderia voltar ao Suriname de avião; como não conseguiu dinheiro para a passagem, recorreu ao Seven-to-Seven, que pagou sua passagem. Ficou nele um mês, saiu com a ajuda de

389 Entrevistada em 2012 no Suriname; tinha permanência no país renovável a cada dois anos.

390 Aqui a sobreposição das palavras “cabaré” e “cantina” deve-se ao fato de se ficava na Guiana Francesa, onde,

diferentemente do Suriname, a prostituição e o comércio de mercadorias (perfumes, roupas, sapatos, gêneros alimentícios, óleo diesel) podem ser vendidos no mesmo espaço.

391 Segundo Cláudia, a mulher que a recrutou (que na época da entrevista morrera havia alguns anos) morava na

Cidade Nova, bairro do município de Ananindeua, região metropolitana de Belém, e constantemente circulava por uma rua do bairro onde as nove moravam nesta última cidade.

392 Cláudia era a única menor, e contou que a desconhecida falsificou seus documentos. 393 A dívida de Cláudia é uma das mais altas em razão da aquisição de documentos falsos.

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um cliente: um engenheiro surinamês de origem javanesa, com cidadania holandesa, e residência na Holanda, que estava trabalhando no Suriname, pagou sua dívida. Apesar de ela sair do clube, não foram morar juntos, mas ele pagava as suas despesas em Paramaribo e a visitava diariamente. A relação durou seis anos, acabou porque ele voltou para a Holanda. Em 2004, Cláudia fez duas viagens para a Holanda num único mês, como “mula”, levando drogas no estômago: a primeira vez que foi, depositou na conta do namorado (brasileiro) os quatro mil e quinhentos euros que ganhou, e ele fugiu com o dinheiro; quinze dias depois, como sua filha mais velha estava internada e era preciso pagar o tratamento, foi novamente, mas agora tomou a precaução de guardar consigo os cinco mil euros que ganhou.

As duas entrevistadas que tiveram contato com uma mulher desconhecida, uma delas através de uma amiga, disseram que as intermediadoras do clube não faziam a viagem para o Suriname, só recrutavam mulheres em bairros diferentes daqueles onde estas moravam. Além de Cláudia, isso aconteceu com Marta (33 anos, sacoleira, dois filhos, entrevistada em 2011 no Suriname), que foi se encontrar com a mulher na casa de uma amiga que já viajava para o Suriname (mas o caso de Marta é uma exceção, a mulher morava no mesmo bairro que ela). Nesses casos, as aliciadoras recebiam dinheiro para recrutar mulheres em Belém e região metropolitana dessa cidade com o intuito de enviá-las para clubes de prostituição daquele país:

– Tu conheceste essa moça que te indicou pra vir pra cá ou você já conhecia ela?

– Não, conheci nessa época. Eu conhecia uma colega minha, e a minha colega conhecia ela. Ela que mandava pra cá.

– Ah, tá, essa moça então não vinha pra cá, ela... – Só mandava.

– Ela era lá do bairro?

– Na época era, agora ela sumiu. Nunca mais vi ela, muitos anos. Não tenho mais contato com ela.

Também no caso de Nair, a mulher que a recrutou não viajava para o Suriname — sua vizinha lhe fez a proposta e providenciou a viagem:

Foi uma mulher que morava lá perto de casa. A vida muito difícil no Brasil, sabe?, ainda mais pra quem não estuda — eu só tinha até a 5ª série —, a vida muito difícil, jovem, não pensava, e aí eu peguei... e ela disse que tinha essa viagem pra cá, que fazia isso, fazia aquilo, ganhava muito dinheiro. Aí eu vim com aquela influência, e acabei que vim e até hoje eu tô aqui [risos].

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Nair394, 39 anos, dona de casa, quatro filhos, 5ª série, é natural de Belém. Teve o primeiro filho aos 14 anos, de um homem com quem vivia; separou-se aos 17 e, em razão de dificuldades financeiras, deixando o filho com sua mãe e foi para uma casa de prostituição de Nova Iguaçu (município da região metropolitana do Rio de Janeiro), para uma casa, de propriedade de uma paraense, onde ficou três meses — segundo ela, foi quando se iniciou na prostituição. Retornou a Belém e reatou com o ex-companheiro, e teve o segundo filho. Em 1995, quando tinha 23 anos, a vizinha a convidou para ir para o Diamond, e ela aceitou (deixou os filhos com o ex-marido). Posteriormente viajou três vezes para a Holanda, para clubes em Amsterdam, e chegou a ficar noiva de um holandês, que conheceu no clube em que ficou nessa cidade. Sua circulação em clubes foi de um ano e meio, e na última delas, também no Diamond, um cliente (um garimpeiro brasileiro) a ajudou a pagar o restante de sua dívida. Depois que saiu dali, casou-se com ele (na época da pesquisa de campo, já estavam juntos havia quatorze anos), e trabalhou como babá, mas depois de um acidente de carro passou a se dedicar apenas à família. Após o casamento nunca mais viajou para o Brasil — além dos dois meninos nascidos em solo brasileiro, Nair teve um casal (desse homem): o menino nasceu na Guiana Francesa (em Saint- Laurent du Maroni) e a menina, mais nova, no Suriname. Os filhos que teve no Brasil já são maiores, e um deles ela levou para o Suriname, para trabalhar no garimpo.

Como mencionado, o fato de conhecer a pessoa que intermedia a viagem ou alguém que a conhece facilita a aceitação da proposta de prostituição, principalmente quando se trata de alguém que já esteve no Suriname e tem uma vida próspera, roupas, joias, que compra presentes para a família, e, mais ainda, se conseguiu construir uma casa com dinheiro ganho na prostituição no clube. Essas mulheres não costumam economizar nos gastos quando visitam a família no Brasil, e sempre buscam demonstrar para familiares e vizinhos o quanto estão bem financeiramente:

Ela falou que era só para eu vir, fazer… ganhar dinheiro; ficar no clube e ganhar dinheiro, e pronto, depois construir alguma coisa lá no Brasil, como ela tinha feito. Ela já tinha vindo a primeira vez [...] e construiu uma casa; ela tinha uma casa muito bonita. Mas eu nunca mais fui na casa dela, não sei mais. (Marta, 33 anos, sacoleira, dois filhos, entrevistada em 2011 no Suriname)

Essa proximidade entre a mulher que viaja e a que providencia a viagem, ou entre esta e uma amiga daquela, permite que uma dê suporte à outra na partida para um país estrangeiro:

189 – O pessoal do Manilla que te mandou buscar?

– Sim, que mandou minha passagem. – Vieste sozinha ou com mais alguém? – Eu vim com essa minha amiga. – Era amiga de infância?

– Não, era de lá do meu bairro mesmo.

– Era uma pessoa que tu conhecias ou era amiga, amiga? – Amiga.

– Ela também foi lá pro Manilla? – Sim.

– Mas ela já tinha vindo antes?

– Já. Ela tinha vindo pra cá pro Suriname, já tinha ido pra Holanda. Ela já conhecia. Ela já tinha vindo, acho, umas três vezes, quatro vezes pra cá pro Suriname, e já tinha ido outras vezes pra Holanda. (Yasmim, 34 anos, cozinheira de restaurante, duas filhas, entrevistada em 2011 no Suriname)

Além disso, as interlocutoras mostraram que, na decisão final de embarcar para o Suriname, a relação pessoal com a intermediadora, sobretudo aquelas (treze) que foram informadas sobre a atividade que iriam exercer, ajudou a suplantar medos e dúvidas:

– E quando tu foste para o clube, foi com uma amiga, mas ela era amiga ou conhecida?

– Ela era minha vizinha. Ela não era amiga, amiga, mas a gente se conhecia, tinha uma boa relação, saíamos juntas e tudo. E ela já morava aqui no Suriname já há cinco anos, sete anos [...]. Ela nunca tinha falado daqui. [...], e foi nessa época que ela: “Vamos pro Suriname, vamos passar seis meses, se tu não gostares, tu voltas”. Eu falei: “É, não custa nada, bora”. “Mas eu estou sem dinheiro, não tenho nada, não.” O clube manda a passagem. No caso, quando você não tem ele manda, depois você chega e paga. Eu resisti um pouco, com medo, porque a gente tem muita expectativa de fora, né, na televisão escuta “ah, fica presa se não pagar”, “não pode sair, não”. Não é nada disso. Quer dizer, comigo não foi. (Catarina, 34 anos, manicure, dois filhos, entrevistada em 2011 no Suriname)

Eu tinha uma colega, através dela eu conheci outra, aí ela perguntou se eu queria vir pro Suriname. Aí eu disse que não, porque eu nunca tinha vindo pra um lugar tão longe. Aí ela disse que eu viria com ela, que não era pra mim ter medo. A minha outra amiga contou a minha situação pra ela, né, aí ela pegou e disse pra mim que aqui eu ia ganhar muito dinheiro. Então ela disse que tinha que falar com uma pessoa, que era pra mim vim através de negócio de clube. Aí eu disse pra ela que, já que era assim... porque eu tava vendo minhas filhas passando necessidade. Aí foi aí que eu vim. Ela ajeitou tudinho, aí eu vim; com quinze dias que eu tinha conversado com ela, eu vim com ela. (Yasmim, 34 anos, cozinheira de restaurante, duas filhas, entrevistada em 2011 no Suriname)

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Vê-se a rapidez entre o contato inicial para a viagem e o embarque — no caso de Yasmim, praticamente o tempo de fazer o passaporte e providenciar com quem deixar as crianças. É tudo muito rápido, não há tempo para desistir da viagem rumo ao desconhecido, e elas partem apenas com a promessa de que ganharão dinheiro depressa e poderão mudar a realidade que vivem, a de seus filhos e, quem sabe?, a de outros familiares.

Três entrevistadas foram intermediadas pela irmã, que estava em algum clube no Suriname. Yeda395, 29 anos, vendedora de loja de máquinas e automotores, dois filhos, 8ª série,

é natural de Belém. Trabalhava, no Brasil, mas tinha dificuldades financeiras e sonhos que seu salário não lhe permitia realizar. Sua irmã, que estava num clube no Suriname havia um ano, ia voltar para o Brasil, pois já alcançara seu “objetivo” (uma casa e dinheiro para montar um negócio), e lhe perguntou se não queria ir trabalhar num clube em Paramaribo; se quisesse, ela intermediaria a viagem com o proprietário — e Yeda quis: viajou em junho de 2002, com 20 anos (ainda não tinha filhos), uma semana antes do retorno definitivo da irmã. Foi para o Condor, onde pagou sua dívida em dois dias com a ajuda de um cliente, um espanhol que estava de passagem por Paramaribo — mas permaneceu no clube por um ano, pois acabou se viciando em cocaína, gastava tudo o que ganhava e não conseguia juntar dinheiro para “ajeitar” a vida no Brasil. Saiu dele por pressão da irmã, que chegou a ir a Paramaribo na tentativa de afastá-la das drogas, mas só saiu depois que conheceu um cliente, um garimpeiro brasileiro, com o qual foi morar (quando saiu ainda foi dependente de cocaína por uns três meses). Em 2005 os dois retornaram ao Brasil, para recomeçar a vida, e tiveram um filho (ela descobriu que estava grávida assim que chegou). Yeda começou a trabalhar como manicure, para sustentar o filho, mas recebia pouco e endividou-se, e a vida conjugal já não estava bem. Em 2006, deixou o filho de seis meses com a mãe e voltou para o Suriname, dessa vez para o Manilla. Quem pagou sua passagem, e a de uma colega sua que viajava para esse país pela primeira vez, foi uma amiga com quem trabalhara no Condor — passagem que ambas pagaram sem juros:

– Encontrei uma amiga minha [...], eu fui lá na casa dela e falei que a minha situação não tava boa com o meu marido, aí ela falou: “Não quer voltar? Eu te ajudo, eu pago tua passagem”. Eu falei: “Eu aceito”. Foi quando eu voltei pra cá de novo. Eu deixei meu filho com a minha mãe, entendeu?, e a convite dessa minha amiga eu vim de novo pra cá.

– E como é que foi essa conversa? Você procurou ela, já conhecia ela? – A gente se conheceu aqui no Condor. [...] Eu fui lá na casa dela visitar ela, fui levar meu filho, que ela não tinha conhecido ainda [...]. Ela falou pra mim: “Como é que tá tua vida?”. Eu falei: “Ah, minha vida não tá nada bem. Meu marido, não tenho vivido mais bem como antes. Se eu pudesse eu queria até

191 voltar, mas eu tô sem dinheiro e tô de dívida” — porque depois que eu tive o menino, eu fui virar manicure pra poder sustentar o menino. Ela falou: “Ah, se tu quiseres eu te levo. Chega lá, você paga a minha passagem trabalhando”. [...] Eu tirei meu passaporte e ficou marcado. Aí a gente viemo embora pra cá. – Ela que pagou tua passagem?

– Ela que pagou minha passagem. Minha e de mais uma outra colega minha. Foi pro Manilla. Só que a compensação foi, assim, que a gente pagou a passagem pra ela mesmo, do Brasil, não teve desconto [aumento] em cima. Se a gente tivesse vindo pelo clube, a gente tinha que pagar duas passagens, entendeu? Mas ela, não, ela ajudou nós. Assim, ela disse: “Eu vou ajudar vocês; vocês vão comigo e vocês pagam a passagem pra mim. Chega lá vocês só pagam o quarto pra vocês trabalharem no clube; a gente mora no clube e vocês pagam o quarto lá”.

– A outra já tinha vindo antes?

– Não, primeira vez, nunca tinha vindo. Aí foi pro Manilla. Foi bom porque pagamos pra ela a passagem.

Depois de dois meses no Manilla, Yeda foi embora para o cabaré no garimpo; não demorou muito, foi morar com um ex-cliente do clube, na casa da família dele, e teve outro filho.

Em geral, na primeira viagem de uma mulher para a prostituição em um clube no Suriname, ela vai acompanhada por outra (s) nas mesmas condições que ela; por vezes são mulheres que não se conhecem mas decidiram arriscar a sorte do mesmo jeito, por vezes são amigas que decidiram seguir o mesmo caminho:

– Veio mais alguém com a senhora? – Sim, vieram umas três mulheres ainda. – Mas a senhora conhecia elas?

– Não, nem era minha conhecida. Quando nós viemos a primeira vez aqui, ninguém falava com ninguém, entendeu?

– Aí, chegou no aeroporto e tinha alguém te esperando?

– Já, já. Era o advogado mesmo, que era o Dankfo nesse tempo. – Que era advogado do clube?

– Que era do clube. Ele que resolvia tudo. (Lara, 52 anos, proprietária de cantina e cabaré, três filhos, entrevistada em 2011 no Suriname)

– Quando tu vieste, veio outras meninas contigo?