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A análise de índices de evasão e retenção de uma ins- tituição de ensino serve a diversos propósitos. Estes núme- ros podem ser utilizados, por exemplo, para reforçar o senso comum da falibilidade dos serviços públicos, ou orientar os recursos que os agentes públicos e governamentais deveriam destinar à educação; podem indicar a superação da demanda por determinada área de formação em uma região e a conse- quente extinção de ofertas, ou demonstrar que as metas de elevação da escolaridade e profissionalização dos brasileiros ainda está longe de ser alcançada e precisa ser fortalecida.

Dore e Lüscher ressaltam que, na análise da evasão escolar “deve estar claro qual é a perspectiva considerada como principal referência, bem como os possíveis nexos entre essas diversas perspectivas: a perspectiva do sistema, a perspectiva da escola, a perspectiva individual” (2011, p.776). Em todo caso, estes dados não podem ser suprimi- dos ou negados: ainda que estejam aquém do desejável, faz- -se necessário encará-los não só como um desafio, mas uma oportunidade de fortalecimento da educação pública, de seu caráter popular e democrático.

Ao olharmos para os percentuais de evasão, não esta- mos lidando somente com a diminuição do orçamento para a educação – regulado pelo número de matrículas –, mas

quanto indivíduo social, contribuindo com o trabalho. As disparidades econômicas, políticas e sociais entre as classes de um Estado capitalista, nesta perspectiva, não interferem na qualidade do “ser cidadão”, característica inerente a todos; muitas vezes, a cidadania age mesmo como uma máscara de inclusão, legitimando as desigualdades e dando a impres- são de sociedade igualitária. A ação dos Institutos Federais, enquanto formadores de profissionais, precisa estar calcada na clara noção de que a educação não pode servir para in- tensificar a ideia do cidadão como o simples indivíduo que produz e gera riqueza com seu trabalho. Há que se reforçar a definição, declarada na lei de criação da Rede Federal, do tra- balho enquanto instrumento educacional e formativo, indis- sociável da prática política e essencial para o entendimento da realidade social e sua transformação.

O papel da educação, nesse sentido, é apontado como um instrumento que possibilita a oferta de elementos para a superação do senso co- mum e a construção da consciência filosófica. Pois somente com conhecimento profundo da realidade é possível pensar sua transformação num sentido emancipatório. O pressuposto é que haja uma apreensão do conhecimento já sistematizado e historicamente acumulado. (Fornari, 2013, p.118)

A fim de desnaturalizar o conceito de cidadania e demonstrar que, em sua plenitude, não é consistente com a sociedade de classes, Marshall define três elementos em que esta pode ser dividida, quando realmente efetivada: os di- reitos civis, os políticos e os sociais (Marshall, 1967, p.63). O elemento civil é composto pelos direitos necessários à liber- dade individual, como o de ir e vir, de liberdade de imprensa, de pensamento, direito ao trabalho, à justiça e à proprieda- de. Por elemento político, entende-se o direito de participar Intenta-se utilizar o espaço constituído pelo pro-

grama de Permanência e Êxito como um mediador do exer- cício da constituição cidadã dos estudantes: não somente utilizá-los como objeto de estudo e intervenção, mas como os próprios agentes da construção de uma instituição mais democrática e efetivamente acessível, desde o ingresso até a conclusão do processo formativo.

Thomas H. Marshall, sociólogo inglês, em sua obra Cidadania, classe social e status (1967), busca quebrar com o paradigma de que a cidadania é algo inerente ao ser humano civilizado. Ela é muito mais uma situação do que uma condi- ção, estando imbricada com os outros elementos da realida- de social, principalmente com a condição econômica.

A igualdade básica [a de participação em so- ciedade], quando enriquecida em substância e concretizada nos direitos formais da cidadania, é consistente com as desigualdades das classes sociais? Sugerirei que nossa sociedade de hoje admite que os dois ainda são compatíveis, tan- to que a cidadania em si mesma se tem tornado, sob certos aspectos, no arcabouço da desigual- dade social legitimada (Marshall, 1967, p. 63).

Marshall questiona a compatibilidade da cidadania e da desigualdade social, tradicionalmente aceita, na qual é perfeitamente plausível, no interior da sociedade de classes, a coexistência de indivíduos iguais na cidadania, mas desi- guais nas condições materiais de existência e de oportunida- des, pois “a cidadania seria o status de igualdade entre todos os seus membros, enquanto que a sociedade de classes sig- nificava a aceitação das desigualdades como consequência da organização social” (Martins, 2010, p.28).

A igualdade básica, por ele referida, seria o simples direito – ou talvez o dever – de participar na sociedade en-

Carvalho anota que “ela é definida como direito social, mas tem sido historicamente um pré-requisito para a expansão dos outros direitos. (...) A ausência de uma população educa- da tem sido sempre um dos principais obstáculos à constru- ção da cidadania civil e política” (Carvalho, 2008, p.11).

A educação formal é, de acordo com a definição con- sensual, um direito social. No entanto, foi e é colocada – des- de a noção da paidéia grega – como condição para que os outros direitos possam ser adquiridos; é através da educação que ocorre a formação do indivíduo capacitado para esten- der seus direitos. Defende-se, assim, que o acesso à educa- ção e a garantia da permanência nos estudos e a conclusão das etapas formativas não são somente um direito, mas uma condição essencial para que os indivíduos alcancem a efeti- vação de sua cidadania.

Nesta perspectiva, propõe-se que o trabalho do Pro- grama de Permanência e Êxito no campus Santa Rosa se dê de forma articulada. O objetivo é, além de diminuir os índices de evasão e retenção, proporcionar aos estudantes a experiên- cia de construírem as alternativas e a identidade institucional, pensando coletivamente as futuras ações a serem desenvolvi- das, a partir das necessidades que a sua realidade social coloca. Desta forma, “o acesso, permanência e sucesso escolar tornam- -se aspectos fundamentais para a democratização do direito à educação, em que o espaço educativo possa se tornar um lugar para o exercício democrático” (Ferreira, 2013, p.22634)

A próxima etapa, portanto, se constituirá de reuniões com todos os alunos e turmas, visando estudar os índices institucionais e reelaborar os planos estratégicos de Metas e Ações a partir de suas vivências. Acredita-se que, ao toma- rem ciência do seu contexto e das ações para transformá-lo, os estudantes possam reconhecer não somente a importân- no exercício do poder político, podendo eleger e ser eleito. O

elemento social, por sua vez, constitui-se de todos os direitos que abrangem, desde as condições mínimas de bem-estar econômico e segurança, até o direito de participar completa- mente da “herança social” e do modo como a sociedade leva a vida; dentre estes se destaca o acesso à educação, à saúde, ao lazer e à cultura.

Um elemento pode estar presente sem o(s) outro(s), demonstrando que a cidadania é um status, algo a ser con- quistado a partir de medidas e ações concretas. Martins (2010) enfatiza que os direitos, muitas vezes, apesar de ga- rantidos, não podem ser efetivados devido às desigualdades, fundamentalmente, econômicas. A simples fixação legal dos direitos, dessa forma, não garante o real domínio e exercí- cio da cidadania, tornando-se inadmissível considerá-la algo inato à pessoa que nasce e vive em uma nação.

As diversas formas de se efetivar – ou não – a cidada- nia vão ao encontro, portanto, de seus elementos constitui- dores e de seu caráter profundamente histórico. A cidadania não é algo inato, atemporal ou a-histórico: é um status e, além de ser garantida, necessita ser realmente conquistada e efeti- vada. É importante destacar que Thomas Marshall escreve a partir da história dos direitos na Inglaterra, sendo assim, sua análise parte da concepção de que os primeiros a serem ad- quiridos são os civis, seguidos dos políticos e, em consequên- cia, dos sociais, afinal, este foi o caminho percorrido pelos ingleses. No Brasil, essas garantias se deram de forma con- trária, com os direitos sociais sendo os pioneiros – a partir da atuação do Estado – seguidos dos civis – direito à propriedade e renda – e, por fim, dos políticos (Carvalho, 2008, p.11-12).

De acordo com Marshall há, entretanto, uma exceção na sequência dos direitos: a educação popular. José Murilo de

REFERÊNCIAS

CAIMI, Flávia Eloísa. Conversas e controvérsias: o ensino de história no Brasil (1980-1998). Passo Fundo: UPF, 2001. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo ca- minho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

DORE, Rosemary, LÜSCHER, Ana Zuleima. Permanência e evasão na educação técnica de nível médio em minas gerais.

Cadernos de pesquisa, v.41 n.144 set./dez. 2011, p.772-789.

FORNARI, Liamara Teresinha. Reflexões acerca da reprova- ção e evasão escolar e os determinantes do capital. REP - Re-

vista Espaço Pedagógico, v. 17, n. 1, Passo Fundo, p. 112-124,

jan./jun. 2010.

FERREIRA, Maria Cristina Afonso. Acesso, evasão, permanên- cia escolar na Rede Federal de Ensino. Anais do XI Congresso

Nacional de Educação – EDUCERE, II Seminário Interna- cional de Representações Sociais IV Seminário Internacio- nal sobre Profissionalização Docente, 2013, p.22632-22642.

Disponível em: <http://educere.bruc.com.br/arquivo/

pdf2017/23763_12666.pdf>. Acesso em Junho de 2018.

MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

MARTINS, Everton. Cidadania: o papel da disciplina de His- tória na construção de cidadãos plenos a partir de um olhar histórico reflexivo. Dissertação (Mestrado em Educação). Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2010. SANSIL, Cláudia da Silva Santos, FALCÃO, Gabriela Lins. De- safios curriculares e evasão na educação profissional de nível médio. Espaço do currículo, v.7, n.1, p.64-75, janeiro a abril de 2014, p.64-75.

cia da formação escolar para a sua realidade individual, mas para a efetivação da cidadania na sociedade como um todo.

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