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Territorialização das Políticas Públicas

NOTA INTRODUTÓRIA AO CAP

2. ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE BASE TERRITORIAL

2.3. Territorialização das Políticas Públicas

As PP de OT evoluíram de iniciativas e decisões tomadas pelo Estado segundo um processo restritivo e sem grande suporte em evidências contextuais, para processos mais dinâmicos, abertos, transparentes, inclusivos e integrados (Amado, 2018a). No entanto, embora atualmente se verifiquem já pré-definidas com perspetivas de participação pública, de colaboração intersectorial e com pertinência territorial, as PP de OT continuam a enfrentar inevitavelmente problemas e desafios na sua implementação no território (Pereira, 2017). É uma condição da PP que torna crucial a observação dos problemas e desafios que surgem na sua implementação, e que deve ser executada no sentido de melhorar o seu processo de implementação e promover o desenvolvimento de PP mais integradas, adequadas e adaptativas às especificidades e problemas de cada território em particular (AD URBEM, 2010; DGT, 2014a).

As PP de OT não podem ser vistas como um fim ou objetivo a alcançar em si mesmos. São figuras que têm vindo a “(...) evoluir de uma perspetiva mais orientada

para o desenho, para uma outra onde os aspetos de gestão e de formulação de estratégias de intervenção assumem um papel tão ou mais importante que o formalismo dos planos enquanto peças desenhadas e regulamentares” (Silva, 2003,

p. 36). É uma situação onde o processo se assume tão ou mais importante que a PP que produz enquanto instrumento para regular e reger a intervenção territorial, considerados instrumentos reativos que conduzem a intervenção territorial ao alcance dos objetivos pré-estabelecidos aos vários níveis, segundo um modo de governação multinível que encara o desenvolvimento territorial como uma atividade dinâmica, sequencial e cíclica que promove a articulação entre a governação central, regional e local (Correia, 1993).

As PP de OT são PPBT e têm como destino o território (Alves, 2007, p. 45). São definidas para um determinado contexto social, político, cultural, económico e territorial, e estabelecem metas e objetivos próprios que se operacionalizam segundo um conjunto de regras, intervenções e estímulos, que inevitavelmente estão relacionados com o território (Paixão and Ferrão, 2018).

Isto porque, tradicionalmente o seu limite de aplicação baliza-se por um limite territorial (e.g., PP de abrangência nacional, regional, local, ou outro) e o conteúdo da PPBT engloba medidas de intervenção com incidência num determinado território, o que por sua vez exige adequação da PP a cada território de acordo com as suas com especificidades próprias (DGT, 2014b) e tendo em conta que cada território responde à implementação da PP de forma diferente e sempre com incerteza significativa (Alves, 2001; Ferrão, 2011; Partidário, 1999).

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Neste panorama, a componente territorial associada às PP e à sua operacionalização tem vindo a ganhar relevo no seio do seu processo de definição e implementação, dando origem a várias designações conceptuais como, e.g., as PPBT (place-based policies), a territorialização racionalizada de PP, as taylor made

polycies, ou as territory-focused public policies (Barca et al., 2012; EC, 2011; Matos,

2013; Romão Ventura, 2015).

A componente territorial associada às PP não se resume apenas à adaptação da política às especificidades do território em questão (Taylor made policies), envolvendo também a integração e coordenação entre as várias ações e políticas sobre um mesmo território. Neste sentido, a territorialização das PP não pode ser feita política a política, ou seja, de forma individualizada. Isto porque, as PPBT são políticas focadas no território, nos efeitos sobre o território, mas também nos efeitos sobre outras políticas para esse mesmo território, e nos efeitos que outras políticas possam ter ou vir a ter.

Cada vez mais é dado destaque ao conhecimento do território e da sua resposta à intervenção antrópica, tal como à necessidade de introdução de mecanismos de adaptação das PP de OT à heterogeneidade territorial em que se operacionalizam (Fadigas, 2015). Por exemplo, as PP de âmbito regional como os Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT) são políticas dotadas de maior flexibilidade, permitindo ser transpostas para a escala inferior (local) no respetivo Plano Diretor Municipal (PDM), promovendo o desenvolvimento equilibrado de forma adequada e considerando as especificações da diversidade territorial existente. Neste panorama, o conhecimento do território e a territorialização das PP de OT que nele são implementadas, representam o motor da coesão territorial.

Isto porque, todas as questões técnicas, políticas e regulamentares que regem a implementação de PP de OT, têm em comum uma série de dificuldades operacionais que se relacionam com as especificidades do território e com a natureza do processo de definição da PP (AD URBEM, 2010; Paixão and Ferrão, 2018). A título de exemplo, atualmente, é atribuída menor eficácia a PP que não consideram as especificidades territoriais e que são definidas segundo um processo top-down, e maior sucesso e eficácia a PP que são definidas e implementadas segundo um processo bottom-up e com a integração e mobilização dos atores locais (Matos, 2013). Deste modo, qualquer intensão de promoção da coesão territorial e de desenvolvimento harmonioso através de PP exige um conhecimento aprofundado do território, da sua resposta à intervenção, e está dependente da articulação entre os vários grupos de atores envolvidos (Barca, 2009; Barca et al., 2012; Gomes, 2010a).

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No contexto europeu, a territorialização das PP reflete-se no reforço da Política de Coesão Europeia (PCE) através da introdução da dimensão territorial (2008) (CE, 2008; Gomes, 2010b). A PCE é a principal política de investimento da UE direcionada para todas as regiões e cidades do território europeu, e que promove o desenvolvimento sustentável do território em prol de uma evolução harmoniosa da UE como um todo, acompanhado essencialmente o reforçar da coesão das dimensões económica, social e territorial entre os estados membros (Barca, 2009). A introdução da dimensão territorial na PCE, com o tratado de Lisboa de 2008, procura a redução das disparidades territoriais e resulta da necessidade de acompanhamento das dinâmicas territoriais (ver Cap. I - 4.1) e demográficas existentes no território europeu, segundo uma abordagem de desenvolvimento integrado e equilibrado (ver Cap. I – 2.5) (C. E. CE, 2014).

A coesão territorial procura tirar partido da diversidade territorial existente na construção de uma realidade mais equilibrada, o que exige um acompanhamento atento do desenvolvimento territorial (CE, 2014; Rodrigues, 2005). A coesão territorial é vista como um fator que procura um equilíbrio territorial, tentando converter a diferença existente numa vantagem, uma vez que se desenvolve focada em alcançar o desenvolvimento harmonioso de todos os territórios da UE por forma a reduzir disparidades e disponibilizar aos respetivos habitantes a possibilidade de retirar o melhor partido das características de cada um destes (CE, 2008).

Deste modo, a CE promove PP concebidas segundo um processo de articulação entre os vários organismos e entidades, e cujas premissas de intervenção devem considerar um diagnóstico de necessidades de base local a fim de ser adaptadas a essa realidade (Matos, 2013, p. 22). Para tal, é necessária a promoção da recolha de informação de base territorial e a definição de sistemas de indicadores e mecanismos de monitorização das PP segundo uma lógica placed based approach ou bottom-up. Ou seja, promovido o desenvolvendo PPBT de desenvolvimento local e ajustadas à realidade e contexto territorial, cujo acompanhamento da sua implementação produz um conjunto de evidências e informações de base territorial que são postas em prática na adaptação da PP (Evidence-into-Practice) (Nutley et al., 2003) e remetidas para a escala hierárquica superior, onde são agregadas e consideradas no seu contexto alargado (Amado and Cavaco, 2017).

A necessidade de articulação a uma escala superior deve-se ao facto de muitos dos problemas e desafios com que se depara o desenvolvimento territorial se apresentarem transversais e transfronteiriços, e por isso necessitarem de ser tratados no seu contexto alargado (Amado and Cavaco, 2017). No entanto, são problemas que embora necessitem de ser considerados num contexto holístico, incidem sobre matérias que por sua vez exigem um tratamento com o detalhe e

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profundidade que apenas a escala mais aproximada é capaz de disponibilizar (Beas, 2011). Deste modo, requer-se por parte dos agentes decisores e pelo corpo técnico, a capacidade de alimentar e aceder a uma base de informação multinível, capaz de fornecer uma visão holística da situação em causa e promovendo formas de governança territorial multiníveis (multi-level governance) (Ferrão, 2010). Só assim é possível o alcance de uma tomada de decisão articulada e que promove uma intervenção coordenada a nível intersectorial (Amado, 2018a; Amado and Cavaco, 2015, 2017; DGT, 2014b, 2018a; Mourato, 2017). O universo das PP deve portanto, privilegiar o estabelecimento de uma linguagem uniformizada em termos de argumentação das opções estratégicas tomadas e elevar a qualidade da discussão e reflexão das perspetivas e pontos-de-vista, dotando todos os intervenientes da mesma informação (Amado, 2018a, 2018b; Amado and Cavaco, 2017; Bana e Costa and Beinat, 2011; Branco, 2017; Castelo Branco, 2018; Mourato, 2017; Vala and Neves, 2018).

Os desafios impostos pela territorialização das PP de OT são vários e coabitam na articulação entre níveis e sectores, e na coordenação entre os diversos atores envolvidos. O OT é uma atividade na qual intervêm múltiplos decisores, organizados numa estrutura hierarquizada com níveis de decisão interdependentes, que partilham o destino físico das decisões tomadas e que por isso exigem coordenação (Mourato, 2017; Pereira, 2017). Uma vez que a relação de interdependência entre estes níveis de decisão varia, entre vertical - ascendente ou descendente - e horizontal - simétrica ou assimétrica -, a existência de uma base de informação territorial agregada, uniformizada e harmonizada, onde são articulas e clarificadas as temáticas do desenvolvimento territorial, promove a compreensão e partilha de conhecimento e experiências com vista ao aumento da eficiência e eficácia da governança dos vários níveis de decisão (Gaspar, 2002).

No entanto, embora o processo de territorialização das PP não seja uniforme (Matos, 2013), sendo influenciado pela cultural e conjuntura político-jurídico- administrativa, todas as PPBT têm como destino o território. Neste sentido, a territorialização das PP implica o entendimento do território como um elemento único, administrado, gerido e intervencionado sectorialmente e segundo uma estratégia de conjunto. Isto porque o sistema-real não se rege por fronteiras e limites administrativos, sendo cada vez mais notória a necessidade de partilhar informação entre as várias entidades que administram o território, procurando o seu desenvolvimento integrado e equilibrado enquanto elemento único (Partidário, 2017a). Deste modo, tornou-se requisito da PCE interligar os territórios, eliminando possíveis divisões, inconformidades e entropias no acesso a informação base que sustenta a definição de PP de OT.

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A resolução eficaz de questões territoriais exige uma resposta técnica e política a uma escala geográfica variável, que implica a cooperação entre administrações vizinhas. Na perspetiva da PCE, as diferenças de linhas programáticas de PP são um fator intrínseco ao OT e às suas PP. No entanto, as questões territoriais são transfronteiriças e não podem ser consideradas individualmente por cada entidade administrativa e sem uma estratégia coordenada que articule as intervenções, surgindo retóricas de articulação e desenvolvimento coordenado como, e.g., o conceito de Governança Territorial (GT) (ver Cap. I - 2.4).

Torna-se assim reconhecida a urgência na criação da plataforma territorial colaborativa, suportada nos princípios da coesão territorial e cooperação administrativa. Esta plataforma de desenvolvimento deverá ser capaz de incentivar um diálogo orientado para as PP que suportam o desenvolvimento territorial, tornando visível a contribuição individual destas políticas no âmbito de estratégias de desenvolvimento como, e.g., o caso do programa Europa 2020.

No entanto, a criação de uma plataforma colaborativa desta natureza exige capacidades de monitorização, produção e partilha de informação que ainda não são uma realidade transversal a todos os Estados Membros. Embora grande parte dos Estados Membros tenham visto criados organismos específicos no intuito de melhorar a coesão territorial, nomeadamente através do aperfeiçoamento da coordenação entre políticas sectoriais, foram poucos os casos onde se focaram o acompanhamento permanente e a produção regular de informação e evidências territoriais dessas PP. A alimentação de uma plataforma colaborativa com a informação e evidências territoriais, além de permitir uma avaliação da PP implementada, disponibiliza um feedbak relativo à sua implementação em tempo oportuno e que permite a adaptação de estratégias de intervenção. Por exemplo, as experiências de acompanhamento da implementação de PP têm vindo a revelar-se extremamente úteis em alguns dos projetos financiados, sobretudo no acompanhamento e na adequação on-going das intervenções em curso, verificando- se que a aferição destes planos está cada vez mais relacionada com a execução alterações nas estratégias de desenvolvimento, do que propriamente na identificação de resultados negativos ou menos bons a fim de identificar responsáveis.

Estes organismos que procuram promover a coesão territorial como, e.g., o

European Observation Network on Territorial Development and Cohesion (ESPON)

asseguraram a congregação de evidências territoriais provenientes das diferentes entidades e têm vindo progressivamente a afirmar uma alteração ao modo como a PCE estava a ser concebida e implementada, atribuindo ênfase à dimensão territorial e à incidência nos resultados e no acompanhamento do progresso da implementação. Neste sentido, os programas iniciados desde 2014 já se encontram abrangidos pelo novo quadro estratégico e regulamentar da PCE que fortalece as intensões de recompensar o bom desempenho, apoiar a programação integrada,

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incidir nos resultados e monitorizar de perto o progresso, numa procura de simplificar a execução das PP. A título de exemplo, o programa Portugal 2020, onde é veiculada a PCE destaca o reforço do papel das comissões de acompanhamento, e a inclusão da racionalidade económica, da concentração, da disciplina financeira e da integração orçamental, da transparência e prestação de contas e da orientação para resultados, nos princípios gerais do seu modelo de governação (PT2020, 2014). Deste modo, os programas financiados pela PCE integram as áreas prioritárias identificadas pela UE e são necessariamente objeto de acompanhamento constante através de ações de monitorização e avaliação, exigindo-se nomeadamente a elaboração de relatórios periódicos ao longo do respetivo período orçamental.

A ênfase crescente na dimensão territorial da PCE e em práticas de acompanhamento e avaliação centradas numa ótica de orientação para os resultados, têm vindo a ser introduzidas pelos vários Estados Membros nos seus quadros legislativos como, e.g., o caso da reforma do quadro legal do OT em Portugal e o programa estratégico Portugal 2020. Estas reformas orientam para a necessidade de definição de sistemas de indicadores e mecanismos de monitorização das políticas, planos e programas territoriais, sustentando a perspetiva de criação de observatórios de acompanhamento do desenvolvimento do território como, e.g., o Observatório Regional de Lisboa e Vale do Tejo (ORLVT) ou o Observatório Nacional do Ordenamento do Território e Urbanismo no caso Português (ONOTU) (ver Cap II - 7.1) (Amado, 2018a; Amado and Cavaco, 2017, 2015).

No caso da PCE (2014-2020), que funciona como alicerce dos programas estratégicos dos Estados Membros, existem alterações apresentadas como novidades que asseguram o reforço do papel das ações de monitorização e avaliação no desenvolvimento territorial (C. E. CE, 2014; PT2020, 2014). Estas novidades surgem sob a forma de orientações e em alguns casos deveres, nomeadamente no que se refere à obrigatoriedade de definição de indicadores estatísticos de base territorial nos vários domínios, exigindo novas respostas de produção e combinação de informação de natureza distinta, de forma harmonizada e com vista ao reforço da territorialização das PP (CE, 2014). É assim proposto aos Estados Membros a definição de PP com maior ênfase nos resultados, estabelecendo metas claras e mensuráveis, no sentido de promover uma coordenação política para os territórios que se verifique integrada e com um grau mais elevado de responsabilidade, articulação, cooperação e transparência (Amado, 2018a; Medeiros, 2017, 2016).

Neste sentido, a territorialização das PP assenta no pilar da coesão territorial, adotando uma lógica de desenvolvimento integrado, segundo uma tomada de decisão informada, contextualizada e suportada na evolução da transformação do

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sistema-real, em rotura com a imposição utópica da vontade humana, que muitas vezes se apresenta completamente desligada da realidade territorial do sistema-real

(space-bling policies) (Matos, 2013). Ou seja, orientado para um desenvolvimento

assente numa perspetiva de partilha e articulação, na qual a coesão territorial e o desenvolvimento sustentável só podem ser garantidos através da estreita cooperação entre todos os níveis de intervenientes (Dias, 2011). A título de Exemplo, o Livro Verde para a Coesão Territorial Europeia (2008) destaca a necessidade de uma abordagem integrada para a resolução dos problemas à escala geográfica mais adequada (CE, 2008).

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