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ÂMBITO E ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO

No documento livro-ausubel (páginas 37-41)

O objectivo principal deste livro é apresentar uma teoria polivalente da forma como os seres humanos apreendem e retêm grandes conjuntos de matérias organizadas na sala de aula e em ambientes de aprendizagem semelhantes. O âmbito do mesmo limita-se à aprendizagem por ‘recepção’ e à retenção de materiais de instrução potencialmente significativos. A aprendiza- gem por ‘recepção’ refere-se à situação em que o conteúdo total da tarefa de aprendizagem (aquilo que está por apreender) se apresenta ao aprendiz, em vez de este a descobrir de forma independente. Ou seja, apenas se exige ao aprendiz que compreenda o material de modo significativo, o incorpore (interiorize) e o torne disponível ou funcionalmente reprodu- zível para utilização futura.

Um objectivo subordinado a este trabalho (e também ao precursor deste de 1963) é pro- duzir uma teoria da aprendizagem e da retenção significativas, com base no senso comum e relativamente isenta de calão, que os professores e psicólogos possam apreender e compre- ender facilmente como reconhecida e intrinsecamente relacionada com os processos psicoló- gicos reais, através dos quais os indivíduos dos nossos dias são capazes de adquirir e reter conjuntos substanciais de conhecimentos, durante grandes períodos de tempo. Presumivel- mente, tal teoria teria um potencial explicativo quer para as conceptualizações primitivas dos mundos físico e interpessoal, elaboradas por uma criança pequena, quer para a organização de conhecimentos mais estável e sofisticada de um docente, na disciplina da sua especialização. Por outro, as versões introdutórias e simplificadas de matérias que são incor- poradas nas estruturas cognitivas dos estudantes do ensino primário, secundário e superior iriam ocupar uma posição intermédia neste contínuo. Actualmente, quase quarenta anos depois da publicação do primeiro destes dois livros, continua a ser aplicada a teoria de forma prática por governos de países em desenvolvimento, para a organização do currículo e ins- trução na sala de aula, nas escolas e universidades, e para a gestão de importantes empresas americanas, em programas de formação de empregados.

Outras Abordagens Teóricas da Aprendizagem por Recepção Significativa

Na ausência de tal teoria da aprendizagem por recepção e da retenção, extrapolaram-se, de forma não crítica, princípios de explicação inadequados de resultados experimentais sobre aprendizagem não verbal ou verbal, a curto prazo, fragmentada e memorizada1. Como resul- tado, não só se impediram avanços na programação mais eficaz de materiais para a aprendi- zagem de matérias na sala de aula, como também se induziram os professores em erro quanto à percepção do carácter de materiais verbais potencialmente significativos como memorizados. Esta situação teve como final o facto de muitos professores persistirem com a utilização de métodos de ensino por memorização, rejeitando a exposição verbal didáctica,

por a julgarem inadequada, para a instrução significativa na sala de aula e considerando que o ensino expositivo incentivava a aprendizagem por memorização.

Como é óbvio, é verdade que a escola também se preocupa com o desenvolvimento da capacidade de o aluno adquirir conhecimentos para a resolução prática de problemas, ou seja, em melhorar a capacidade deste pensar, de forma sistemática, independente e crítica, determinadas áreas de inquérito. Esta última função da escola, embora, na prática, seja em parte inseparável da função de transmissão de conhecimentos, não é tão importante em ter- mos da quantidade de tempo que se lhe pode atribuir razoavelmente dos objectivos educacionais numa sociedade democrática e daquilo que se pode esperar, de um modo rea- lista, da maioria dos alunos2. Além disso, uma vez que a transmissão de conhecimentos exige, largamente, uma forma de aprendizagem por recepção, neste volume não se podem tratar, definitivamente, outros tipos de aprendizagem (ex.: aprendizagem pela descoberta, resolução de problemas, formação de conceitos, etc.), baseados em princípios de explicação muito diferentes, pois o mesmo dedica-se a aspectos teóricos da aprendizagem por recepção e da retenção significativas.

Por conseguinte, deve ficar claro que a aprendizagem verbal3 significativa constitui o meio principal para se aumentar o armazenamento de conhecimentos do aprendiz, quer den- tro, quer fora da sala de aula. A aprendizagem por memorização de listas de sílabas sem sen- tido, ou de adjectivos emparelhados arbitrariamente, é representativa de algumas tarefas defensáveis nas salas de aula dos nossos dias. Por conseguinte, é de facto difícil encontra- rem-se testemunhos de apoio à afirmação de Underwood (1959) de que ‘grande parte do nosso esforço educacional se dedica a tornar significativas unidades verbais relativamente sem sentido’. Não se pode negar que parte da aprendizagem representacional na sala de aula, tal como os símbolos gráficos (grafemas), o vocabulário de uma língua estrangeira e os sím- bolos utilizados para se representarem os elementos químicos, embora respeite os critérios mínimos de aprendizagem significativa, se aproxima, como é óbvio, do nível memorizado. Contudo, tal aprendizagem de nível inferior e por memorização tem tendência a formar uma parte muito pequena do currículo, especialmente depois da escola primária, altura em que as crianças já dominam os símbolos gráficos e numéricos básicos.

Além disso, ao contrário da aprendizagem por memorização de pares de associados, as associações formadas nestas circunstâncias não são totalmente arbitrárias, mas envolvem a aprendizagem de equivalências representacionais. Por outras palavras, envolvem a aprendi- zagem de que determinados símbolos possuem significados equivalentes a conceitos já sig- nificativos existentes na estrutura cognitiva (i.e., a organização, clareza e estabilidade de conhecimentos de um indivíduo numa determinada área de matérias).

De um ponto de vista processual, o âmbito da teoria da aprendizagem elaborada neste livro limita-se a vários princípios de organização e de interacção cognitivas e, também, a vários mecanismos de aumento e de diminuição cognitivos. Esta lida (1) com alterações sis- temáticas no aparecimento, identificação e disponibilidade dos novos significados, tal como os materiais ideais apresentados interagem (e se incorporam), no início e de forma repetida, com a estrutura cognitiva existente; (2) com factores que aumentam e diminuem a assimila- ção destes materiais, bem como com a consequente estabilidade ou disponibilidade a longo prazo na memória; e (3) com as formas mais eficazes de se manipular a estrutura cognitiva existente, de modo a melhorar a incorporação e a longevidade dos novos materiais de instru- ção.

Neste livro, além de se excluírem a aprendizagem por memorização e a aprendizagem pela descoberta como tópicos de direito próprio, excluem-se de igual forma tipos de aprendi- zagem não cognitiva, tais como aprendizagem de capacidades motoras e de condiciona- mento clássico e instrumental, e tipos de aprendizagem menos complexos que envolvem pequenas alterações substantivas no conteúdo da consciência (ex.: aprendizagem perceptual e de discriminação simples). Estes últimos tipos de aprendizagem não só exigem diferentes princípios explicativos, como também a sua relevância para a aprendizagem na sala de aula é, no mínimo, indirecta e tangencial. Por isso, a consideração dos mesmos iria alargar de tal forma o âmbito deste campo que a cobertura total tornar-se-ia, necessariamente, superficial, fragmentada, não sistemática e desarticulada. Também não se considera a psicologia de determinadas disciplinas escolares, visto que este livro se centra em princípios gerais aplicá- veis a todos os tipos e níveis de aprendizagem significativa de matérias.

Além disso, embora não se diminua a sua importância para a aprendizagem na sala de aula, não se consideram de forma detalhada nem sistemática: (1) os factores emocionais e de atitude na aprendizagem; (2) as diferenças de incentivo, reforço, interpessoais e individuais nas variáveis da capacidade intelectual (incluindo a inteligência e a aptidão escolar); (3) o envolvimento do ego e as variáveis de personalidade. Podem estudar-se, de modo mais pro- dutivo e económico, estes últimos tópicos no âmbito de outra teoria de aprendizagem cen- trada em aspectos subjectivos, e não objectivos, do processo de aprendizagem.

Os factores cognitivos e de motivação interpessoal influenciam, sem dúvida, o processo de aprendizagem de forma concomitante e é provável que interajam mutuamente de várias formas. A aprendizagem escolar não tem lugar num vácuo social, mas antes em relação com outros indivíduos, os quais – além de manifestarem vários laços emocionais pessoais – agem largamente como representantes impessoais da cultura.

Durante o percurso de desenvolvimento da personalidade, o indivíduo também adquire uma orientação de motivação característica para a aprendizagem. Isto não só afecta o modo como adquire novas atitudes e julgamentos de valor, como também influencia, de forma objectiva, o âmbito, a profundidade e a eficácia dos próprios processos de aprendizagem mais objectivos. Contudo, para fins de análise lógica ou de investigação empírica, um dos conjuntos de factores pode variar sistematicamente, ao passo que o outro se mantém cons- tante.

Devido ao facto de se terem efectuado relativamente poucos estudos bem controlados da aprendizagem por recepção e da retenção significativas, especialmente os de natureza a longo prazo, é óbvio que a teoria apresentada neste trabalho deve possuir necessariamente, nesta altura, uma natureza altamente experimental e exploratória e considerar-se mais do ponto de vista da natureza de uma série de hipóteses do que como reflexo de um conjunto definitivo de dados de investigação. Contudo, tem de se começar por algum lado. Uma teo- ria relevante estimula e orienta para esforços de investigação, que por sua vez aperfeiçoam, modificam e expandem a teoria original.

As implicações práticas de tal teoria e investigação nas práticas de ensino reais na sala de aula são evidentes. Antes de sequer se desejar manipular, de uma forma eficaz, o ambiente da aprendizagem na sala de aula, tendo como objectivo a aquisição óptima de matérias potencialmente significativas, ter-se-ia, em primeiro lugar, de saber muito mais acerca dos princípios organizacionais e de desenvolvimento através dos quais os seres humanos adqui- rem e retêm conjuntos de conhecimentos estáveis. Contudo, tais princípios irão sempre cau- sar ilusão, a não ser que se abandonem os pressupostos insustentáveis de que não existe uma

distinção verdadeira quer entre a lógica de uma proposição e a forma como a mente a apre- ende, quer entre a estrutura lógica da organização de matérias e a série real de processos cognitivos, através dos quais um indivíduo sem sofisticação académica, imaturo em termos cognitivos e de desenvolvimento, incorpora as informações e as proposições na própria estrutura cognitiva.

Do ponto de vista de um intelectual maduro, por exemplo, é perfeitamente lógico escre- ver um manual no qual se distinguem materiais topicamente homogéneos em capítulos dis- cretos e se tratam a um nível de conceptualização uniforme. Porém, até que ponto é esta abordagem congruente com indícios altamente sugestivos de que um dos principais proces- sos cognitivos envolvidos na aprendizagem de qualquer disciplina nova envolve uma dife- renciação progressiva de uma área originalmente indiferenciada? Assim que se souber mais sobre a organização e o desenvolvimento cognitivo do que as meras generalizações imper- feitas que, actualmente, a psicologia educacional e do desenvolvimento conseguem oferecer, será possível empregar princípios organizacionais e sequenciais na apresentação de matérias que colocam, realmente, em paralelo quer a estrutura existente, quer as alterações de desen- volvimento na organização do intelecto. A questão do concreto versus abstracto é relevante quando as ideias gerais e explicativas, por um lado, e o material factual relativamente espe- cífico, por outro, estão presentes no mesmo exercício de aprendizagem e influenciam a estrutura cognitiva do aprendiz, assim como se incorporam na mesma.

Neste caso, um pressuposto razoável seria que, caso as ideias gerais e explicativas se assimilassem em primeiro lugar (antes das factuais), também ficariam disponíveis para sub- sumir (assimilar) e, logo, facilitar a aprendizagem subsequente do material factual. É óbvio que este não seria o caso se se utilizasse a ordem contrária da apresentação. Contudo, os psi- cólogos educacionais têm tendência a dividir, de forma imprevisível, a ordem de apresenta- ção ‘descendente’ ou ‘ascendente’ e subsequente organização na estrutura cognitiva. De um modo geral, os psicólogos de orientação neobehaviorista têm favorecido a ordem ascendente e os construtivistas a descendente.

O perigo óbvio da concretização excessiva ou desnecessária na apresentação de uma ideia nova a estudantes maduros, em termos cognitivos (adolescentes e mais velhos), é que tende a restringir a generalidade do conceito acabado de introduzir. Os estudantes têm ten- dência a obter a ideia errada de que um exemplar particularmente apto, mas específico e concreto, é por si só o novo conceito ou uma imitação do mesmo. Contudo, devido à própria natureza, as exemplificações concretas de novos conceitos, ou os exemplares concretos dos últimos, não se constroem para expressarem generalidade.

Uma vez que a capacidade de raciocínio abstracto (em oposição ao concreto) representa, em termos de desenvolvimento, o nível de cognição mais elevado ou maduro do homem, tornando possível um nível comparativamente elevado de raciocínio ou de resolução de pro- blemas que lhe permite desenvolver todas as interacções possíveis entre representações gerais de variáveis relevantes, parece apropriado, em cada fase sucessiva da educação, utili- zar-se apenas o nível mais maduro de abstracção na caracterização do nível de discurso do mesmo, possível em termos didácticos. A maior vantagem desta abordagem é que, se os princípios gerais ao nível mais elevado de abstracção, generalização e inclusão se apresen- tam primeiro (tal como no capítulo anterior deste livro) como um todo, podem assimilar-se, de forma mais eficaz, ideias menos abstractas. Como é óbvio, dever-se-ia encorajar os estu- dantes a funcionar, em termos de desenvolvimento, ao mais alto nível intelectual – e não abaixo do mesmo. Naturalmente, em circunstâncias invulgares, tal como por exemplo

quando existem materiais de aprendizagem excepcionalmente complexos e/ou difíceis que desafiam a conceptualização, a generalização de conceitos pode, por isso, ser mais eficaz em termos de concepção, caso se utilizem apenas exemplares concretos em vez de se favorecer a variedade abstracta.

Para evitar o pecado capital de violar, na minha apresentação, os princípios pedagógicos que aparentemente abraço, será feito um esforço genuíno para organizar este livro de acordo com a generalização acima mencionada acerca da aquisição de conhecimentos numa área nova e inexplorada. No Capítulo 1, apresentou-se um resumo das ideias e dos princípios básicos da teoria, antes de se diferenciarem e elaborarem em capítulos individuais as compo- nentes separadas da mesma.

ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA SALA

No documento livro-ausubel (páginas 37-41)

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