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TENDÊNCIAS E QUESTÕES ACTUAIS RELEVANTES PARA O PENSAMENTO EDUCACIONAL

No documento livro-ausubel (páginas 47-53)

O ponto de interesse principal neste livro, i.e., os processos de aprendizagem por recepção e retenção significativas e as formas de os melhorar, está em grande parte de acordo com três tendências actuais de pensamento e de opinião relativamente à educação – ênfase crescente da importância e da qualidade da formação intelectual nas escolas, maior realce da aquisição de conhecimentos como um fim por si só e vontade crescente da parte da escola em tomar mais responsabilidades no que diz respeito à orientação da aprendizagem. O interesse por estas questões reduziu em muito a preocupação nacional – e aqueceu a controvérsia pública – relativamente a pseudoquestões, tais como se os alunos dos nossos dias aprendem tanto na escola como as gerações anteriores, se o currículo se tornou mais ‘suave’, se o João sabe ler, se a formação pedagógica é uma parte necessária da educação dos professores e se a forma- ção intelectual deveria ser a função exclusiva da escola.

Maior Interesse pela Formação Intelectual

Tem-se manifestado, de várias formas, um maior interesse pelo conteúdo e pela qualidade intelectual do currículo. Em primeiro lugar, os cientistas, docentes, especialistas curriculares e psicólogos têm colaborado esporadicamente numa variedade de movimentos de reforma curricular, salientando mais os princípios básicos e unificadores das várias disciplinas, a pro- gramação mais eficiente de matérias e o alcance de uma consonância com os avanços recen- tes dos conhecimentos escolares, bem como uma profundidade de cobertura adequada.

Em segundo, a preparação dos professores nas respectivas áreas científicas tem sido alvo de uma maior atenção nos programas de educação de professores do ensino básico e uma ainda maior exigência científica na certificação de professores do ensino secundário.

Em terceiro, têm-se levado a cabo inúmeras experiências de organização e de administra- ção da sala de aula, as quais estão direccionadas para o ensino mais eficiente de matérias, nomeadamente, ensino em grupo, escolas sem graus académicos, a utilização de professores do ensino primário especializados em ciências e matemáticas, o agrupamento diferencial de alunos por matérias, a organização de programas especiais para estudantes dotados, a utiliza- ção de assistentes de professores e a calendarização mais flexível das aulas, em termos do número de alunos e do tempo destinado a cada um.

Em quarto lugar, tem-se aumentado o conteúdo das matérias do currículo com medidas tais como anos e dias escolares mais longos, a exigência de mais unidades e de disciplinas de carácter mais obrigatório e menos opcional no ensino secundário6, a introdução nas escolas primárias de línguas estrangeiras e de uma instrução mais avançada em matemática e ciên- cias, a oferta de cursos de nível universitário a estudantes capacitados do último ano do secundário e uma maior ênfase nos trabalhos de casa.

Finalmente, tem existido muita actividade na área dos complementos do ensino, tal como, por exemplo, filmes, televisão educacional, instrução assistida por computador, mate- riais manipulativos, e a utilização de cassetes, discos e métodos laboratoriais no ensino de línguas estrangeiras7.

Estes desenvolvimentos recentes não implicam necessariamente que a escola americana tivesse repudiado, anteriormente, a formação intelectual como sua função essencial e dis- tinta. Como é óbvio, é verdade que este parece ter sido, muitas vezes, o caso devido às declarações estridentes de alguns defensores extremistas do ponto de vista centrado na cri- ança, que adoptaram uma atitude de laissez-faire relativamente ao objectivo de se atingir a competência intelectual. Estes últimos educadores depreciaram, frequentemente, os conhe- cimentos das matérias, defenderam o uso dos interesses das crianças como critério principal para a construção de currículos e realçaram bastante o alcance de um desenvolvimento de personalidade óptimo e de ajustamento social num ambiente escolar extremamente permis- sivo.

Embora esta última posição tenha tido muitos simpatizantes entre os professores, nunca prevaleceu, nem em convicção nem na prática, em mais do que um punhado de escolas públicas. Por conseguinte, o interesse actual que as escolas suburbanas mais prósperas demonstram relativamente à competência intelectual e à qualidade do currículo é mais uma questão de ênfase crescente do que de uma mudança radical nos objectivos da educação americana.

Na verdade, as abordagens centradas na criança e nas matérias constitui uma pseudo-dicotomia que provoca um grave desacordo apenas entre extremistas em ambos os lados do contínuo. Por exemplo, não existe nenhum defensor realista da abordagem das matérias que sugira que a escola deveria colocar de parte o desenvolvimento da personali- dade e do ajustamento social dos alunos, ou que se deveriam ensinar as matérias sem se con- siderarem devidamente factores relevantes, tais como a prontidão, as diferenças individuais na capacidade intelectual e a motivação da classe social (ou falta dela) para a aprendizagem. De igual forma, os apoiantes construtivistas da abordagem centrada na criança salientam, em larga escala, as determinantes e os resultados não cognitivos da aprendizagem, devido à importância real que têm para a aprendizagem de matérias. A diferença consiste novamente

mais numa questão de ênfase do que de objectivos básicos. O facto de, neste livro, não se considerarem de forma exaustiva as determinantes e os resultados da aprendizagem não sig- nifica que se minimize a importância dos mesmos, nem que se adopta uma abordagem de matérias extrema. Além disso, dá-se uma ênfase muito explícita à importância da prontidão de desenvolvimento e às diferenças individuais da capacidade cognitiva, como factores sig- nificativos que influenciam a aprendizagem por recepção significativa.

Toda esta ênfase relativamente à qualidade da formação intelectual não está, como é óbvio, isenta de perigos, visto que se pode distorcer facilmente para servir finalidades sociais indesejáveis. Em primeiro lugar, padrões mais elevados, objectivos mais firmes e mais trabalhos escolares não são finalidades por si só. Não possuem qualquer valor e são, até mesmo, perniciosos, a não ser que (1) o conteúdo da matéria envolvida valha a pena, leve a conhecimentos significativos e esteja em consonância com os frutos do saber contemporâ- neo; (2) os próprios padrões sejam ajustados de modo diferencial, de forma a exigir a cada criança aquilo que esta consegue realmente fazer, da melhor forma possível. A elevação dos padrões escolares nunca se deve utilizar como uma alavanca para se eliminar da escola aque- les alunos que possuem um nível inferior de capacidade intelectual. Em vez disso, devem encontrar-se novas formas para se motivarem tais alunos de modo adequado e de lhes ensi- nar de forma mais eficaz as matérias académicas.

Em segundo, a excelência não é sinónimo de resultados elevados nos exames, indepen- dentemente da forma como são adquiridos, da motivação subjacente ou do tipo de conheci- mentos que reflectem. No clima actual de acérrima competição para a entrada na universidade, existe um perigo real de os resultados dos exames estarem a ser utilizados como fins por si só, e não como símbolos de concretização genuína e de domínio real de conhecimentos valiosos.

Tão importante como aquilo que os alunos sabem no final do sexto, oitavo ou décimo segundo anos, é a dimensão de conhecimentos que possuem aos vinte e cinco, quarenta e sessenta anos de idade, bem como a capacidade e o desejo quer de aprenderem mais, quer de aplicar esses conhecimentos, de forma produtiva, na vida adulta. À luz destes últimos crité- rios, por exemplo, na comparação da quantidade e da qualidade dos resultados da investiga- ção nacional das ciências puras e aplicadas com os dos países europeus, o sistema educacional americano resiste relativamente bem, muito embora se exija que as crianças aprendam muito menos material académico.

Por conseguinte, os padrões académicos superiores parecem ter um impacto relativa- mente pequeno na aprendizagem real, se forem meramente rituais formais. Logo, ao estabe- lecer-se os objectivos académicos, devem ter-se em atenção os objectivos intelectuais fundamentais da aprendizagem escolar, nomeadamente, a aquisição final de conjuntos de conhecimentos (e de capacidades intelectuais) estáveis e utilizáveis e o desenvolvimento da capacidade de raciocinar de modo sistemático, independente e crítico em determinadas áreas da investigação. A qualidade de instrução influencia, como é óbvio, o resultado destes objectivos – não só no conteúdo substantivo da matéria que é oferecida, mas também na organização, sequência e maneira de apresentar o material de instrução, o grau de significa- ção lógica e o equilíbrio relativo entre materiais ideais e factuais.

Responsabilidade de Organização do Currículo e de Selecção de Matérias

Um ponto de vista extremo associado à abordagem da educação centrada na criança é a noção de que as crianças estão preparadas de modo inato, de uma forma algo misteriosa, para saberem precisamente o que é melhor para elas em termos de conteúdo intelectual e de tipo de instrução. Esta ideia é, obviamente, um produto das teorias predeterministas de Rousseau, Gesell e de outros que consideram o desenvolvimento uma série de passos sequenciais internamente regulados, que se desdobram de acordo com um plano predetermi- nado.

De acordo com estes teóricos predeterministas, o ambiente facilita melhor o desenvolvi- mento, fornecendo um campo maximamente permissivo que não interfere com o processo predeterminado de maturação espontânea. A partir destes pressupostos, está-se a um passo da pretensão de que as próprias crianças devem estar na posição mais estratégica de conhe- cer e seleccionar as componentes do ambiente mais congruentes com as necessidades actu- ais de desenvolvimento das mesmas e, logo, mais passíveis de levar a um crescimento óptimo.

A ‘prova’ empírica desta proposição aduz-se do facto de que se mantém a nutrição, de forma adequada, e se corrigem as condições precárias existentes, de modo espontâneo, quando se permite às crianças escolherem a própria alimentação. Assim, o argumento repete-se: se as crianças conseguem escolher com êxito a própria alimentação, devem saber, com certeza, o que é melhor para elas em todas as áreas do crescimento e, por conseguinte, dever-se-ia permitir que auto-seleccionassem tudo – incluindo o currículo.

Em primeiro lugar, mesmo que o desenvolvimento fosse, essencialmente, uma questão de amadurecimento interno, continuaria a não existir uma boa razão para se supor que a cri- ança está, implicitamente, familiarizada com a orientação actual e as condições de facilita- ção do desenvolvimento e, logo, evidentemente preparada para fazer as escolhas mais apropriadas. Só porque o indivíduo, na primeira infância, é sensível a estados interiores de necessidade fisiológica, não se pode concluir que é igualmente sensível a estados reflectivos de necessidades psicológicas e outras relacionadas com o desenvolvimento. Até mesmo na área da nutrição, a auto-selecção é um critério fiável de tal necessidade apenas na primeira infância.

Em segundo lugar, a não ser que se atribua um estatuto sacrossanto à ‘motivação endó- gena’, existem poucas garantias para se acreditar que esta é, por si só, realmente reflectiva das exigências de desenvolvimento genuínas da criança ou que as necessidades resultantes do ambiente circundante são ‘impostas’, possuem um espírito autoritário e estão destinadas, inevitavelmente, a frustrar a realização das potencialidades de desenvolvimento da mesma. Na verdade, a maioria das necessidades tem origem no exterior e interioriza-se no decurso da interacção e da identificação da criança com pessoas significativas da família e ambien- tes culturais.

Em terceiro, nunca se pode partir do princípio de que os interesses e as actividades da criança, expressos espontaneamente, reflectem totalmente todas as necessidades e capacida- des importantes da mesma. Apenas porque as capacidades existentes podem fornecer, poten- cialmente, a própria motivação não significa que o façam sempre ou necessariamente. Não é o facto de se possuírem capacidades que é motivador, mas antes a antecipação de satisfações futuras, uma vez que se tenham exercitado com êxito as mesmas. Contudo, devido a factores tais como a inércia, a falta de oportunidade ou de apreciação da sua existência, ou a preocu-

pação com outras actividades, existem muitas capacidades que nunca chegam sequer a ser exercitadas. Assim, as crianças desenvolvem, geralmente, apenas algumas das potenciais capacidades; como consequência, não se podem considerar os interesses expressos pelas mesmas co-extensivos com o potencial leque de interesses que são capazes de desenvolver com um estímulo apropriado.

Por conseguinte, e em conclusão, dificilmente se podem considerar os interesses actuais e os desejos espontâneos dos alunos imaturos princípios orientadores e substitutos adequa- dos para os conhecimentos especializados e julgamentos amadurecidos para a concepção de um currículo. O reconhecimento do papel das necessidades dos alunos na aprendizagem escolar também não significa que a dimensão do programa de estudos se deve limitar às pre- ocupações existentes e aos interesses expressos de modo espontâneo, que podem estar pre- sentes num grupo de crianças que cresce em condições particulares de estímulo intelectual e de classe social.

De facto, uma das funções essenciais da educação deveria ser o estímulo para o desen- volvimento de motivações e de interesses que, actualmente, não existem. É verdade que os resultados académicos são melhores quando os alunos manifestam que sentiram necessidade de adquirir conhecimentos como um objectivo por si só. Contudo, tais necessidades não são endógenas, mas adquiridas – em grande parte através da exposição a uma instrução provoca- dora, significativa e apropriada em termos de desenvolvimento.

Por último, enquanto for razoável considerar os pontos de vista dos alunos e, até mesmo, em determinadas circunstâncias, solicitar a participação dos mesmos no planeamento do currículo, faz pouco sentido, em termos de desenvolvimento ou administrativo, confiar-lhes a única responsabilidade de políticas significativas ou decisões operacionais.

A este respeito, existem mais duas proposições relacionadas, que têm origem no movi- mento aprender fazendo: (1) as informações factuais e as capacidades intelectuais deveriam adquirir-se sempre nos contextos funcionais da vida real, em que são normalmente encontra- das (e não através das tarefas e exercícios inventados de forma artificial) e (2) o progresso de um aluno deveria avaliar-se apenas em termos das suas próprias potencialidades.

Tarefas e Exercícios Inventados

Contudo, muitos professores aprenderam a partir da própria experiência não só que as tare- fas e os exercícios não precisam de possuir um carácter necessariamente memorizado, mas também que são essenciais para a retenção a longo prazo, para a transferibilidade e para a aquisição de muitas capacidades e conceitos que não ocorrem frequentemente, nem se repe- tem vezes suficientes, em âmbitos mais naturais e, logo, é necessária a prática e a revisão.

Aprendizagem Incidental versus Deliberada

De igual modo, consideraram necessário ignorar grande parte do dogma completamente infundado disseminado sobre a aprendizagem incidental. Chegaram à conclusão de que, embora seja possível que as crianças aprendam algumas coisas de forma incidental, exige-se um esforço deliberado para a aprendizagem eficiente da maioria dos tipos de material acadé- mico.

Em Defesa de Notas Escolares e de Normas de Grupo

Finalmente, tiveram de descontar grande parte da condenação exagerada das notas escolares e das normas de grupo como demónios inqualificáveis. Chegaram à conclusão de que, insul- tos à parte, as notas são quer ferramentas indispensáveis na avaliação da aquisição de conhe- cimentos válidos e valiosos, quer um incentivo bastante necessário e inevitável para os resultados académicos na nossa cultura competitiva. Também chegaram à conclusão de que, embora seja certamente útil saber até que ponto um aluno se está a sair bem em termos das próprias capacidades, este conhecimento não é mutuamente impeditivo de avaliação da capacidade do mesmo em relação à norma da classe ou do grupo etário.

O grito de guerra dos progressistas de que o estudante deve assumir total responsabili- dade pela própria aprendizagem foi distorcido para uma doutrina de irresponsabilidade pedagógica. Tem sido interpretado de forma a significar que é da responsabilidade do estu- dante autodescobrir tudo o que tem de aprender, ou seja, localizar e organizar os próprios materiais de instrução a partir de fontes essenciais, interpretá-los independentemente, pla- near as próprias experiências e utilizar o professor meramente como um consultor e crítico.

Contudo, a educação não é, nem nunca foi, um processo de auto-instrução completo. A própria essência deste reside na selecção, organização, interpretação e disposição sequencial conscientes dos materiais de aprendizagem por pessoas experientes em termos pedagógicos. A escola não pode, em sã consciência, abdicar destas responsabilidades, entregando-as aos estudantes em nome da democracia e do progresso.

O estudante assume uma responsabilidade adequada pela própria aprendizagem:

1. Quando aceita a tarefa de aprender activamente, procurando compreender o material de instrução que lhe ensinam.

2. Quando tenta, de forma genuína, integrá-lo nos conhecimentos que já possui. 3. Quando não evita o esforço ou a batalha por novas aprendizagens difíceis e não exige

que o professor ‘lhe faça a papa toda’.

4. Quando decide fazer as perguntas necessárias sobre o que não compreende.

Outra forma pela qual os educadores fugiram à responsabilidade de programação do con- teúdo de instrução foi a de difundirem o lema de que a função da escola é ‘ensinar como pensar e não o que pensar.’ Este lema também declara uma falsa dicotomia, visto que as duas funções não são, de modo algum, mutuamente exclusivas. De facto, tal como se afir- mou mais atrás, a transmissão de matérias pode considerar-se a função mais essencial da escola.

A maioria do raciocínio efectuado na escola é, e deve ser, suplementar ao processo de aprendizagem por recepção, ou seja, preocupado em fazer com que os estudantes assimilem o conteúdo das matérias de uma forma mais activa, integradora e crítica. Como é óbvio, o desenvolvimento do raciocínio ou da capacidade de resolução de problemas também se pode considerar um objectivo da aprendizagem escolar de direito, embora não tanto como o da aprendizagem de matérias e embora seja passível de ensino apenas em parte; porém, não é um substituto adequado, em quaisquer circunstâncias, para a aprendizagem por recepção de per si, nem um meio essencial e verosímil de transmissão de conhecimentos de matérias.

Felizmente, tal como evidenciado pelo crescimento fenomenal dos movimentos de refor- mas curriculares, desde há várias décadas, e de várias formas de organização de ensino, os

principais educadores estão a voltar, actualmente, ao ponto de vista mais tradicional de que o conteúdo do currículo é da responsabilidade do professor e não do estudante.

No documento livro-ausubel (páginas 47-53)

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