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AS CONDIÇÕES DA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA

No documento livro-ausubel (páginas 87-92)

A essência do processo de aprendizagem significativa, tal como já se verificou, consiste no facto de que novas ideias expressas de forma simbólica (a tarefa de aprendizagem) se relaci- onam àquilo que o aprendiz já sabe (a estrutura cognitiva deste numa determinada área de matérias), de forma não arbitrária e não literal, e que o produto desta interacção activa e inte- gradora é o surgimento de um novo significado, que reflecte a natureza substantiva e denota- tiva deste produto interactivo. Ou seja, o material de instrução relaciona-se quer a algum aspecto ou conteúdo existente especificamente relevante da estrutura cognitiva do aprendiz,

i.e., a uma imagem, um símbolo já significativo, um conceito ou uma proposição, quer a algumas ideias anteriores, de carácter menos específico, mas geralmente relevantes, existen- tes na estrutura de conhecimentos do mesmo.

A aprendizagem significativa exige que os aprendizes manifestem um mecanismo de aprendizagem significativa (ou seja, uma disposição para relacionarem o novo material a ser apreendido, de forma não arbitrária e não literal, à própria estrutura de conhecimentos) e que o material que apreendem seja potencialmente significativo para os mesmos, nomeadamente relacional com as estruturas de conhecimento particulares, numa base não arbitrária e não literal (Ausubel, 1961a) (ver A na Tabela 1). Assim, independentemente da quantidade de potenciais significados que pode ser inerente a uma determinada proposição, se a intenção do aprendiz for memorizá-los de forma arbitrária e literal (como uma série de palavras rela- cionadas de modo arbitrário), quer o processo, quer o resultado da aprendizagem devem ser, necessariamente, memorizados ou sem sentido. Pelo contrário, independentemente da signi- ficação que o mecanismo do aprendiz pode ter, nem o processo nem o resultado da aprendi- zagem podem ser significativos, se a própria tarefa de aprendizagem não for potencialmente significativa – se não for relacional, de forma não arbitrária e não literal, com qualquer estru- tura cognitiva hipotética na mesma área de matérias, bem como com a estrutura cognitiva idiossincrática particular do aprendiz.

Mecanismo de Aprendizagem Significativa

Uma razão por que os alunos desenvolvem frequentemente um mecanismo de aprendizagem memorizada numa matéria de aprendizagem potencialmente significativa prende-se ao facto de aprenderem, a partir de lamentáveis experiências anteriores, que as respostas substancial- mente correctas que não estejam em conformidade, de forma literal, com aquilo que o pro- fessor ou manual escolar afirmam não têm qualquer crédito por parte de alguns professores. Outra razão consiste no facto de, por possuírem um nível geralmente elevado de ansiedade ou por terem fracassado repetidas vezes numa determinada disciplina (que reflecte, por sua vez, uma aptidão relativamente baixa ou um ensino inadequado), não possuem confiança suficiente na capacidade de aprenderem de forma significativa; logo, acreditam que não têm alternativa para fugirem à aprendizagem por memorização. (Esta situação é muito familiar aos professores de matemática, devido à prevalência generalizada do ‘choque dos números’ ou ‘ansiedade dos números’ em crianças em idade escolar, bem como em estudantes univer- sitários).

Além disso, os alunos podem desenvolver um mecanismo de aprendizagem por memori- zação se forem pressionados a exibirem fluência, ou a ocultarem, em vez de admitirem e remediarem, gradualmente, deficiências existentes na compreensão genuína. Nas circuns- tâncias acabadas de referir, parece menos difícil e mais importante criar uma falsa impressão de compreensão fácil, através da memorização de alguns termos ou frases chave, do que fazer-se um esforço genuíno em compreender o que estes significam. Os professores subes- timam frequentemente o facto de os alunos se tornarem muito hábeis na utilização de termos abstractos com uma adequação aparente, quando são obrigados, embora a compreensão dos conceitos ou proposições subjacentes seja, virtualmente, nula.

Significação Potencial

A questão da tarefa de aprendizagem ser ou não potencialmente significativa, ou seja, quer logicamente significativa, quer relacional de forma não arbitrária e não literal com a estru- tura cognitiva particular do aprendiz, é, no entanto, um assunto muito mais complicado do que o mecanismo de aprendizagem significativa. No mínimo, depende obviamente dos dois factores principais envolvidos no estabelecimento de uma relação significativa entre conhe- cimentos novos e estabelecidos, ou seja, quer da natureza da própria tarefa de aprendizagem, quer da natureza da estrutura de conhecimentos particular do aprendiz.

Em primeiro lugar, tendo em conta a natureza do material de instrução, deve ser, como é óbvio, suficientemente não arbitrária (i.e., não aleatória, plausível, sensível), de forma a poder relacionar-se, numa base não arbitrária e não literal, a ideias relevantes corresponden- tes que se situam no âmbito daquilo que os seres humanos são capazes de aprender (a ideias relevantes correspondentes que, pelo menos, alguns seres humanos são capazes de apreen- der se tiverem oportunidade). Este aspecto da própria tarefa de aprendizagem, que determina se o material é ou não potencialmente significativo, pode denominar-se significação lógica1; TABELA 1. Relações Entre Aprendizagem Significativa, Significação Potencial,

Significação Lógica e Significado Psicológico A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA ou A AQUISIÇÃO DE SIGNIFICADOS exige (1) Material Potencialmente Significativo e (2) Mecanismo de Aprendizagem Significativa B SIGNIFICAÇÃO POTENCIAL depende de (1) Significação Lógica (a capacidade de relação não arbitrária e substantiva do material de aprendizagem com ideias relevantes correspondentes, que se situam no âmbito da capacidade de aprendizagem humana) e (2) Disponibilidade de tais ideias relevantes na estrutura cognitiva particular do aprendiz C SIGNIFICADO PSICOLÓGICO (SIGNIFICADO FENOMENOLÓGICO IDIOSSINCRÁTICO) é o produto de (1) Aprendizagem Significativa ou de (2) Significação Potencial e Mecanismo de Aprendizagem Significativa

esta raramente falta, se é que alguma vez isso acontece, nos tipos de tarefas de aprendizagem encontradas nas escolas e universidades, uma vez que o conteúdo das matérias académicas é, quase por definição, logicamente significativo.

Contudo, tal não é o caso no que diz respeito a muitas tarefas no laboratório de psicolo- gia e a muitas tarefas de aprendizagem quotidianas e laboratoriais (por exemplo, números de telefone, pares de adjectivos, frases baralhadas, listas de sílabas sem sentido) que se podem relacionar à estrutura cognitiva de qualquer pessoa, apenas numa base arbitrária e literal. Grande parte da investigação experimental em laboratórios psicológicos, por exemplo, tem utilizado sílabas sem sentido com o objectivo de se fornecerem tarefas de aprendizagem relativamente sem sentido, mas adicionais e com uma dificuldade uniforme, que não se podem relacionar de forma não arbitrária e não literal àquilo que os sujeitos já sabem e, logo, não podem comportar novos significados. Por esta mesma razão, a maioria das ‘leis’ ou teo- rias baseadas em tal experimentação possuem pouca ou nenhuma relação com os processos envolvidos na aprendizagem na sala de aula.

O segundo factor, que determina se o material de aprendizagem é ou não potencialmente significativo, depende mais da estrutura cognitiva particular do aprendiz do que da natureza do próprio material de aprendizagem. A aquisição de significados é um fenómeno da natu- reza que ocorre em determinados seres humanos – e não na humanidade em geral. Assim, para que a aprendizagem significativa ocorra de facto, não é suficiente que o novo material seja simplesmente relacional, de forma não arbitrária e não literal, com ideias corresponden- tes relevantes no sentido mais geral ou abstracto do termo (a ideias correspondentes relevan- tes que alguns seres humanos conseguiam apreender em circunstâncias apropriadas); também é necessário para a aprendizagem significativa que o conteúdo ideário relevante esteja disponível na estrutura cognitiva do aprendiz em particular, para satisfazer esta fun- ção de subsunção e de ancoragem.

Por conseguinte, é bastante claro que, no que toca aos resultados da aprendizagem signi- ficativa na sala de aula, a disponibilidade e outras propriedades significativas do conteúdo relevante nas estruturas cognitivas dos diferentes aprendizes são as variáveis mais cruciais a determinar a significação potencial. Logo, é bastante compreensível que a significação potencial dos materiais de aprendizagem varie não só com as informações educacionais anteriores, mas também com factores tais como a idade, o QI, a ocupação, a classe social e a participação cultural.

O fundamento lógico para se referir apenas à significação potencial dos materiais de ins- trução (e não à verdadeira significação) é uma condição importante da aprendizagem signifi- cativa e da retenção e foi dada no capítulo anterior: caso se tivesse considerado meramente este aspecto do material de aprendizagem como unicamente significativo, sem se acrescentar o qualificativo potencial, o objectivo do processo de aprendizagem significativa teria sido, obviamente, alcançado de modo precoce, tornando, assim, supérfluo o processo de aprendi- zagem per se. Isto acontece porque o próprio significado é um produto emergente da interac- ção entre as ideias a serem apreendidas com o material de instrução e as ideias relevantes de subsunção (ancoradas) existentes na estrutura cognitiva do aprendiz.

Relações Não-Arbitrárias e Não-Literais

O que se quererá dizer, precisamente, quando se afirma que, para que o material de aprendi- zagem seja logicamente significativo, deve ser relacional, de forma não-arbitrária e não-lite-

ral, com as ideias correspondentes relevantes que se situam no âmbito da capacidade de aprendizagem humana?

O primeiro critério – capacidade de relação não-arbitrária – sugere simplesmente que, se o próprio material for suficientemente não-arbitrário (ou não-aleatório), está presente uma base adequada e quase evidente para o relacionar de forma não arbitrária aos tipos de ideias correspondentes relevantes da estrutura cognitiva, que os seres humanos, no geral, ou pelo menos alguns, conseguem apreender. Logicamente, o material de aprendizagem signifi- cativo poderia, assim, ser relacionado de forma arbitrária a ideias especificamente relevan- tes, tais como exemplos, situações derivadas, casos especiais, extensões, elaborações, modificações, qualificações e generalizações mais inclusivas; ou poderia relacionar-se a um conjunto anterior mais vasto de ideias relevantes, no sentido de ser geralmente congruente com as mesmas.

O segundo critério – fiabilidade não-literal – sugere que, se a tarefa de aprendizagem for, mais uma vez, suficientemente não arbitrária, poder-se-ia relacionar um símbolo ou grupo de símbolos, equivalentes (sinónimos) em termos ideários, à estrutura cognitiva do aprendiz sem alterar o significado de forma significativa. Por outras palavras, nem a apren- dizagem significativa, nem os significados emergentes, dependem do uso exclusivo de pala- vras particulares, excluindo outras; o mesmo conceito ou proposição podia expressar-se em linguagem sinónima e iria transmitir precisamente o mesmo significado ao aprendiz. Assim, por exemplo, ‘canino’, ‘Hund’ e ‘chien’ iriam induzir os mesmos significados que ‘cão’ numa pessoa que tem um domínio razoável de Português, Alemão e Francês; e ‘a soma de todos os ângulos internos de um triângulo é igual a um ângulo raso’ teria, essencialmente, o mesmo significado para a maioria dos estudantes de geometria que ‘a soma de todos os ângulos internos de um triângulo é igual a 180 graus’.

As tarefas de aprendizagem por memorização, como é óbvio, não se levam a cabo nem se dominam num vácuo cognitivo. Podem relacionar-se à estrutura cognitiva, mas apenas de forma arbitrária e literal que, tal como salientado acima, não resulta, nem pode resultar, na aquisição de novos significados. Por exemplo, uma vez que os membros particulares de estí- mulo e de resposta de um determinado par de adjectivos, numa tarefa de aprendizagem de associação de pares, estão ligados de forma puramente arbitrária, não existe base possível para se relacionar, de forma não arbitrária, a tarefa de aprendizagem à estrutura de conheci- mentos de um indivíduo (a não ser que o aprendiz invente um laço mediador significativo); além disso, o aprendiz deve também lembrar-se literalmente da resposta a cada palavra de estímulo – não pode, por outras palavras, utilizar sinónimos.

Esta capacidade de relação arbitrária e literal das tarefas de aprendizagem por memoriza- ção à estrutura cognitiva tem, como é óbvio, determinadas consequências significativas para a aprendizagem. Em primeiro lugar, uma vez que o ‘equipamento de transformação’ cogni- tiva humana, ao contrário de um computador, não consegue tratar, de forma eficaz, informa- ções relacionadas com o mesmo numa base arbitrária e literal, apenas se conseguem dominar tarefas de aprendizagem relativamente pequenas desta forma e estas ficam retidas apenas durante curtos períodos de tempo, a não ser que sejam bem apreendidas. Em segundo, a capacidade de relação arbitrária e literal para com a estrutura cognitiva do apren- diz torna as tarefas de aprendizagem por memorização altamente vulneráveis à intervenção de materiais semelhantes encontrados anteriormente, ao mesmo tempo ou depois. Tal como se poderá verificar mais adiante, esta é a diferença básica do tipo de capacidade de relação para com a estrutura cognitiva (arbitrária e literal versus não-arbitrária e não-literal) que

explica a diferença fundamental entre os processos de aprendizagem por memorização e sig- nificativa.

É óbvio que também é possível que os elementos componentes já significativos de uma tarefa de aprendizagem por memorização (ex.: os adjectivos numa tarefa de pares de adjecti- vos) sejam relacionais com a estrutura cognitiva, de formas que não envolvem qualquer aprendizagem actual das ligações arbitrárias entre cada um dos pares de adjectivos, mas que, não obstante, facilitam a aprendizagem memorizada da tarefa como um todo. É em virtude desta capacidade de relação, por exemplo, que as letras que compõem sílabas sem sentido também se apreendem de forma significativa e que as sílabas como um todo deduzem associ- ações com palavras significativas semelhantes (e são, assim, também elas apreendidas, em parte, como significativas). Por razões semelhantes – melhoramento da familiaridade com o material, eliminação da necessidade de aprendizagem actual dos elementos componentes e possibilidade de combinação desses elementos em unidades mais vastas (reduzindo, assim, o número total de associações discretas a serem ligadas) – a utilização de elementos compo- nentes já significativos nos materiais de aprendizagem facilita a aprendizagem por memori- zação.

A RELAÇÃO DO SIGNIFICADO COM A APRENDIZAGEM

No documento livro-ausubel (páginas 87-92)

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