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APRENDIZAGEM POR RECEPÇÃO VERSUS POR DESCOBERTA Até aos finais dos anos cinquenta, início dos sessenta, e à primeira negação notável (Mand-

No documento livro-ausubel (páginas 64-68)

ler, 1962) da tentativa behaviorista de reduzir processos mentais complexos ao modelo da aprendizagem verbal por memorização, muitos psicólogos e psicólogos educacionais aceita- ram, implicitamente, a proposição de que a compreensão, a aquisição e a retenção de conhe- cimentos, o esquecimento, a formação de conceitos e a resolução de problemas poderiam, por fim, explicar-se pelos mesmos princípios que operam na aprendizagem e retenção de sílabas sem sentido e de pares de adjectivos. Não admira que, nessa altura, os educadores compreendessem a aprendizagem de matérias como uma extensão da aprendizagem por memorização e se voltassem para panaceias, tais como ‘aprendizagem pela descoberta’, ‘Todas as crianças são pensadores criativos’ e abordagens ‘processuais’ para o ensino da ciência, etc.

Por conseguinte, neste capítulo irá tentar-se distinguir a aprendizagem por recepção e a pela descoberta, aperfeiçoar a distinção existente entre aprendizagem por memorização e significativa e considerar o papel distinto de cada um destes tipos de aprendizagem no empreendimento educacional global. Nesta altura, já deve estar claro que a aprendizagem por recepção verbal pode ser genuinamente significativa sem experiências de descoberta anteriores e sem actividades de resolução de problemas e que a fraqueza atribuída ao método de instrução verbal expositiva não é inerente ao próprio método, mas resulta antes de várias más aplicações e utilizações do mesmo.

Do ponto de vista do melhoramento do desenvolvimento intelectual, nenhum interesse teórico é mais relevante nem pressiona tanto, no estado actual dos conhecimentos, como a necessidade de se distinguir claramente os principais tipos de aprendizagem escolar (ex.: aprendizagem verbal por memorização e significativa e resolução de problemas verbais e não verbais) que ocorrem na sala de aula. Uma forma significativa de se diferenciarem estes últimos tipos de aprendizagem na sala de aula é fazendo duas distinções processuais críticas que os dividem – distinções entre aprendizagem por recepção e pela descoberta e entre aprendizagem por memorização e significativa.

A primeira distinção é especialmente importante, pois a maioria da compreensão adqui- rida pelos alunos, quer dentro, quer fora, da escola, é apresentada (e produto da aprendiza- gem por recepção) e não descoberta. Além disso, visto que a maioria do material de aprendizagem se apresenta de forma verbal, é igualmente importante ter-se em conta que a aprendizagem por recepção verbal não possui, necessariamente, um carácter memorizado e pode ser significativa sem experiências não verbais e de resolução de problemas anteriores.

Na aprendizagem por recepção (por memorização ou significativa), o conteúdo total do que está por aprender apresenta-se ao aprendiz em forma acabada. A tarefa de aprendizagem não envolve qualquer descoberta independente por parte do mesmo. Ao aprendiz apenas se exige que interiorize o material (ex.: uma lista de sílabas sem sentido ou de pares de associa- ções, um poema ou um teorema da geometria) que lhe é apresentado, de forma a ficar dispo- nível e reproduzível numa data futura.

Por outro lado, a característica essencial da aprendizagem pela descoberta (ex.: formação de conceitos, resolução de problemas por memorização ou significativa) é que o conteúdo principal do que está por aprender não é dado, mas deve ser descoberto de modo indepen- dente pelo aprendiz antes de este o poder interiorizar. Por outras palavras, a tarefa de apren- dizagem distinta e inicial consiste em descobrir algo – qual de duas alas do labirinto leva ao

fim, a natureza precisa de uma relação entre duas variáveis, os atributos comuns de um número de exemplos diversos, etc.

Por conseguinte, a primeira fase da aprendizagem pela descoberta envolve um processo bastante diferente do da aprendizagem por recepção. O aprendiz deve organizar uma deter- minada quantidade de informações, integrá-las na estrutura cognitiva existente e reorganizar ou transformar a combinação integrada, de forma a criar um produto final desejado ou a des- cobrir uma relação meios–fim ausente. Depois de esta fase estar completa, interioriza-se o conteúdo descoberto, tal como na aprendizagem por recepção.

Por conseguinte, nesta altura já deve estar claro que a aprendizagem por recepção e a aprendizagem pela descoberta são dois tipos de processos bastante diferentes e que a maioria da instrução na sala de aula está organizada nas linhas da aprendizagem por recepção. Na próxima secção, irá demonstrar-se que a aprendizagem por recepção verbal não possui um carácter necessariamente memorizado, que grande parte dos materiais ideários (ex.: concei- tos, generalizações) se pode interiorizar de forma significativa e ficar disponível sem experi- ências de descoberta anteriores e que o aprendiz não tem de descobrir, em qualquer fase, princípios de modo independente, de forma a ser capaz de compreendê-los e utilizá-los sig- nificativamente.

A aprendizagem por recepção e a aprendizagem pela descoberta não só possuem, basica- mente, uma natureza e processos essenciais diferentes, como também diferem no que toca aos próprios papéis principais no desenvolvimento intelectual e no funcionamento cogni- tivo. Essencialmente, adquirem-se grandes conjuntos de matérias na escola através da apren- dizagem por recepção, ao passo que os problemas quotidianos se resolvem através da aprendizagem pela descoberta.

Contudo, existe uma sobreposição de funções: os conhecimentos adquiridos com a aprendizagem por recepção também se utilizam na resolução dos problemas quotidianos e a aprendizagem pela descoberta utiliza-se, vulgarmente, na sala de aula para se aplicarem, alargarem, integrarem e avaliarem conhecimentos de matérias e para se testar a compreen- são das mesmas. Em situações laboratoriais, a aprendizagem pela descoberta também leva à redescoberta forjada de proposições conhecidas e, quando empregada por cientistas, a novos conhecimentos significativos. Contudo, as proposições geralmente descobertas através de métodos de resolução de problemas raramente são suficientemente originais, significativas ou merecem ser incorporadas nos conhecimentos que o aprendiz possui das matérias. Em qualquer dos casos, as técnicas de descoberta dificilmente constituem um meio essencial e eficiente de transmissão do conteúdo de uma disciplina académica.

Por conseguinte, a aprendizagem pela descoberta é um processo com mais implicações psicológicas do que a aprendizagem por recepção, pois pressupõe uma fase de resolução de problemas que precede a interiorização de informações e o surgimento de significados. Con- tudo, a aprendizagem por recepção, no seu todo, surge mais tarde em termos de desenvolvi- mento e, em muitos casos, implica um grau superior de maturidade cognitiva. A criança em idade pré-escolar apreende a maioria dos novos conceitos e proposições por indução, através da descoberta autónoma. Contudo, a autodescoberta não é essencial para a formação de con- ceitos na criança da escola primária, se estiverem disponíveis apoios empíricos concretos. Por outro lado, a aprendizagem por recepção, embora também ocorra mais cedo em termos de desenvolvimento, não é verdadeiramente proeminente2 até que a criança seja capaz quer de fazer operações mentais internas, quer de compreender conceitos e proposições verbal- mente apresentados, com a vantagem de experiências empíricas concretas actuais. Por con-

seguinte, o contraste típico aqui existente é entre o conceito indutivo formação, com a ajuda de apoios empíricos concretos, por um lado, e a assimilação directa de conceitos através da exposição (definição) verbal, por outro.

Apresentado o caso para a abordagem da aprendizagem pela descoberta ou de resolução de problemas, Bruner defende que a descoberta é necessária para a ‘posse verdadeira’ dos conhecimentos, possui determinadas vantagens de motivação únicas, organiza os conheci- mentos de forma eficaz para utilização posterior e promove a retenção a longo prazo. Con- tudo, grande parte destas pretensões é insustentável (Ausubel, 1961), mas é inegável que o método da descoberta oferece algumas vantagens de motivação únicas, é uma técnica de ins- trução auxiliar útil em determinadas situações educacionais e é necessária quer para o desen- volvimento de capacidades de resolução de problemas, quer para se aprender como se descobrem os novos conhecimentos. Contudo, não é uma condição indispensável para a ocorrência de aprendizagem significativa e leva demasiado tempo para poder ser utilizada de forma eficaz como método essencial de transmissão do conteúdo das matérias em situações típicas da sala de aula.

Apesar das reivindicações estridentes por parte dos entusiastas da descoberta, a maioria dos professores continua a considerar que a exposição verbal, complementada sempre que necessário por apoios empíricos concretos, é, na verdade, a forma mais eficaz de se ensina- rem matérias a alunos da escola primária e secundária e leva a conhecimentos mais sólidos e menos triviais do que as situações em que os estudantes são os seus próprios pedagogos.

Geralmente, os professores rejeitam asserções extremas (ex.: Bruner, 1960), tais como (1) as crianças compreendem de facto o que aprendem apenas quando o descobrem de forma autónoma (por elas próprias); (2) aprender a ‘heurística da descoberta’ geral é mais impor- tante para fins de transferibilidade (e devido ao famoso obsoletismo rápido do conheci- mento) do que aprender o conteúdo de várias disciplinas (ex.: a abordagem ‘processual’ do ensino da ciência); (3) aprender pela descoberta deveria ser o mecanismo pedagógico princi- pal para a transmissão da vasta quantidade de conhecimentos que os estudantes têm de adquirir; e (4) os estudantes de ciências aprendem melhor a matéria se agirem como se fos- sem cientistas e se fizerem as mesmas coisas que estes. Rejeitam a última proposição devido às grandes diferenças entre cientistas e estudantes no que toca aos respectivos objectivos e níveis de conhecimento dos assuntos.

Além disso, as investigações revelam que a disponibilidade de conceitos e princípios anteriores relevantes na estrutura cognitiva do estudante (complementada de algum modo por outras capacidades cognitivas e traços de personalidade) explica grande parte da variân- cia dos resultados na resolução de problemas (Saugstad, 1955) (independentemente de tra- ços cognitivos e de personalidade específicos da disciplina, largamente determinados em termos genéticos e relativamente difíceis de ensinar). Isto tem tendência a esvaziar as reivin- dicações da abordagem ‘processual’ do ensino. Assim, caso a educação ‘processual’ ou o ‘ensino para a resolução de problemas’ (ou ‘criatividade’) se tornasse a forma principal de abordar a educação, só poderia resultar num desastre educacional total comparável ao que ocorreu nos Estados Unidos desde os anos trinta a meados dos cinquenta. Na altura, o ensino expositivo de conceitos e princípios da matemática e das ciências físicas caiu em descrédito e colocou-se, de igual forma, uma confiança excessiva numa abordagem de resolução de problemas do tipo ‘por memorização’ e no desempenho de exercícios laboratoriais, através de instruções, para a transmissão do conteúdo substantivo ou ideário destas disciplinas. Como resultado, toda uma geração de graduados do ensino secundário e universitário conse-

guia ‘resolver’ todos os problemas exigidos, trabalhando, por exemplo, com a Lei de Ohm, logaritmos, expoentes, funções, cálculo diferencial e integral, soluções molares, etc., sem ter a mínima noção do significado de qualquer um dos conceitos ou princípios em questão.

Tudo isto, como é óbvio, não diminui, de modo algum, a utilização da aprendizagem pela descoberta forjada (planeada) para se ensinar às crianças métodos específicos das várias disciplinas e para lhes fornecer algumas noções da forma como os novos conhecimentos de uma determinada área começam a existir.

Poderá a Aprendizagem por Recepção ser Significativa?

Afirma-se muitas vezes, tal como já foi referido, que as generalizações e os conceitos abs- tractos são formas de verbalismo vazio e sem significado, a não ser que o aprendiz os descu- bra de modo autónomo a partir das próprias experiências de resolução de problemas concretas e empíricas. Na minha opinião, uma análise cuidada desta proposição revela que se apoia em três graves falácias lógicas: (1) uma representação fictícia do método de apren- dizagem verbal; (2) a tendência prevalecente para se confundir a dimensão por recepção-descoberta do processo de aprendizagem com a dimensão por memorização-signi- ficativa, e (3) a generalização não garantida das condições de desenvolvimento distintas da aprendizagem e do pensamento desde a infância, passando pela adolescência e até à vida adulta.

A representação fictícia foi, como é óbvio, a forma mais simples e eficaz de se desacredi- tar o método da exposição verbal. Em vez de se descrever este método pedagógico em ter- mos das suas características essenciais, tornou-se moda representá-lo em termos dos seus piores abusos. Como é natural, não foi difícil encontrar-se exemplos destes abusos, visto que um número considerável de professores continua a basear-se na aprendizagem por memori- zação verbal para o ensino de matérias potencialmente significativas.

Algumas das práticas mais flagrantemente absurdas empregues neste tipo de ensino incluem as seguintes: (1) uso prematuro de técnicas verbais em alunos imaturos em termos cognitivos; (2) apresentação arbitrária de factos não relacionados sem quaisquer princípios de organização ou de explicação; (3) fracasso na integração de novas tarefas de aprendiza- gem com materiais anteriormente apresentados; (4) uso de procedimentos de avaliação que apenas avaliam a capacidade de se reconhecerem factos discretos, ou de se reproduzirem ideias pelas mesmas palavras ou no contexto idêntico ao originalmente encontrado (Ausu- bel, 1961a).

Embora seja completamente adequado alertar os professores em relação aos usos incor- rectos frequentes da aprendizagem verbal, não é apropriado representá-los como inerentes ao próprio método. Uma abordagem da instrução que, em termos lógicos e psicológicos, parece apropriada e eficiente não se deveria descartar como impraticável simplesmente por- que, tal como todas as técnicas pedagógicas nas mãos de professores incompetentes ou não inteligentes, está sujeita a abusos. Seria mais razoável precaverem-se das más aplicações mais vulgares e relacionarem o método com princípios teóricos e resultados de investigações relevantes, que lidam realmente com a aprendizagem e a retenção a longo prazo de grandes conjuntos de materiais potencialmente significativos e apresentados verbalmente.

A distinção entre aprendizagem por memorização e significativa confunde-se, frequente- mente, com a distinção por recepção-descoberta acima discutida. Esta confusão é, em parte, responsável pela dupla convicção generalizada, mas não garantida, de que a aprendizagem

por recepção é invariavelmente memorizada e que a pela descoberta é por inerência e neces- sariamente significativa. É óbvio que ambos os pressupostos estão relacionados com a dou- trina errónea e enraizada de que os únicos conhecimentos que uma pessoa possui e compreende verdadeiramente são os que a pessoa descobre por si. De facto, cada distinção constitui uma dimensão da aprendizagem completamente independente.

Por conseguinte, uma proposição defensável é que quer as técnicas expositivas, quer as de resolução de problemas, podem ser por memorização ou significativas, dependendo das condições em que a aprendizagem ocorre. Em ambas as situações, a aprendizagem significa- tiva ocorre se a tarefa de aprendizagem se puder relacionar de forma não arbitrária e não lite- ral àquilo que o aprendiz já sabe e se este adoptar um mecanismo de aprendizagem correspondente para o fazer.

É claro que, com base nestes critérios, grande parte dos conhecimentos potencialmente significativos ensinados por exposição verbal resulta em verbalismos apreendidos por memorização. Contudo, este resultado memorizado não é inerente ao método expositivo per se, mas antes aos abusos deste método por parte de professores, manuais escolares e aprendi- zes como fracasso em satisfazer os critérios da aprendizagem significativa. Por outro lado, existe igualmente uma relutância muito grande em reconhecer-se que os pré-requisitos acima mencionados para a aprendizagem significativa também se aplicam aos métodos de resolução de problemas e laboratoriais. Contudo, deveria ser bastante evidente que o desem- penho de experiências laboratoriais com base num livro de instruções, sem se compreende- rem os princípios substantivos e metodológicos subjacentes envolvidos, confere muito pouca compreensão genuína e que muitos estudantes de matemática e de ciências conside- ram relativamente simples ‘descobrir’ respostas correctas a problemas ‘tipo’ sem compreen- derem realmente o que estão a fazer. Alcançam a última proeza através da mera memorização destes ‘problemas tipo’ e dos procedimentos adequados para manipularem os símbolos de cada tipo. Não obstante, ainda não se considera, de um modo geral, que o traba- lho laboratorial e a resolução de problemas não são experiências genuinamente significati- vas, a não ser que se construam numa base de conceitos e de princípios claramente compreendidos na disciplina em questão e a não ser que as operações constituintes sejam, elas próprias, significativas.

A arte e a ciência de apresentação de ideias e de informações de modo significativo e efi- caz – de forma a surgirem significados claros, estáveis e não ambíguos e a existir uma reten- ção durante um período de tempo considerável, como um conjunto de conhecimentos organizados – é, na verdade, a principal função da pedagogia. Esta é uma tarefa exigente e criativa e não rotineira nem mecânica. A tarefa de selecção, organização, apresentação e tra- dução do conteúdo das matérias, de uma forma apropriada em termos de desenvolvimento, exige mais do que uma simples listagem de factos. Caso seja feita correctamente, trata-se do trabalho de um professor capacitado e dificilmente se pode desdenhar.

APRENDIZAGEM POR RECEPÇÃO E DESENVOLVIMENTO

No documento livro-ausubel (páginas 64-68)

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