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QUALIFICAÇÕES DA UTILIZAÇÃO DA ABORDAGEM DA “CIÊNCIA BÁSICA” NA INVESTIGAÇÃO APLICADA

No documento livro-ausubel (páginas 43-47)

Ao contrário da contenda de Spence (1959), a maior complexidade e número de variáveis determinantes envolvidas na aprendizagem verbal significativa não exclui a possibilidade de se descobrirem leis precisas, com aplicações gerais vastas de uma situação educacional para outra. Isto significa, simplesmente, que tal investigação exige um talento experimental e o uso sofisticado de métodos modernos de concepção de investigações.

O atributo da abordagem de investigação da ‘ciência básica’ reside na própria noção defensável de que o progresso nas ciências aplicadas está, fundamentalmente, relacionado com os conhecimentos das ciências subjacentes em que estas se baseiam. Pode demons- trar-se de forma convincente, por exemplo, que (1) o progresso da medicina clínica está inti- mamente ligado ao progresso da bioquímica e da bacteriologia, (2) o progresso da engenharia está intimamente ligado ao progresso da física e da química, e (3) o progresso da educação está igualmente dependente dos avanços na psicologia, estatística, sociologia e filosofia. Contudo, devem colocar-se dois tipos importantes de qualificações a favor da investigação da ‘ciência básica’ para as ciências aplicadas: qualificações de objectivo ou de orientação e qualificações de nível de aplicabilidade.

Por definição, a investigação da ‘ciência básica’ preocupa-se com a descoberta de leis gerais da fenomenologia física, biológica, psicológica e sociológica como fim por si só. Como é óbvio, os investigadores destas áreas não colocam objecções à aplicação destes

resultados a problemas práticos com valor social; de facto, existem razões para se pensar que se sentem, de alguma forma, motivados por esta consideração.

Contudo, a concepção da investigação da ‘ciência básica’ não gera qualquer relação intencional para com os problemas das disciplinas aplicadas, visto que o único objectivo é o avanço dos conhecimentos num sentido geral e não utilitário. Ultimamente, como é óbvio, tais conhecimentos são aplicáveis de uma forma muito vasta a problemas práticos; mas, visto que a concepção da investigação não é orientada para a resolução destes problemas, esta aplicabilidade está apta a ser bastante indirecta, não sistemática e apenas relevante durante um período de tempo que é demasiado longo para ser significativo em termos de necessidades a curto prazo das disciplinas aplicadas.

A segunda qualificação diz respeito ao nível a que os resultados das ciências básicas se podem aplicar, assim que estiver estabelecida a relevância dos mesmos. Deveria ser evidente que tais resultados manifestam um nível muito mais elevado de generalidade do que os pro- blemas aos quais se podem aplicar. Ao nível aplicado, acrescentam-se fins e condições espe- cíficos que exigem uma investigação adicional, para que se torne clara a forma precisa como a lei geral opera no caso específico. Ou seja, a aplicabilidade de princípios gerais a proble- mas específicos não surge na exposição do princípio geral; deve trabalhar-se de forma espe- cífica para cada problema aplicado. Os conhecimentos sobre a cisão nuclear, por exemplo, não informam sobre a forma como fazer uma bomba atómica ou um submarino atómico.

Em áreas tais como a da educação, o problema da generalidade é mais complicado devido ao facto de os problemas práticos existirem, muitas vezes, a níveis mais elevados de complexidade, mais no que respeita à ordem de fenomenologia do que aos resultados da ‘ciência básica’ que exigem aplicação. Ou seja, acrescentam-se novas variáveis que podem alterar, qualitativamente, os princípios gerais da ciência básica a tal ponto que, ao nível apli- cado, apenas possuem uma validade básica, mas não um valor explicativo ou de previsão. Por exemplo, as reacções antibióticas que ocorrem nos tubos de ensaio não se dão necessariamente em sistemas vivos e os métodos de aprendizagem por memorização em labirintos, estudados em laboratórios psicológicos com animais, não correspondem necessa- riamente aos métodos de aprendizagem que as crianças utilizam na abordagem de materiais verbais potencialmente significativos na sala de aula.

Por conseguinte, a abordagem da ‘ciência básica’ na investigação educacional está sujeita a muitas desvantagens graves. A sua relevância é demasiado remota e indirecta, pois não está orientada para a resolução de problemas educacionais, e os resultados da mesma, se forem relevantes, apenas são aplicáveis caso se leve a cabo muita investigação adicional, para se traduzirem os princípios gerais para a forma mais específica que têm de assumir nos contextos de pedagogia de tarefas especializadas e noutros mais complexos (Ausubel, 1953). Muitas das mais famosas generalizações da psicologia educacional – o princípio de pron- tidão, a importância do desenvolvimento na aprendizagem, a tendência do concreto ao abs- tracto na conceptualização do que nos rodeia – encaixam-se muito bem nas analogias supracitadas. São ideias interessantes e potencialmente úteis para os especialistas curricula- res, mas possuem pouca utilidade prática para a concepção de um currículo até adquirirem uma particularização a um nível aplicado de operações.

A necessidade de particularização é bem ilustrada pelo princípio de prontidão. Neste momento, apenas se pode especular acerca do aspecto das sequências curriculares, caso levassem em conta resultados de investigação precisos e detalhados (mas, actualmente, indisponíveis) com o surgimento da prontidão para diferentes áreas de matérias, subáreas e

níveis de dificuldade dentro de uma área e para diferentes abordagens no ensino do mesmo material.

Tal como demonstrado, devido ao carácter imprevisível da especificidade da prontidão pelo facto de, por exemplo, uma criança de quatro ou cinco anos poder beneficiar de forma- ção em intensidade, mas não em ritmo (Jersild & Bienstock, 1935), as respostas válidas a tais questões não podem resultar de uma extrapolação lógica, mas exigem uma meticulosa investigação empírica relacionada com a teoria num âmbito escolar. O passo seguinte iria envolver o desenvolvimento de métodos e de materiais de ensino apropriados, de forma a obter-se uma vantagem óptima dos graus existentes de prontidão e a aumentar-se a mesma sempre que necessário e desejável. Porém, uma vez que nem sempre se possui este tipo de investigação de dados disponível, talvez com a excepção do campo da leitura, apenas se pode aprovar o princípio da prontidão no planeamento de currículos.

Vantagens da Abordagem da Ciência Básica

A extrapolação da abordagem da ciência básica, como é óbvio, oferece várias vantagens metodológicas muito atractivas nas experiências verbais de aprendizagem. Em primeiro lugar, através da utilização de sílabas sem sentido com igual significação, é possível traba- lhar com unidades adicionais com igual dificuldade. Em segundo, com a utilização de tais tarefas de aprendizagem relativamente insignificantes (i.e., sílabas sem sentido equaciona- das por grau de significação), é possível eliminar, na sua maioria, a influência indeterminada de experiências antecedentes significativas, que, como é natural, variam de indivíduo para indivíduo. Porém, é precisamente esta interacção de novas tarefas de aprendizagem, com estruturas cognitivas idiossincráticas existentes, que é a característica distinta da aprendiza- gem significativa.

Assim, embora a utilização de sílabas sem sentido ou de adjectivos emparelhados acres- cente, sem dúvida, um rigor metodológico ao estudo da aprendizagem, a própria natureza deste material limita a aplicabilidade dos resultados destas experiências a um tipo de apren- dizagem por memorização e a curto prazo que é rara nas situações quotidianas e ainda mais rara nas salas de aula. Não obstante, muito embora não existam bases a priori para se partir do princípio de que a aprendizagem e a retenção ocorrem da mesma forma para a aprendiza- gem potencialmente significativa e para a relativamente insignificante, os resultados das experiências de aprendizagem por memorização têm sido, vulgarmente, extrapolados para situações de aprendizagem potencialmente significativa. Honra e proveito não cabem no mesmo saco. Se determinada pessoa escolher o tipo particular de rigor metodológico associ- ado à utilização de materiais de aprendizagem por memorização, também se deve contentar com a aplicação dos resultados de tais experiências apenas a situações de aprendizagem por memorização.

Grande parte da psicologia da aprendizagem que os professores em formação estudam hoje em dia baseia-se em resultados de experiências de aprendizagem por memorização, aceites como um todo, e não sujeitos a crítica, sem qualquer tentativa de se testar a sua apli- cabilidade ao tipo de situações de aprendizagem que existem realmente nas salas de aula. De facto, seria uma situação chocante caso se seguisse um procedimento comparável na área da medicina, i.e., se os médicos empregassem terapêuticas apenas validadas in vitro ou através de experiências em animais.

Infelizmente, a influência das teorias da aprendizagem por memorização não se limita às concepções teóricas, ou às abordagens experimentais, da aprendizagem escolar. A vontade que os psicólogos educacionais têm de extrapolar os resultados dos estudos por memoriza- ção levou-os, naturalmente, a negligenciar quase totalmente a natureza e as condições da aprendizagem verbal e da retenção significativas. Como é óbvio, isto atrasou a descoberta de métodos mais eficazes de exposição verbal, bem como ajudou a perpetuar a utilização de abordagens do ensino, tradicionalmente da área da memorização. Estes métodos continuam a dominar grande parte da prática educacional contemporânea, particularmente na escola secundária e na universidade. Frequentemente, os professores ensinam e os alunos apreen- dem materiais de instrução lógica e potencialmente significativos como se possuíssem um carácter memorizado e, logo, caso exista retenção, esta faz-se de forma ineficiente e com dificuldades desnecessárias.

Existem ainda outros círculos educacionais em que se considera que todas as exposições verbais alimentam, necessariamente, a aprendizagem por memorização e, logo, são rejeita- das. Só há relativamente pouco tempo é que os especialistas curriculares e os psicólogos educacionais se preocuparam com os aspectos substantivos e programáticos do problema da facilitação da aquisição e da retenção significativas de conjuntos viáveis de conhecimentos.

Psicologia versus Psicologia Educacional

Visto que quer a psicologia, quer a psicologia educacional, tratam do problema da aprendi- zagem, como se podem distinguir os interesses de investigação especiais e legítimos de cada disciplina nesta área? Como ciência aplicada, a educação não se preocupa com as leis gerais da aprendizagem per se, mas apenas com aquelas propriedades da aprendizagem que se podem relacionar com formas eficazes de se efectuarem, de modo deliberado, alterações estáveis nos indivíduos (ex.: a aquisição e a retenção de conhecimentos) que possuam valor quer pessoal, quer social. Por conseguinte, a educação refere-se à aprendizagem orientada ou manipulada, direccionada, de forma deliberada, para fins práticos específicos. Estes podem definir-se, em parte, como a aquisição a longo prazo de conjuntos estáveis de conhe- cimentos (ideias, conceitos, factos), valores, hábitos, capacidades, formas de compreensão, ajustamento e ambição e das capacidades cognitivas necessárias para os adquirir.

Por outro lado, o interesse dos psicólogos pela aprendizagem é muito mais geral. Exis- tem muitos outros aspectos da aprendizagem que os preocupam para além da aquisição efici- ente de determinados conhecimentos, competências e capacidades de desenvolvimento cognitivo num contexto direccionado. De um modo mais geral, investigam a natureza de experiências de aprendizagem actuais, memorizadas, fragmentadas ou a curto prazo, e não os tipos de aprendizagem a longo prazo envolvidos na assimilação de conjuntos de conheci- mentos extensos e organizados, valores, hábitos e capacidades. Esta escolha de investigação dos problemas por parte dos psicólogos foi, em grande parte, determinada pelo ponto de vista reducionista e não fundamentado de que os processos mentais superiores se podem explicar quando se compreendem mais tipos simples de aprendizagem.

Por conseguinte, os seguintes tipos de problemas de aprendizagem são particularmente autóctones relativamente à investigação psicoeducacional:

1. Descoberta da natureza dos aspectos do processo de aprendizagem que afectam a vasta disponibilidade, estabilidade e significação de conjuntos de conhecimentos organizados, capacidades, etc., no aprendiz.

2. Vasta modificação (melhoramento) das capacidades de aprendizagem.

3. Descoberta dos aspectos de personalidade e cognitivos do aprendiz, bem como dos aspectos interpessoais e sociais do ambiente de aprendizagem, que afectam a motiva- ção para a aprendizagem e as formas características de assimilação de materiais de instrução.

4. Descoberta de práticas de revisão e de retorno apropriadas e com a máxima eficiência e de formas de organizar, atribuir uma sequência e apresentar os materiais de apren- dizagem e de motivar e direccionar, de modo deliberado, a aprendizagem para objec- tivos específicos (Ausubel, 1953).

Assim, a psicologia educacional é, inequivocamente, uma disciplina aplicada. Contudo, não se trata de psicologia aplicada à aprendizagem escolar – pelo menos não mais do que a medicina é biologia aplicada à prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças. Cada disci- plina aplicada possui o próprio conjunto independente de teorias e de metodologias, que é tão elementar como o que está subjacente à disciplina-mãe. A principal diferença entre elas é que os conjuntos de teorias aplicadas possuem um âmbito menos geral e são mais relevantes para os problemas práticos particulares de uma determinada disciplina aplicada.

TENDÊNCIAS E QUESTÕES ACTUAIS RELEVANTES PARA O

No documento livro-ausubel (páginas 43-47)

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