• Nenhum resultado encontrado

A ÉTICA DO CUIDADO E A SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

No documento Volume 2 (páginas 53-56)

O ser humano vive impregnado e afetado por sentimentos, necessidades, habilidades e valores. Essas características são essenciais para a constituição do seu caráter. Contudo, vive-se um período de muita carência de valores e sentimentos, fazendo com que as necessidades hu- manas sejam cada vez mais evidentes. Nas palavras de Boff (2011, p. 14), “é a nossa capacidade de sentir o outro, de pensar totalidades, [...], de pensar não só com a mente, mas também com o corpo, de termos sensibilidade para os valores, [...] captar mensagens que nos vêm de todos os lados, [...] sensíveis à dimensão espiritual e abertos à percepção do mistério”, dentre outras dimensões, que tornam o homem um ser humano. Para Boff (2003a, p. 52), do ponto de vista fenomenológico, o ser humano emerge, “[...] como um ser de desejo ilimitado, daí seu caráter de projeto infinito, com capacidade de cuidado, de responsabilidade por sua vida, pela vida dos outros e pelo futuro da Terra”, mas também “[...] nasce e vive dentro de limitações e circunstân- cias que não escolheu [...]” como a família, o sexo, a cultura de origem, a carga genética. Desse modo, o bom, o justo, o correto surgem do diálogo entre os condicionamentos e a liberdade, entre o ser humano parte da natureza e o ser humano autônomo à natureza; isso porque o ser humano é um “ser-no-mundo” (BOFF, 2003a, p. 52). Merleau-Ponty (2011) também argumenta que o ser humano está no mundo, vive no mundo, logo, tem, ou deveria ter, uma relação muito próxima com os outros seres e com o ambiente.

Para Nascimento (2013), os modos de atuação do ser humano no mundo são basea- dos no cuidado. O autor salienta, ainda, que o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) utiliza-se do conceito de “cuidado” para expressar a totalidade estrutural do “ser-aí” enquanto “ser-no-mundo”. Boff (2005) também analisa o conceito de cuidado a partir de obra de Heide- gger (Ser e Tempo).

Segundo Boff (2012), um componente importante do cuidado é saber e aprender a con- viver com os paradoxos que permeiam a vida de cada um, pois ao mesmo tempo em que se têm impulsos bons, têm-se impulsos negativos. Para isso, faz-se necessário, na concepção de Boff (2003a), sentir o mundo, os outros e a si mesmo como um ser dentro do mundo, sendo parte

constituinte dele, com capacidade crítica para vê-lo, pensá-lo e moldá-lo, pois a maior razão da existência é estar com e não sobre as coisas, trata-se de con-viver com um todo sem diferencia- ções. Quando o ser humano for capaz desse sentir, certamente irá se tornar mais sensibilizado, crítico e irá cuidar melhor de si, do ambiente, dos outros, pois o “sentimento também é uma forma de conhecimento, mas de natureza diversa” (BOFF, 2003a, p. 81). O conhecimento pelo sentimento, para o autor, dá-se na identificação com a realidade, quando se sofre e se alegra participando do seu destino, porquanto é de extrema importância que o ser humano tenha um sentimento de pertencimento ao local onde vive. Esse sentimento de pertença, no entender do autor, e de parentesco entre os seres, é responsável pela união bem-sucedida da humanidade, já que “[...] todas as coisas têm a ver umas com as outras, em todos os pontos, em todos os mo- mentos” (BOFF, 2011, p. 14).

Essa união bem-sucedida da humanidade vem, ao longo dos últimos séculos, de certa maneira se perdendo, visto que se vive em um modelo de civilização que está provocando, de forma sistêmica, uma agressão ao planeta, que tem levado as pessoas a fecharem os olhos e ou- vidos à musicalidade dos seres e a se esquecerem da importância de coisas pequenas, como um céu estrelado (BOFF, 2011). Em virtude dessa agressão que o ser humano está cometendo, tem usufruído da Terra “[...] como um simples repositório de recursos entregues à disponibilidade humana. Tirou-se a palavra de todas as coisas para que só a palavra humana imperasse” (BOFF, 2011, p. 11). A palavra, de acordo com Merleau-Ponty (2011, p. 240), “não é desprovida de sen- tido [...]”, pois pela palavra, como entende Boff (2012), o homem é capaz de construir grandes obras ao mesmo tempo em que tem a capacidade de destruir grandes feitos, de criar sentido à vida, à existência, ou de matá-la, por isso suas palavras o definem. O autor argumenta que o ser humano deve visualizar a Terra como o grande sujeito da existência dos seres, e os seres como seus filhos. Tendo essa visão, ele passa a conceber a real importância que deve dar ao ambiente em que vive e aos demais seres e objetos que o cercam, porque “[...] a Terra é algo vivo e que ela nos infunde profundo respeito e veneração, como tudo aquilo que vive” (BOFF, 2011, p. 13).

Conforme Boff (2003b), o cuidado e a sustentabilidade são capazes de possibilitar, na sociedade globalizada na qual se vive, um desenvolvimento com condições de satisfazer as necessidades humanas e dos demais seres vivos, de modo que a natureza seja preservada. Para tanto, o homem precisa se dar conta de sua própria existência e necessita descobrir as parti- cularidades de cada ser humano, já que cada um se caracteriza também por ser uma fonte de mensagem ao outro, em virtude de ser um ser cultural (BOFF, 2011).

O ser humano é o único no planeta portador de uma dimensão ética; para Boff (2011, p. 17), “[...] dimensão em que o ser humano se torna responsável, coloca sob seu cuidado os ou- tros seres”. Assim, ao ter essa responsabilidade, o indivíduo tem escolhas que podem refletir de maneira positiva sobre a humanidade e a vida em si, mas também podem gerar consequências danosas, em si mesmo e naqueles que o cercam. Por isso, Paulo Freire reitera a prática pedagó-

gica voltada para a transformação, e Boff (2011, p. 17) enfatiza que “[...] precisamos de um pro- cesso pedagógico que dê consciência ao ser humano de sua responsabilidade. E todo processo pedagógico deve culminar nessa conscientização que confere ao ser humano, homem e mulher, um alto significado universal”. A partir dessa conscientização, ou melhor, sensibilização, o ser humano irá desenvolver ou resgatar a importância do cuidado para transformar o ambiente em um local mais humanizado, amoroso e sensível. Boff (2011, p. 20) afirma que “[...] o processo pedagógico poderá favorecer que cada um de nós pense em nossa capacidade de mudar”.

Nesse contexto, a escola, através de suas práticas pedagógicas, é detentora de instru- mentos capazes de promover reflexões e ações que integrem a compreensão da percepção e a incorporação do cuidado como subsídios para a formação de indivíduos comprometidos com a sustentabilidade socioambiental. Assim, na perspectiva de Boff (2011, p. 18), o cuidado re- presenta “a capacidade do ser humano de colocar desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção nas coisas que faz. E com ele investe interesse, libido, carinho, ternura com as coisas, ele se carrega de ocupação, preocupação, inquietação, responsabilidade, com as coisas a que se ligou afetivamente”. O cuidado ainda pode ser definido, pelo mesmo autor (2003a), como sendo uma relação amorosa com a realidade na qual se vive, visando a assegurar a subsistência e dan- do espaço para o seu desenvolvimento. A partir do momento que a escola conseguir alcançar essas dimensões e inseri-las no processo formativo dos sujeitos, certamente estes serão mais “sensíveis” ao ambiente que os cerca e colocarão em prática o cuidado consigo mesmo, com o próximo e com o ambiente.

Por se viver em um ambiente repleto de diversidades, e o âmbito escolar não foge a essa regra, há a necessidade de se incorporar a percepção e o cuidado ao estudo e abordagem da dimensão ambiental nas escolas, fornecendo meios para se pensar e (re)pensar a educação de maneira diferente e integrada. Nesse sentido, Trajber e Sato (2010, p. 71) explicam que “hoje, o processo pedagógico requer uma reflexão ambiental para que a distância entre o pensar e o fazer também possa acolher o sentir no processo de criação”. O sentir, como já apontado por Boff (2011; 2003), é uma necessidade para a construção de escolas e de ambientes mais humaniza- dos. Essa construção também poderá contribuir para uma formação de cidadãos mais críticos e solidários com os demais e com o ambiente.

Trajber e Sato (2010) veem a escola como uma espiral de possibilidades e descobertas, uma vez que devem apresentar uma proposta de aprendizagem circular. A escola, visando à sustentabilidade socioambiental considera o território como o espaço de construção de identi- dades, onde há necessidade de um currículo cultural do sujeito, da comunidade na qual a escola encontra-se inserida e também da sociedade brasileira (TRAJBER; SATO, 2010).

Para o desenvolvimento de espaços sustentáveis, no olhar dos autores supracitados (2010), é necessário cuidado, integridade e diálogo. Esses três elementos, se articulados de maneira eficiente, são elementos-chave para o desenvolvimento de escolas sustentáveis. Além

disso, se aliados com a compreensão da percepção dos sujeitos/atores acerca do local onde estão inseridos, podem redirecionar as escolas para que as mesmas desenvolvam práticas peda- gógicas voltadas para a sustentabilidade socioambiental.

No documento Volume 2 (páginas 53-56)

Outline

Documentos relacionados