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A ATER no apoio à superação da dicotomia “campo – cidade”

presa às velhas práticas”

8. A ATER no apoio à superação da dicotomia “campo – cidade”

Lideranças da agricultura familiar que vivem nos municípios pequenos, têm reiterado de que uma questão estratégica para estimular a permanência das famílias no campo é a interiorização ou ruralização32 das políticas e serviços públicos, na lógica da inversão do processo

histórico construído em favor do urbano-industrial.

É forte a demanda pela população jovem dos municípios do interior para que sejam estimuladas mais intensamente atividades não agrícolas no campo. Há tempo é reivindicado que agroindústrias de pequeno porte, pequenas indústrias, investimentos em turismo rural e ecológico entre outras se instalem junto as comunidades rurais e não mais nas periferias urbanas (grifou-se).

Essa ação por si só possibilitaria a permanência de muitos jovens que não se identificam com a atividade agropecuária, mas que poderiam permanecer exercendo parte de seu trabalho naquele setor (SCHNEIDER, 1999, p.44).

32Ruralidade é um conceito de natureza territorial e não setorial; não pode ser

encarada como etapa do desenvolvimento social a ser vencida pelo avanço do progresso e da urbanização. Os mais importantes estudos europeus e norte- americanos convergem no sentido de definir o meio rural com base entre atributos básicos. O primeiro é a relação com a natureza: a ruralidade supõe, em última análise, o contato muito mais imediato dos habitantes locais com o meio natural do que nos centros urbanos. O segundo atributo característico do meio rural é a sua relativa dispersão populacional, em contraste com as imensas aglomerações metropolitanas (ABRAMOVAY, 2000).

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O deslocamento de alunos das cidades para o campo também é uma tentativa de desmistificar a percepção torta que a cidade tem sobre quem vive no campo. É uma forma de despertar nos jovens o amor pela terra, pelos recursos naturais, pelos costumes comunitários, e de outras formas de vida que geram respeito com a natureza e com a sociedade.

Essa relação entre a população do campo e da cidade ainda é muito forte nos municípios pequenos. Apesar de todos os fluxos de informações, guarda-se muita tradição própria e é possível afirmar que nem mesmo a monocultura, a verticalização e a produção em escala conseguiram destruir o sentimento das pessoas pela sua comunidade rural. O campo é um espaço harmonioso, acolhe as pessoas que de lá saíram um dia e permite uma vida em sintonia com a natureza. Mesmo com o êxodo rural intenso ocorrido nas décadas de 1970 e 1980 a população que ficou e saiu, guarda um sentimento de pertencimento e de comunitarismo muito forte.

Há autores, como Veiga (2010) que analisam cenários futuros com mais chances de dinamismo econômico e qualidade de vida em microrregiões moderadamente rurais do que em saturadas aglomerações urbanas. Oportunidades que poderão ser perdidas se não for desmanchado esse mito de que nem um quinto do Brasil é rural.

De acordo com Veiga (2010), ainda é pouca a percepção estratégica em descentralizar a indústria e os serviços para o interior. Isto, também, ocorre com as políticas públicas que, historicamente, foram sendo aplicadas observando apenas o aspecto distributivo compensatório, sem a visão estratégica do desenvolvimento a partir do campo.

A descentralização com participação aumenta a possibilidade de universalização das políticas públicas em especial de Extensão Rural que se torna reconhecida na medida em que avança para o interior do Brasil e chega aos locais mais distantes e empobrecidos do campo.

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Há uma abordagem hegemônica do desenvolvimento rural que se tornou tradição, aceito como verdadeiro e único nas últimas décadas e que se baseia na dicotomia campo-cidade. A concepção negativa e estigmatizante do meio rural e de sua população, associados ao atraso e ao isolamento, estão fadados ao desaparecimento diante da tendência crescente da urbanização.

Essa concepção urbano-industrial trata o rural como negócio e o reduz a funções meramente econômicas, arrancando-lhe histórias, tradições e costumes. Trata-se de uma visão deturpada e homogênea do rural, fruto da miopia técnica e de interesses socioeconômicos e políticos de reduzir o rural a um espaço de atividades agro-silvo-pastoris, tão somente.

Um dos desafios a serem enfrentados é de reconhecer e favorecer o potencial dos agricultores familiares e camponeses não somente pela sua capacidade de produção, mas, sobretudo, pela sua capacidade de fornecer outros modelos de organização social que favoreçam a solidariedade, a interação e a reciprocidade entre os indivíduos. Faz-se necessário considerar também sua importância em relação a outros modelos de organização da sociedade, conforme Wanderley (1999).

As transformações recentes do mundo rural e da relação rural- urbano têm desafiado estudiosos a construírem teorias e conceitos para explicar essa nova realidade. Por essa razão, diversas teorias surgiram, de forma que alguns estudiosos chegaram a decretar o fim do rural. Outros, porém, admitem o seu ―renascimento‖ ou então, em uma via integradora, optam por uma análise que considera a leitura regional mais eficiente que a dicotomia urbano-rural (ALENTEJANO, 2003).

Marques (2002) salienta que existiriam atualmente duas grandes abordagens sobre as definições de campo e cidade: a dicotômica e o continuum. Na abordagem dicotômica, o campo se opõe a cidade; já na

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abordagem do continuum a industrialização seria elemento que aproximaria o campo da realidade urbana.

Segundo Sorokin, Zimmerman e Galpin (1986) que se referem a abordagem dicotômica justificam essa concepção destacando algumas diferenças:

(1) diferenças ocupacionais ou principais atividades em que se concentra a população economicamente ativa; (2) diferenças ambientais, estando a área rural mais dependente da natureza; (3) diferenças no tamanho das populações; (4) diferenças na densidade populacional; (5) diferenças na homogeneidade e na heterogeneidade das populações; (6) diferenças na diferenciação, estratificação e complexidade social; (7) diferenças na mobilidade social e (8) diferenças na direção da migração (apud MARQUES, 2002, p.100).

Marques (2002, p.96) afirma ainda que devido à forte presença dos movimentos sociais no campo:

Tem tornado cada vez mais evidente a necessidade de se elaborar uma estratégia de desenvolvimento para o campo que priorize as oportunidades de desenvolvimento social e não se restrinja a uma perspectiva estritamente econômica e setorial.

A abordagem do continuum admitiria maior integração entre cidade e campo através de diferenças de intensidades e não de contraste. Não existiria uma distinção nítida, porém, também seria dual por apoiar-se na ideia da existência e pontos extremos de uma escala de gradação (MARQUES, 2002).

Ainda sobre a abordagem do continuum, Siqueira e Osório (2001), afirmam que o conceito deve ser utilizado com ponderação, pois esta concepção rural-urbano pode ser adequada para o campo em países desenvolvidos e em algumas regiões dos países subdesenvolvidos, contudo, não pode ser generalizada.

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Por mais que a leitura aponte para uma abordagem aproximada ao conceito do continuum, historicamente as cidades foram mais privilegiadas em relação às políticas e aos investimentos públicos. Houve quase sempre uma associação direta entre a indústria e a cidade. Isso fez com que a maior oferta de alternativas de emprego estivesse na cidade, obrigando na maioria das vezes os agricultores a saírem das suas comunidades em busca destas oportunidades poucas vezes oferecidas pelas atividades do campo que também, historicamente, foram menos rentáveis e mais penosas.

Nesse modelo, a dinamização da Economia Rural é fruto de investimentos na agropecuária convencional para exportação, de base monocultural e latifundiária. A economia agrícola empresarial é priorizada porque as corporações podem resolver os problemas de encadeamento das diversas etapas ou componente das cadeias produtivas. A política de desenvolvimento rural é exógena, concebida externamente, subordinando o local aos interesses nacionais e do capital globalizado. A participação da população e das institucionalidades locais nessas políticas, quando existe, ocorre de maneira subordinada ou direcionada para validar as propostas definidas previamente.

As políticas públicas, de recorte social, aparecem como uma compensação diante das externalidades inevitáveis do progresso econômico. Além disso, são setoriais e focalizadas a partir da oferta do Estado e não das demandas locais. A descentralização é resumida a uma alternativa de reforma administrativa do Estado, com a transferência de responsabilidades para outras esferas de governo, acompanhadas de práticas de fragmentação ou intervenção dispersa das esferas estatais, longe da proposta de planejar a partir das comunidades rurais, de suas organizações ou movimentos sociais. A descentralização do ―desenvolvimento”, e a desconcentração humana atual das cidades é uma

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modelo urbano industrial e na orientação educativa para a superação da dicotomia campo-cidade (2010).

O urbano industrial impõe conceitos ao homem recém-chegado e faz com que historia de gerações, sejam trocadas por valores mercadológicos onde tudo gira em torno do ter e tudo se transforma em mercadoria, inclusive a dignidade. A ruptura é muito aviltante. Enquanto no urbano a vida gira em função da hora máquina, no campo a jornada se orienta pelo caminho do sol, pelas fases da lua, pelas estações do ano. È muito diferente! O fetichismo pelo capital torna a vida do ser humano uma constante disputa na busca de vibrações fortes e pelo reconhecimento individual. O não perceber a coletividade tem levado os seres ao individualismo, ao imediatismo e a busca do ter para ser a qualquer custo. Esse comportamento tem afetado com brutalidade as famílias vindas do campo que em meio a sobrevivência e participação dessas ―modernidades‖ leva principalmente a juventude a uma omissão dos valores rurais.

É essa imposição de valores e de regras do modelo difusionista da Extensão Rural que está sendo questionado neste livro. A crítica ao poder de superioridade dado ao urbano em relação ao rural vale também para a relação, técnico-agricultor, pesquisador-técnico e todas as tentativas de subordinação. A proposta, defendida aqui, de construção do conhecimento do campo não quer repetir essa história. As experiências construídas e aqui relatadas são uma pequena demonstração de respeito pelos conhecimentos construídos, historicamente, pelas famílias participantes ativas do processo e, também, por profissionais e lideranças que deram suas contribuições em outros tempos.

É preciso considerar os municípios, as comunidades rurais e as famílias que vivem em rincões distantes dos centros e das cidades pólos. Por isso, é fundamental fortalecer as entidades não governamentais e

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movimentos sociais criando condições de animação e empoderamento33,

afim de que adquiram, cada vez mais, estrutura e força para continuarem a prestar sua contribuição na interiorização e capilaridade das políticas públicas.

Nesse sentido, há que se avançar na construção e/ou reconstrução de uma relação de confiança entre o Dater/MDA e estas organizações sociais, como existia no início da Pnater em 2003, quando havia uma coesão entre governo e sociedade e mais que isso, um comprometimento de ambos para uma política construída a muitas mãos. Infelizmente, no que se refere a esta relação é visível o distanciamento ocorrido ano após ano, culminando com o processo que deu origem a Lei nº 12.188/2010, feita e gestada a poucas mãos governamentais e, se repetindo agora, com o debate da Agência Nacional da ATER escrita e acordada, até então, por ―meia dúzia‖ de burocratas.

9. A ATER como articuladora de políticas públicas