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II – AS GRANDES TRANSFORMAÇÕES NO CAMPO

1. História da agricultura antiga

Na história da humanidade, a fase mais longa foram as chamadas, comunidades primitivas ou vida tribal. A sobrevivência se embasava na coleta, caça e pesca. Submetia-se totalmente às condições do ambiente, que, quando ficavam escassas, forçava a população à migração.

A forma de organização do trabalho dava-se naturalmente, podendo ser chamada de divisão natural do trabalho, determinada pela natureza. As atividades mais brutas e pesadas cabiam aos homens (a caça, a pesca, a guerra [...]). Às mulheres, crianças e velhos cabiam as atividades mais leves. Todos trabalhavam, não havia exploração da força do trabalho.

Foi uma longa fase de transformações crescentes, decorrentes de sua própria evolução, onde, aos poucos, o homem cria e aperfeiçoa instrumentos, armas, habitações e muda a sua forma de relação com a natureza, exercendo a agricultura e a domesticação de animais.

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Na idade da pedra lascada (período Paleolítico) predominavam a caça, a coleta e a pesca. No período neolítico (idade da pedra polida, 12.000 anos atrás), importante referência na evolução da humanidade, o homem já dispõe de instrumentos de pedra sofisticados. Neste período iniciam-se os cultivos e criações. Segundo Mazoyer e Roudart (2001), os humanos praticam cultivos e criações há, aproximadamente, 10.000 (dez mil) anos.

À medida que o homem amplia alguns cultivos e criações, passa a se tornar mais sedentário, ampliando as condições de sobrevivência, o que permite também o aumento populacional.

A caça e a coleta coexistem como atividades paralelas. A essa mistura de cultivo e coleta, denomina-se protoagricultura, e a caça com a criação de protocriações. Essa nova forma de sobrevivência proporciona uma reorganização na divisão do trabalho e uma grande transformação social e cultural (MAZOYER; ROUDART, 2010, p.103).

É na fase neolítica que se amplia a prática da derrubada de florestas e das queimadas.

O homem sustentava-se, basicamente, na aproximação das atividades agrícolas e das criações, nas rotações de culturas (principalmente, forrageiras e leguminosas) e na diversificação de culturas, facilitadas pelo aperfeiçoamento e descoberta de novos instrumentos e ferramentas. Tudo isso significou grandes aumentos na produção de alimentos.

Na Idade Média, destaca-se a introdução de tubérculos e de culturas forrageiras, levando à diminuição do pousio e à adoção de novos e mais complexos sistemas de rotação. Com o aumento dos pastos, foi possível o incremento da pecuária, que reverte para a agricultura, por sua vez, através da disponibilidade de adubo animal (MAZOYER; ROUDART, 2010, p.301).

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Ocorrem novas melhorias dos instrumentos agrícolas, seleção e tratamento das sementes, atrelamento animal, aração mais profunda, semeadura em sulcos, aumento e diversificação da produção leiteira e de animais de corte. Os carros de roda facilitaram o transporte.

O aumento da produção de alimentos contribuiu para o aumento populacional, especialmente na Europa. Isso levou à ocupação máxima, degradação da fertilidade e queda de produção, causando grande crise do sistema. A fome e a desnutrição levaram às epidemias e mortes, quando cidades e regiões inteiras foram devastadas. Também, as revoltas sociais e as guerras se multiplicaram. Na busca de soluções, surgiram novas rotações, e a introdução de diversas novas espécies de plantas forrageiras e alimentares, dentre elas as leguminosas e o milho vindo da América. Iniciaram-se algumas práticas de adubação verde. A prática do pousio deu lugar à rotação qualificada. Isso proporcionou ganhos de produção e produtividade. (MAZOYER; ROUDART, 2010, p.359).

Ampliaram-se o desenvolvimento urbano e industrial e, com a Revolução industrial, a agricultura sofreu novas e grandes mudanças com o desenvolvimento de equipamentos e posterior mecanização agrícola.

Mas foi o avanço do conhecimento na área da química e genética que proporcionou as maiores mudanças. Seguindo o caminho dos princípios da química moderna, formulados por Lavoisier, em meados do século XIX, surgiu o ―quimismo‖ a partir das teorias sobre o comportamento das substâncias minerais nos solos e nas plantas, formuladas pelo químico alemão Justus Von Liebig. O químico afirmava que a nutrição mineral das plantas se dá essencialmente pela absorção de substâncias químicas presentes no solo. Desprezava o papel da matéria orgânica, afirmando que a insolubilidade do húmus a tornava inútil.

Liebig acreditava que o aumento da produção agrícola seria proporcional à quantidade de substâncias químicas incorporadas ao solo. Defendia que a resposta das plantas dependia da quantidade mínima disponível de cada elemento químico necessário ao seu crescimento, e

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que a ausência ou presença em quantidade muito reduzida limitaria o crescimento vegetal. Essa teoria foi chamada de Lei do Mínimo. Liebig é considerado o pai da agricultura química, sendo um dos principais precursores da agroquímica.

As ideias de Liebig causaram grandes impactos na época por se oporem à ―Teoria Húmica‖, na qual, por milênios, se embasavam a produção e as teorias agronômicas. A Teoria Húmica sustentava que a nutrição vegetal se dá através das raízes, que absorvem do solo partículas infinitamente pequenas, constituídas, em grande parte, pelo mesmo material das plantas.

Embora tenham encontrado muitos opositores, como Louis Pasteur e suas descobertas no campo da microbiologia, as formulações de Liebig tornaram-se hegemônicas no desenvolvimento da ―agricultura moderna‖.

Grandes transformações já vinham ocorrendo na agricultura no século XVIII, mas a ―modernização‖ da agricultura é um processo que se instala efetivamente a partir do pós-guerra.

Durante as guerras mundiais, houve grandes investimentos tecnológicos e científicos no desenvolvimento de armas, máquinas e substâncias mortais a serem usados nos combates e nos campos de extermínio. Passadas as guerras, muito deste ―arsenal‖ e capacidade industrial de produção do mesmo passou a ser adaptado e reutilizado em campanhas de saúde pública e principalmente na agricultura. Entre os exemplos mais clássicos, estão os casos do DDT e do schradan, adaptados posteriormente como inseticidas agrícolas.

Esse modelo, chamado de ―Revolução Verde‖, um padrão agrícola químico, moto mecânico e genético, gestado nos EUA e Europa, transformado em ―pacote‖ vai, gradativamente, se espalhando e se instalando em todo o mundo, criando uma nova racionalidade produtiva. O grande ―chavão‖ deste modelo era ―acabar com a fome no mundo‖. Preconizava-se que, com a modernização tecnológica e com o

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consequente aumento da produtividade e da produção, haveria aumento da renda familiar e, portanto, desenvolvimento rural.

Outras conotações e perspectivas estão intrínsecas na «Revolução Verde», como o combate à «Revolução Vermelha», ou seja, as revoluções socialistas que ganhavam força com as crises do sistema.

É muito importante considerar que parte das formulações de Liebig está correta, embora lhe faltasse visão sistêmica. Mas estas formulações, quando na mão das grandes empresas de sementes, agrotóxicas e adubos solúveis do agronegócio e transformados em tecnologias são submetidos às suas perspectivas de lucros e dominação.