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presa às velhas práticas”

4. A NOVA ATER e o desenvolvimento local sustentável

Dentre os desafios emergentes que a Nova ATER terá que enfrentar, dois deles se evidenciam: o primeiro está relacionado à compreensão e assimilação de um novo conteúdo que contemple as demandas do paradigma da sustentabilidade em que se impõe a orientação tecnológica baseada nos princípios da Agroecologia e o segundo,que orienta sobre o jeito de desenvolver o primeiro, ou seja, o repensar do próprio extensionismo, da mudança entre o levar o

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conhecimento pronto ou promover a construção social do

conhecimento25.

Assim, essa proposta se desenvolverá num campo extremamente diverso e complexo onde persistem as formas de dominação do capital representado, agora, pelo agronegócio que mantém a hegemonia e supremacia ampla sobre a agricultura familiar e camponesa, e de acordo com Martins (2010):

[...] se mantém um pacto de dominação entre o capital e a propriedade fundiária que tem sustentado os regimes políticos no Brasil. Tudo leva a crer que a divisão social do trabalho devidamente constituída continuará constrangendo os Camponeses a produzirem alimentos básicos e baratos e a permanecerem como reserva de força de trabalho para as empresas capitalistas (MARTINS, 2010, p.2).

De olho nessa nova realidade, a Política pública de ATER terá que enfrentar mudanças evidentes. Entre estas mudanças uma delas está o novo público que demanda estes serviços. Afinal, com quem se vai trabalhar de agora em diante? Com os idosos do campo? Com os empreendedores? Com os jovens? Com as mulheres? Com os egressos da cidade? Com os estabilizados? Com os excluídos? Com os povos

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A denominação ―Construção Social do Conhecimento‖ pretende significar ações que a Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER não contemplam. A construção dos saberes vai muito além do ―levar‖, do ―difundir‖ e do próprio ―ensinar‖ que foram as orientações da Extensão Rural em sua trajetória histórica. Buscamos em Paulo Freire a afirmação da definição que queremos atribuir para essa nova proposição. Resgatamos algumas frases de Freire que balizam nossa elaboração. Assim: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, midiatizados pelo mundo”. “Não há saber mais ou saber menos: Há saberes diferentes”. “Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”. No entanto, apesar deste esforço certamente

aparecerão no texto alguns termos muito relacionados com o termo ATER ou Acompanhamento técnico e Social ou mesmo com Extensão Rural. O desafio a que estamos nos propondo é dar sentido diferente para ações, práticas e processos que são muito maiores do que o termo ATER representa. No entanto não é uma proposta acabada e certamente muito ainda vamos repetir termos de então.

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tradicionais? Quem serão os ―médios produtores‖ que foram incluídos como público da Anater? Quantos serão? Disputarão recursos e ATER com os agricultores familiares que era o público exclusivo da ATER desde 2003? Em fim, quem será o novo público e que demandas ou serviços vão exigir.

A história alterou, significativamente, esse público que se tornou mais eclético e espera de outras respostas dos profissionais e de suas entidades/instituições. O debate sobre a universalização destes serviços não é mais uma questão linear de divisão de recursos por um determinado número de famílias. Apoiar ―quatro‖ milhões de agricultores familiares e assentados da reforma agrária, indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais no acesso a políticas públicas de inclusão produtiva e social é tarefa extremamente complexa e grandiosa.

As mudanças macroeconômicas e a intervenção do Estado brasileiro contribuíram para provocar alterações na produção e na estrutura produtiva do setor agropecuário. Houve, no período compreendido entre 1996 e 2006, de acordo com os censos agropecuários: a) um aumento da produção pecuária em praticamente todos os produtos; b) um aumento superior a 80% na área de lavouras e um deslocamento da área de pastagens para a região Norte do País; c) uma elevação das escalas de produção na pecuária, na atividade leiteira, por exemplo, superior a 60%; d) uma queda de, aproximadamente, 10% no número de ocupações agropecuárias, em virtude do aumento da produtividade do trabalho alcançada pelas novas técnicas de produção e a intensificação do uso de máquinas (IBGE, 2006). No entanto, apesar desse crescimento espetacular apontado pelo IBGE, quais foram as consequências socioambientais que resultaram desse crescimento?

Outro tema que deve ser analisado com cautela é em relação aos extratos do público do campo e principalmente da própria agricultura familiar em relação a sua participação na produção de alimentos. Estudo

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realizado por Alves e Rocha (2010) concluiu que a há uma concentração enorme em relação à produção de alimentos:

Verificou-se que 424 mil estabelecimentos (8,2% dos 5,2 milhões de estabelecimentos reportados pelo Censo Agropecuário de 2006) foram responsáveis por 85% da produção declarada. Cada estabelecimento desse estrato produziu por mês, em média, R$ 24.012,50, equivalentes a 80 salários mínimos. Desses, apenas 22.188 (5,23%) estabelecimentos produziram 51,34% do valor da produção. Em seguida, estão os 975.974 estabelecimentos da classe que vai de 7.200,00 a 36.000,00reais/ano,que correspondem a 18,9% do número total de estabelecimentos e geraram 11,1% do valor da produção declarada. Os estabelecimentos desse estrato geraram por mês, em média, R$ 1.360,38, ou seja, quatro e meio salários mínimos. Finalmente, seguem-se os estabelecimentos da classe que vai de 0 a 7.200,00 reais/ano, 3,8 milhões (72,96% do total de estabelecimentos) que geraram valor de produção correspondente a 4,04% do total, sendo R$ 128,13, em média, por estabelecimento/mês, ou 0,43 salário mínimo (valores de 2006) (ALVES; ROCHA, 2010, p.5).

Conforme descrevem Alves e Rocha (2010) há uma imensa concentração, não apenas de renda, a qual, para ser estabelecida, exigiria conhecimento da renda líquida. A concentração ocorre em relação aos meios de produção, aos recursos das políticas públicas que destina quatro vezes mais recursos para um número de agricultores que corresponde a menos de 25% do total evidenciado no último plano safra de 2013/201426

e, principalmente, a concentração da terra que cada dia se torna patrimônio de poucos.

Essa concentração é percebida facilmente quando se vai para o interior dos municípios. As terras estão sendo compradas a custos até

26 Recursos de custeio e investimentos agropecuários financiados pelo Governo

Federal para o campo Brasileiro em cada início de ano agrícola. No caso do plano 2013/2014 o valor, anunciado pela presidente da república no dia 05 de Junho de 2013, de 136 bilhões (cento e trinta e seis bilhões de reais), sendo destes; 97(noventa e sete) bilhões para o Agronegócio e 39 (trinta e nove) bilhões para a Agricultura familiar.

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cinco vezes mais caras do que a poucos anos atrás. A valorização da soja, segundo os ―granjeiros‖27 que estão comprando, é a principal motivação:

[...] se um lote no perímetro urbano que mede quinhentos metros quadrados (500m²) vale oitenta mil reais, por que não se pode pagar por alqueire, 2000 sacas de soja, o equivalente a cento e vinte mil reais (RP, 22 anos, Comunidade do Km 5 - Coronel Vivida, PR).

Assim, conforme o agricultor RP, o mesmo alqueire que era vendido, em 2005, por 400 (quatrocentas) sacas de soja, em 2013 era vendido por, até 2500(duas mil e quinhentas) sacas da mesma cultura que subiu de R$ 40,00 para R$ 60,00, no mesmo período.

Por conta dessa concentração exacerbada, apontada por Rocha (2010), um dos desafios contemporâneos mais preocupantes está relacionado à reprodução da Agricultura Familiar. As comunidades rurais sofrem um esvaziamento preocupante.

É intensa a saída das famílias, principalmente dos jovens, para as sedes dos próprios municípios ou para municípios de outros estados. Vão à busca de ofertas de novas oportunidades na indústria e serviços urbanos que ainda oferecem melhor remuneração, mais valorização e menos penosidade.

Evidentemente, para estimular as pessoas a permanecerem ou até voltarem a ocupar este espaço geográfico e social, faz-se necessário outro ―olhar‖ para o campo. Embora o desafio seja, também, para outras políticas públicas, a proposta de construção do conhecimento tecnológico e social terá que se adequar a estas realidades numa função que vai muito além do produtivo.

27 Autodenominação de agricultores da Região Sudoeste do Paraná que não se

enxergam como fazendeiros, mas rejeitam a ideia de serem Agricultores Familiares. Estão num estágio de produtor médio e basicamente tem como atividade principal a produção de grãos.

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Será necessária uma forte relação com os movimentos sociais, com os poderes instituídos na busca de soluções sociais, institucionais, ambientais e econômicos que envolvam as famílias do campo. No estudo feito por Rocha (2010), menos de 10 % dos estabelecimentos produziam mais de 80% da produção brasileira. Enquanto 90% de estabelecimentos rurais produzem menos de 5% da produção total brasileira. Estes dados por si só representam uma enorme tarefa para o governo e para a Extensão Rural, no sentido primeiro de compreender onde estão os motivos para tanta diferença e segundo contribuir na construção de políticas que garantam mais equidade no campo. A Extensão não basta, apenas, produzir respostas tecnológicas. É preciso exercer um papel de agente político.

Muitas propostas vêm sendo construídas nas conferências, seminários e encontros realizados pelas diferentes esferas federativas e pelas organizações e movimentos sociais do campo no sentido de buscar saídas a essas situações vividas pela agricultura familiar e camponesa em função desse esgotamento do modelo acima referenciado.

A permanência desta categoria no campo não passa mais pela ideia de tê-los simplesmente como ―puros agricultores‖ (SCHNEIDER, 1999). A pluriatividade se caracteriza como alternativa importante na diversificação e incremento da renda, na recuperação de uma característica histórica que combina a cultura da terra com o cuidado dos animais e outras atividades como a confecção caseira de utensílios, de ferramentas, produção de pães, de cestos de vime e outras que poderão fazer parte de sua economia e sociabilidade.

A permanência ou a volta das famílias do campo exigem muito além da possibilidade de atuar em dois ou três locais para aumentar a renda familiar. As demandas são muito maiores para construir igualdade de condições entre campo e cidade e convencer as pessoas a morarem e criarem seus filhos aqui ou ali.

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Seguindo a ideia dos autores anteriormente citados, a construção desse outro desenvolvimento orientado pelo paradigma da sustentabilidade, exigirá do poder público apoio efetivo a vários temas estruturantes para o campo brasileiro.

5. A ATER e a construção de estilos sustentáveis de