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Valdemar Arl

5. A efervescência organizacional da década de 1980: principais eixos de luta

5.4 Algumas conquistas contemporâneas do campo

a) No campo, destaca-se a luta pela reforma agrária com muitas ocupações de terra e assentamentos, com grande adesão e aprovação da sociedade em geral. A aprovação do artigo 186 da Constituição, que trata da função social da propriedade rural (função social da terra), foi passo importante na luta pela reforma agrária no Brasil.

b) Foram, também, importantes as mobilizações e posturas progressistas da Federação das Associações dos Engenheiros agrônomos do Brasil e da Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB) que contribuíram na aprovação da lei dos agrotóxicos em 1989, tornando mais rigorosos os registros destes produtos. Essas mobilizações marcam avanços, inclusive, na obrigação do uso da caveira nos rótulos dos defensivos agrícolas (assim denominados pelas empresas) que passaram, a partir daquele momento, a ser chamados de agrotóxicos. Tiveram, ainda, papel central nas discussões e atividades em torno da, então chamada, ―agricultura alternativa‖ e hoje, Agroecologia.

c) A conquista da Política Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF), embora desproporcional em relação ao total de investimentos no campo, é parte do reconhecimento da agricultura familiar e suas particularidades.

d) A lei da agricultura familiar, Lei nº 11.326/2006, que estabelece os conceitos, princípios e instrumentos destinados à formulação das políticas públicas direcionadas à Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Com essa lei, a agricultura familiar passa a ser reconhecida e ganha mais visibilidade. A importância disso expressa-se, principalmente, no reconhecimento da diversidade existente no campo que estava sendo homogeneizada pela lógica do agronegócio. São beneficiários desta Lei: agricultores familiares, silvicultores, extrativistas e pescadores.

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e) O marco legal da agricultura orgânica no Brasil, que regulamenta a produção orgânica tornou-se, inclusive, referência no mundo, especialmente, no reconhecimento do controle social através dos sistemas participativos de garantia.

f) A criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional através da Lei federal nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Esta lei determina o direito do acesso alimentar e nutricional em quantidade, qualidade e diversidade alimentar. Aspectos estes que reforçam a importância da agricultura familiar/camponesa e a produção agroecológica.

A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (Lei federal nº 11.346, art. 3º).

A política nacional de segurança alimentar e nutricional tem possibilitado bons debates relacionados à produção, qualidade, disponibilidade e acesso aos alimentos.

g) Criou-se o programa de alimentação escolar que, em 2009, virou política pública permanente através da Lei nº 11.947. Além de estabelecer importantes aspectos quanto à qualidade nutricional.

I - o emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica; (Item I - Art. 2º Diretrizes da alimentação escolar).

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O Programa Nacional de Alimentação Escolar, agora lei da alimentação escolar, traz avanços importantes no debate da alimentação, beneficia a agricultura familiar, prioriza a alimentação agroecológica e fortalece o desenvolvimento sustentável.

Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas (Art. 14. Lei nº 11.947/2009).

Seguindo o exemplo, no Paraná, institui-se no âmbito do sistema estadual de ensino fundamental e médio, a merenda escolar orgânica, sendo que:

Entende-se por merenda escolar orgânica a merenda escolar certificada, conforme legislação federal pertinente. ―Assim, entre outras especificações da legislação, os alimentos fornecidos na merenda escolar não poderão conter agrotóxicos em toda a cadeia produtiva de todos os seus itens e competentes.‖ (Art. 1º. Lei nº 16.751/2010).

São significativos avanços na direção dos circuitos curtos de comercialização, abastecimento local/regional, comercialização direta e estímulo à transição agroecológica, já que os produtos orgânicos têm prioridade e um acréscimo de 30% no preço. Neste caso a continuidade já não depende do governo, pois se trata de uma lei que se realiza através de política pública de forma continuada.

h) O Programa de Aquisição de Alimentos tem sido muito importante para uma parcela expressiva da população tanto da cidade como do campo, pois evidencia a importância do abastecimento local/regional, dos circuitos curtos e da comercialização direta. Tem como objetivo garantir o acesso aos alimentos em quantidade e regularidade

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necessárias às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional e promover a inclusão social no campo, por meio do fortalecimento da agricultura familiar. Apesar da sua importância, o PAA não foi transformado em lei ainda. É um programa de governo que pode ser extinto pelo próprio governo, a qualquer hora.

i) O Pnater é resultado de uma interação importante entre governo e sociedade e traz entre os principais avanços: assegurar com exclusividade aos agricultores familiares, assentados por programas de reforma agrária, extrativistas, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e aquicultores, povos da floresta, seringueiros, e outros públicos definidos como beneficiários dos programas do MDA/SAF, o acesso ao serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural pública, gratuita, de qualidade e em quantidade suficiente, visando o fortalecimento da agricultura familiar.

Apesar dos avanços, ainda é grande a distância entre a proposta e a prática. Primeiro, por não chegar de fato e de forma satisfatória junto às famílias e, segundo, por ser basicamente realizada por instituições viciadas nas velhas lógicas da ―extensão rural‖. Esta proposta será mais adiante.

Apesar da sensação de imobilismo é preciso resgatar os avanços metodológicos e de conteúdo no conjunto da sociedade e atores sociais, sendo:

Grandes conquistas e avanços sociais na nova constituição (1988);

Retomada das eleições diretas no Brasil em 1989;

Eleições de governos populares (Partido dos Trabalhadores e outros partidos de centro-esquerda e de esquerda) que incorporaram propostas das organizações sociais;

Muitos educadores e lideranças populares passaram a atuar dentro de governos populares, exercendo, em grande medida,

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conteúdos e metodologias populares. Paulo Freire foi secretário de Educação na Gestão de Luíza Erundina na Prefeitura de São Paulo, em 1989;

Instituições de ensino e pesquisa passam a incorporar, mesmo que parcialmente, conteúdos como a Agroecologia;

Adoção do orçamento participativo em algumas gestões públicas; Abrem-se espaços, mesmo que pequenos, em diversos Ministérios para temas e propostas como a Agroecologia, educação do campo, segurança alimentar;

A ideia da participação e das metodologias participativas se espalhou em diversos espaços públicos e privados;

Criação de diversos Conselhos Populares, Câmaras Técnicas, Câmaras Setoriais e Comissões em diversos níveis da gestão pública.

6. O crescente imobilismo social e a diminuição da