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Os entraves na aplicação dos recursos públicos de ATER

presa às velhas práticas”

3. Reflexões críticas sobre a NOVA ATER

3.1 Os entraves na aplicação dos recursos públicos de ATER

A partir do início do segundo mandato do governo Lula (2007 a 2010), as exigências para o uso dos recursos públicos tornaram-se, extremamente, complexas. O sistema de convênios ao não permitir o pagamento de profissionais permanentes das entidades não governamentais, nem despesas de investimentos e infraestrutura, limitando-se a cobrir os custos operacionais, dificultou enormemente a

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execução das ações e obrigou as entidades não governamentais, principalmente, a buscar recursos complementares em outras organizações, também, já fragilizadas. Muitas destas organizações tentaram apoio junto aos municípios, mas na grande maioria não encontraram amparo (Von der WEID, 2011).

Da mesma que o governo federal, os estados e municípios também ficaram longe dos compromissos da Pnater que pretendia envolvê-los inclusive com orientações para instituição de Planos estaduais e municipais de ATER e constituição de fundos específicos para essa política pública. Dez anos depois, poucos Estados (em torno de 10%) tinham constituído leis estaduais de ATER e, apenas, alguns municípios constituíram planos municipais com base nas orientações da Pnater (CEDRAF, 2012).

Em relação aos recursos, pode-se afirmar que os recursos não são problema para as instituições oficiais de ATER. A garantia de salários, infraestrutura, investimento e a cobertura da maioria dos custos básicos subsidiados pelo orçamento estatal, lhes dão tranquilidade de trabalho e possibilidade de estruturação interna das empresas, diferentemente das entidades de prestação de serviços públicos de ATER não governamental (MANIFESTO CONSELHO GESTOR TERRITÓRIO SUDOESTE DO PARANÁ, 2012).

As exigências baseadas na Lei Nº 8.666 que impediam de que custos de administração fossem cobertos pelos convênios, obrigando as entidades a bancarem com estas despesas, significou desembolsar recursos próprios para executar tais serviços. O resultado dessa medida provocou uma imensa crise das entidades não governamentais de ATER impondo, sobremaneira, ações de voluntariado. Mas, até mesmo, o voluntariado tem limite e o resultado dessa dificuldade causou a perda de quadros valiosos que foram buscar a sobrevivência em outras áreas.

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Outra consequência dessa burocracia e da falta de regulamentação do terceiro setor22, que se arrasta a mais de uma década,

foi o encolhimento de ações e serviços prestados e enorme fragilização de entidades, algumas tendo que paralisar as atividades. No final do segundo governo Lula (2007 a 2010), a participação das ONG nos convênios de ATER encolheu, enormemente, se comparada à situação existente no início deste mesmo governo. Além disso, a maioria das ONG do Paraná, por exemplo, tiveram complicações com o Tribunal de Contas da União (DEPOIMENTOS COLHIDOS NA CONFERÊNCIA NACIONAL DE ATER, 2012).

Este comportamento do TCU com as organizações da sociedade civil submeteu a constrangimentos e muita indignação as organizações sociais. A forma deste tribunal em uma situação, completamente, desconhecida para seus técnicos é merecedora de no mínimo questionamentos. Os técnicos do tribunal vinham para as organizações diferentes do roteiro previamente estabelecido para suas ações e tomavam suas decisões sem ter dialogado com as entidades questionadas. Muitos técnicos que fizeram vistorias nos projetos financiados demonstravam desconhecimento dos processos e das relações entre as diferentes organizações da agricultura familiar. Não entendiam, por exemplo, que a lei das Cooperativas (Lei nº 5.764) permite um técnico associar se a duas cooperativas singulares. Que um agricultor pode associar-se a mais que duas cooperativas, mais no Sindicato e a uma associação comunitária. Além de demonstrarem não entender essa realidade, alguns técnicos do TCU que vistoriaram entidades financiadas agiram de má fé ou ignorância ao escreveram em seus relatórios muitas inverdades, muitas delas revistas pelo próprio TCU como infundadas. No entanto ficam para as organizações

22 Terceiro Setor é um termo usado para fazer referência ao conjunto de

sociedades privadas ou associações que atuam no país sem finalidade lucrativa. O terceiro setor atua exclusivamente na execução de atividades de utilidade pública. Possuem gerenciamento próprio, sem interferências externas. Entre as organizações que fazem parte do Terceiro Setor, podemos citar principalmente as ONG (Organizações Não Governamentais) e OCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público).

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custos jurídicos e constrangimentos que levam anos para serem recuperados e superados (FÓRUM DAS ENTIDADES DA AGRICULTURA FAMILIAR DO SUDOESTE DO PARANÁ, 2011).

Um dos problemas destas ações legais enfrentadas pelas entidades da Agricultura familiar que tiveram projetos financiados pelo estado esta relacionado a defasagem jurídica do marco legal brasileiro que tem claro a relação ―estado e sociedade‘ na celebração de convênios e no repasse de recursos. Por conta dessa indefinição o próprio Dater/MDA e a Caixa Econômica Federal como órgãos públicos responsáveis pelos repasses se reservam em opinar em relação à forma de execução de um determinado convênio, sem escrever as orientações. Muito técnicos do governo tem sido sistematicamente questionados pelos órgãos fiscalizadores e adotam posturas de cautela em relação à legislação e ao próprio Tribunal de Contas da União (TCU). Entre o que o TCU admitia e a dúvida das entidades, vários técnicos do MDA responsáveis por estes convênios preferiram adotar uma postura de resguardo próprio, gerando uma quase paralisia nos projetos de ATER conveniados no período entre 2007 a 2010 (DEPOIMENTOS COLHIDOS NA CONFERÊNCIA NACIONAL DE ATER, 2012).

Se para as ONG já era difícil operar uma modalidade nova, se tornava muito mais complexo e desgastante sem orientações do próprio ministério responsável pela gestão dessa política. Além isso, a relação entre o MDA e a Caixa Econômica Federal que repassava os recursos dos convênios para as entidades transparência falta de entrosamento entre ambos que pareciam não se não se reconhecer como componentes de um mesmo governo. Por isso, uma das razões principais da elaboração da Lei de ATER (12.188/2010) foi a necessidade de superar as amarras legais dos convênios e desburocratizar a gestão para permitir que os recursos para essa política fossem aplicados com maior facilidade, sem perder a transparência dos mesmos (DEPOIMENTOS CONSTADOS NA CONFERÊNCIA NACIONAL DE ATER, 2012).

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Entretanto a lei de ATER criou obstáculos quase intransponíveis. O primeiro foi o não adiantamento de parte dos recursos dos contratos. Sem este adiantamento, as entidades da sociedade civil não dispõem de recursos para iniciar as atividades. Este tipo de critério, exigido pela modalidade de contrato, acaba por constituir-se em uma grande armadilha, como destaca Caporal:

[...] no caso das entidades de Ater estatais (governamentais), os salários são pagos pelos cofres públicos dos respectivos estados ou pelos orçamentos das empresas, institutos e outros arranjos institucionais de governos, o que dá no mesmo, pois são recursos públicos. Se no pagamento feito pelo MDA está incluído um valor salário, a pergunta, se isto ocorrer, é: não estariam as entidades do governo recebendo duplamente recursos públicos para uma mesma finalidade, para um mesmo tipo de despesa? Ainda que sejam recursos federais e recursos de orçamentos estaduais, se os técnicos recebem pela ―folha do estado‖, não estaria havendo duplicidade de disponibilização de recursos?‖(CAPORAL, 2012, p.29- 30).

Nas ―organizações não governamentais‖23 não há estas fontes

alternativas e a participação no processo obriga estas a emprestar dinheiro em outros projetos ou fazer empréstimos com juros de mercado, não cobertos pelas chamadas de ATER. Outra dificuldade é a exigência do Incra que vincula a liberação da ―ordem de serviço‖ mediante adiantamento de 5% do total do valor do projeto. Essa exigência tem se efetivado, mesmo que na cláusula contratual feita entre o Incra e as entidades vencedoras permita a este exigir adiantamento de até 5% como garantia. Entretanto a Instituição tem adotado como regra cobrar a garantia no

23Organizações são definidas como um tipo especial de instituição, [um dispositivo

coletivo] com aspectos adicionais [...], que envolvem (a) critérios para estabelecer seus limites e para distinguir seus membros dos não membros, (b) princípios de soberania em relação a quem possui certas atribuições, e (c) cadeias de comando delineando responsabilidades para com a organização. Nesse caso as organizações não são parte do governo (HODGSON, 2007, p.96).

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máximo permitida pela cláusula. Essa exigência contraria o próprio MDA que nas suas chamadas específicas não exige essa garantia.

Não há justificativa para essa garantia. O pagamento às organizações é feito após a realização dos serviços, comprovados pelos atestes e conferidos pelos seus técnicos. Assim, não tem como o Governo perder recursos. Eles não são pagos antes de ser comprovada a sua aplicação. Estes recursos exigidos em garantia pelos editais das chamadas públicas de ATER têm obrigado as entidades a buscarem estes recursos de garantia fora a juro de mercado que não são ressarcidos à organização. Esse comportamento jurídico, embora legal previsto em contrato, tem penalizado muito as organizações não governamentais (CENATER PARANÁ, 2013).

Por conta destes ajustes, muitas vezes, os técnicos são penalizados, já que, em geral, estes só começam a receber após a prestação de contas das primeiras atividades. E estas só entram nas contas após dois a três meses de trabalho. Assim, também, para manter despesas com credores e garantir o mínimo aos profissionais também a entidade precisa buscar empréstimos a juros de mercado, também não ressarcidos. Segundo o raciocínio de Caporal (2011), por conta dessa diferença entre as prestadoras de serviços do Estado que acessam as chamadas públicas, concorrendo com entidades não governamentais, estaria sendo criada uma discriminação dos profissionais e das entidades da sociedade civil em relação às instituições oficiais e seus respectivos profissionais.

Mesmo que as entidades consigam realizar muito rapidamente as primeiras atividades, geralmente condicionado a um enorme número de diagnósticos individuais, estas só serão ressarcidas quando todos forem realizados. Além disso, há, ainda, demora governamental sob a alegação de pequena quantidade de técnicos em aprovar os relatórios e liberar os recursos. Essa demora tem causado permanente tensão interna entre as entidades proponentes e os seus profissionais da ponta.

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Esse atraso na liberação dos recursos, principalmente da primeira parcela, tem causado prejuízos imediatos às organizações não governamentais. Esse atraso tem sido maior do que se previa e, por conta disso, muitos profissionais têm buscado outros trabalhos, abandonando as atividades geralmente logo após o processo de formação que as entidades realizam na fase inicial. A substituição intensa de profissionais cria uma necessidade de reconstruir todo um novo processo de formação tal o que já fora feito na fase inicial do projeto, acarretando novos custos também não cobertos pela chamada. A entrada de profissionais no meio da execução demanda novos contatos, novas articulações e justificativas com as famílias e suas organizações locais. É um novo processo, por que exige tudo outra vez: adaptação, identificação com seu local de trabalho, com as famílias, a comunidade, o município, acarretando em mais tempo não só em relação ao projeto, mas também em relação à formação e integração da equipe de ATER.

Outro problema provocado pelo atraso dos pagamentos é o fato de que, geralmente, as entidades operam com pouco pessoal porque os projetos têm sido escassos. Essa dificuldade enfrentada pelas organizações tem tornado difícil manter um profissional com boa formação e experiência por muito tempo. Essa é uma das razões para que se tenham projetos mais longos, afim de que se possa dar tranquilidade na construção de processos de capacitação contínuos e que se consiga mais fidelidade em relação a cada profissional.

Outro empecilho burocrático criado pela Lei nº 12.188/2010 foi a imposição de que o beneficiário dos projetos de ATER tenha que ter Declaração de Aptidão (DAP) que identifica se o beneficiário é agricultor ou agricultora familiar. Esta exigência, além de discriminar os mais empobrecidos que em muitos casos não tem DAP, por falta de oportunidade e necessidade, não dá tempo de terem a declaração até a escolha das famílias trabalhadas no município por isso acabam sendo excluídos (CONSELHO GESTOR DO TERRITÓRIO VALE DA RIBEIRA,

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2013). Assim, a proposta que deveria apoiar justamente os setores mais desfavorecidos acaba criando obstáculos e mais trabalho para as entidades a fim de providenciar o aceso as DAPs. Como a atividade não é remunerada pelo projeto, os técnicos ficam dependendo da boa vontade de outros atores, principalmente de Sindicatos que muitas vezes não tem condições nem recursos, para fazerem esta declaração de forma imediata, até porque, grande parte destas famílias nem se quer são associadas ao mesmo.