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O crescente imobilismo social e a diminuição da capacidade organizacional

Valdemar Arl

6. O crescente imobilismo social e a diminuição da capacidade organizacional

No Brasil, o capitalismo, na sua fase neoliberal desmantelou as organizações da classe trabalhadora da cidade e engessou as do campo. É claramente visível o enfraquecimento organizacional e a crescente imobilidade social a partir da década de 1990. Crise esta que se arrasta até hoje sem que se vislumbre mudanças de cenário num curto espaço de tempo. O avanço avassalador do capitalismo criou a ideia de ser o único caminho, ou a visão fatalista da história, e tem influência significativa na diminuição da crença e esperança de que outro mundo é possível

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A queda do muro de Berlim, a queda da União Soviética e do socialismo real sustentado no Estado, enfraqueceu a ideia da alternativa ao capitalismo.

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Enfraqueceu a perspectiva do modelo clássico de movimentos sociais de massa amplos e ávidos por mudança social e pelo estabelecimento da Revolução. Muitos lutadores, acadêmicos e pensadores, passaram a se dedicar a temas mais neutros, deixaram de pregar o socialismo.

Na década de 1980, com a globalização e, na década de 1990, ganham força a proposta neoliberal do Estado mínimo, a expansão econômica e a ampliação dos poderes do mercado, que resultou na flexibilização das leis sociais e desregulamentação das legislações trabalhistas. A ampliação do desemprego, resultante do avanço tecnológico e a diminuição das garantias, fragilizaram os movimentos dos trabalhadores e, inclusive, a individualização das oportunidades e do acesso ao desenvolvimento técnico e científico, acentuou a competição entre os trabalhadores. O avanço da tecnologia da informação e o aumento na velocidade das mudanças tecnológicas, também, foram e são condições de forte influência sobre as pessoas e sobre os movimentos sociais.

Diante disso, novas condições se estabelecem e novos fenômenos sociais estão surgindo. Segundo Gohn (2007) evidenciam-se novas dimensões da mobilização dos atores sociais e surgem novas formas de luta articuladas em torno de elementos culturais, da solidariedade, das lutas sociais cotidianas e de processos de identidades gerados, etc.

Os movimentos sociais atuais e a interpretação sobre os mesmos vão ganhando novos contornos, R, requerem, segundo Gohn (2007), especialmente na América Latina, de novas sistematizações/interpretações.

No caso do Brasil, além dos aspectos mais globais, há causas resultantes de fatores conjunturais mais específicos, que acreditamos influenciar a capacidade de mobilização, organização e luta dos movimentos sociais, não havendo talvez uma causa principal, sendo difícil medir o peso da influência de cada fator.

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Fatores mais específicos que, de forma mais ou menos intensa, contribuíram para o imobilismo social no Brasil:

a) Durante a Ditadura Militar, as atenções se voltavam para o Estado e para o restabelecimento da democracia. O inimigo era visto no governo. Com o fim da Ditadura e a participação representativa nos governos, o inimigo tornou-se invisível. Alguns poucos movimentos não perderam a dimensão estratégica e continuaram percebendo o inimigo, principalmente, nas grandes corporações. Assim, segundo Gohn (1997), os movimentos sociais já não objetivam tomar o poder do Estado, mas garantir direitos sociais;

b) A década de 1990, em todo o país, foi um período de grande violência contra os Movimentos Sociais, com mortes, prisões, e massacres, alguns de repercussão internacional, como foi o caso de Eldorado de Carajás e outros;

c) Recuo na contribuição progressista da igreja, fragilização das pastorais sociais e a sistemática perseguição à teologia da libertação;

d) Os Movimentos Sociais passaram a priorizar pautas próprias e se ―voltaram para dentro‖. Não se visualiza mais eixos comuns e poucas atuações e lutas conjuntas se realizam;

e) Crescente individualização das pessoas e organizações;

f) Com o agravamento da crise, as lutas por direitos e transformações mais amplas, dão lugar às lutas pela sobrevivência e pela garantia do emprego;

g) Ampliação do trabalho informal;

h) Com a eleição de governos populares, muitas lideranças passaram a ocupar espaços dentro dos governos, saindo da atuação junto aos movimentos. E, embora esses novos

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governos tenham surgido a partir da efervescência organizacional, estes não tiveram suficiente preocupação em fortalecer a base organizacional dos Movimentos Sociais e ONG progressistas5. A tentativa de aproximação via convênios

e contratos, tem gerado muitos problemas que em um cenário de disputas com os setores mais conservadores, vem ―criminalizando‖ as entidades e movimentos sociais;

i) A ampliação das parcerias entre o público e o privado, dado às influências neoliberais sobre o Governo, tem fragilizado a perspectiva transformadora mais radical da sociedade;

j) A diminuição da cooperação internacional levou muitas entidades e movimentos a buscar recursos junto às esferas governamentais. Recursos, normalmente engessados, reduzindo as organizações à condição de executoras de projetos e políticas públicas, fragilizando seu papel de militância, assessoria e formação, principalmente de formação política;

k) Diminuíram as iniciativas de formação de lideranças e pouco trabalho de base é realizado, sendo que algumas organizações perderam sua capacidade de mobilização e viraram figuras de representação, o que, popularmente, tem-se chamado de ―movimento dos capas pretas‖. Ou seja, lideranças e instituições sem povo. O ―poder‖ passa a ser dos liberados nas organizações e até mesmo do partido. Isso tem gerado uma certa crise institucional e enfraquecimento das formas tradicionais de organização representativa verticalizada;

l) Excesso de ativismo, análises insuficientes do contexto atual e falta de teorização dentro das próprias organizações populares

5São chamadas de progressistas as organizações que se posicionam contra o

capitalismo e assumem a perceptiva da transformação social, articuladas com os Movimentos Sociais.

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e, consequentemente, poucas revisões/ajustes nas estratégias e metodologias;

m) Ampliação de políticas sociais, como bolsa família e outras conquistas através de programas habitacionais, durante os governos democráticos populares de Lula e Dilma, aliadas às novas oportunidades de trabalho e pequenas melhorias na renda diminuem a insatisfação de parcela expressiva da população brasileira;

n) Há uma grande dificuldade para encontrar eixos temáticos comuns de aglutinação regional e/ou nacional;

o) Ganha força a ideia de que o capitalismo é o único caminho possível, e perde visibilidade o movimento de um outro mundo possível;

p) Diante do poder das grandes corporações e das condições estruturais e conjunturais estabelecidas, as pessoas têm a sensação de que não têm controle ou condições de influir no trabalho, na produção e no dia a dia de suas vidas. O inimigo tornou-se invisível (―despersonificado‖), antes parecia estar no governo e agora já não aparece para a grande maioria da população, ao que popularmente se chama de ―mãos invisíveis do neoliberalismo‖. O que é o sistema? Quem é o opressor? O que é o capital? Onde está?;

q) E, por último, evidencia-se uma grande dificuldade de posicionamento diante da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e agora Dilma Russef, que se identificam como centro-esquerda e propõem uma transformação lenta e processual, mas que, até o momento, tem proporcionado mudanças políticas mínimas, e fortalecido segmentos como o agronegócio, contra os quais lutam alguns Movimentos Sociais do Campo, a destacar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.

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Diante do enfraquecimento da luta institucionalmente organizada e a perda de visibilidade de possibilidades transformadoras mais efetivas observa a ampliação de iniciativas de resistência, mobilizações e ações coletivas articuladas de forma horizontal, envolvendo diferentes categorias, exercidas através de novas ferramentas ainda pouco percebidas e pouco entendidas quanto ao seu potencial transformador.