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Da luta social pela Pnater à “negociação” da Lei de ATER

presa às velhas práticas”

1. Da luta social pela Pnater à “negociação” da Lei de ATER

O período que vai da constituição da Pnater até a institucionalização da política, através da Lei de ATER em 2010, pode ser definido como um ciclo que, apesar de curto, é marcado por muita construção social, parcerias, elaborações, conceituações e relações pessoais e sociais dentro e fora do governo e que será lembrado por muitas décadas.

Nesse processo de construção de propostas, mesmo que pouco articulado à Pnater, se constituiu o Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES) à Reforma Agrária, criado pelo Instituto Nacional da Reforma Agrária (INCRA), com o objetivo de promover alternativas de prestação de serviços de Extensão Rural para agricultores assentados da reforma agrária e suceder, institucionalmente, o Projeto Lumiar.

Mesmo com vida curta teve o mérito de abrir o espaço para experimentar um modelo descentralizado de co- gestão e um novo formato de articulação com organizações sociais. Sua fragilidade foi decorrente da precária internalização no cotidiano do INCRA, somado com uma carência de metodologia de intervenção e ausência de dotação específica para viagens. Além destes fatores os técnicos, tinham baixa remuneração, o que levava o projeto a falta de continuidade de determinadas ações (SCHMITZ, 2010, p.167).

Segundo Schmitz (2010), o Programa de ATES foi criado em 2003 e 2004 pela falta de capacidade operacional do Incra em acolher as demandas de Assistência Técnica dos assentados, pela insuficiente e inadequada estrutura de algumas Ematers estaduais, mas principalmente pela capacidade de mobilização do MST, que buscava Assistência Técnica

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com maior poder de decisão dos assentados e com ampliação do controle social.

O Programa demonstrou algumas fortalezas que merecem destaque, como a concepção do Programa que incorporava a questão socioambiental e a agroecologia, o uso de metodologias participativas, a efetiva participação de movimentos sociais na sua implementação e uma ampla articulação de parcerias em nível nacional (SCHMITZ, 2010, p. 168).

As iniciativas gestadas no Governo Lula conforme destaca Schmitz (2010), demonstram alinhamento com diversas iniciativas de caráter democrático e popular, porém seus reais impactos e capacidade de mudança ainda são imprecisos.

A observação empírica demonstra que a alteração da ―cabeça‖ não indica imediatamente a mudança do ―corpo‖. Existe a inércia do movimento e a resistência à mudança que, por vezes, as estruturas utilizam o princípio de que ―é preciso que tudo mude para que tudo se mantenha‖ (SCHMITZ, 2010, p.157).

Em março de 2006, através da portaria Ministerial nº 25 é criado o novo Sistema descentralizado de ATER – Sibrater estabelecendo as bases institucionais para a implementação da Pnater e as instâncias de gestão e execução da ATER pública no País. Fazem parte do Sibrater: (a) o Dater que é a instância responsável pela Coordenação da Pnater e do próprio Sibrater; (b) o comitê Nacional de ATER que é parte do Condraf e os conselhos estaduais de desenvolvimento e câmaras de ATER, como órgãos de representação paritária de organizações do governo e da sociedade civil; (c) as entidades de ATER, estatal e não estatal, que são as instâncias responsáveis pela prestação de serviços de ATER junto aos agricultores familiares e assentados da reforma Agrária (SCHMITZ, 2010).

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Ainda, no mesmo ano, julho de 2006, o Governo Federal sanciona a Lei nº 11.326, a qual consolida o conceito de Agricultura Familiar18,

considerando em sua diversidade, as populações indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas e assentados da reforma agrária, entre outros.

Esta Lei estabelece os conceitos, princípios e instrumentos destinados à formulação das políticas públicas direcionadas à Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Demarca de forma clara o conceito desta categoria de agricultor, o que permite posteriormente, por exemplo, o IBGE fazer um trabalho pioneiro de levantamento de dados censitários considerando a demarcação feita por lei, agregando dados deste segmento econômico brasileiro e revelando sua importância para o Brasil (BRASIL, 2010a).

Em junho de 2008, realiza-se o Seminário Nacional de ATER promovido pelo MDA, em conjunto com o Condraf e coordenado pelo Dater/SAF, com o objetivo de atualizar as diretrizes e mecanismos de implementação e consolidação da Pnater, visando à universalização do acesso aos serviços de ATER. É bom lembrar que para a realização deste Seminário nacional foram realizados Seminários Estaduais em todos os estados da Federação e no Distrito Federal. Alguns destes precedidos por debates em encontros Territoriais (MDA, 2008).

De todas as reações, a principal veio do congresso nacional principalmente através dos deputados e senadores vinculados ao agronegócio, que reagiram fortemente acusando o governo de estar ―passando dinheiro para as ONG sem critérios e com fim político

18Para os efeitos da Lei 11.326 de 2006, considera-se agricultor familiar e

empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II – utilize, predominantemente,mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III -tenha renda familiar, predominantemente, originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento e; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

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ideológico‖ (Discurso de Heráclito Fortes em sessão do Senado em 2008). Com estes argumentos, iniciam-se uma verdadeira ‖devassa‖ nos convênios, principalmente, aqueles efetivados com as organizações da sociedade civil. O Tribunal de Contas da União – TCU que tem como ministro um político indicado por um Partido, historicamente conservador, comanda a operação que, com mais ou menos intensidade, atua de forma implacável contra estas organizações.

A instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as ONG foi um dos marcos que torna visível a disputa ideológica pública a prepotência do Agronegócio, através da bancada ruralista. Coordenada pela CNA - Confederação Nacional da Agricultura, as forças conservadoras emitiam sinais de que a proposta original da Nova ATER e seus principais avanços, principalmente de concepção, seriam barrados.

Na tentativa de superar a disputa ideológica, publicamente deflagrada, e continuar dialogando e fazendo convênios com a sociedade civil como forma técnica, inclusive, de descentralizar o processo e capilarizar as ações de ATER junto às famílias mais empobrecidas e localizadas nos mais longínquos rincões do Brasil onde o estado entra pouco, a alternativa seria regulamentar a política através de lei.

Esse momento tornou tenso e controverso. Por um lado, as ONG e movimentos sociais querendo participar do debate e fazer avançar as propostas construídas e acordadas a partir da Pnater de 2003 e, por outro, técnicos do MDA/Dater acordando, no Congresso Nacional, uma lei que mantivesse os avanços e que garantisse a ‗tal transparência‘ cobrada pela bancada ruralista.

Foi nesse ―embaraço‖ que o MDA, após processo de debate com reduzida ou quase nula a participação da sociedade civil (CAPORAL,

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2010), acordou com o congresso a construção de uma Lei de ATER19.

Assim, em janeiro de 2010 foi sancionada a Lei nº 12.188, regulamentada em junho do mesmo ano pelo Decreto nº 7.215, que legalizava o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER) e passa a instituir:

[...] a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária - PNATER e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária - PRONATER, altera a Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências (BRASIL, 2010, p.1).

A nova lei abre um debate entre a sociedade civil, críticos do próprio governo e instituições oficiais argumentando de que havia grandes perdas em relação às conquistas já consolidadas. Por outro lado, setores do governo no comando do MDA justificam, argumentando de que a Lei, da forma como teria sido aprovada, era o máximo que se poderia negociar naquele momento. Outra argumentação defendida pelo MDA/Dater, em relação à promulgação da lei de ATER, teria sido o fato de ter legalizado uma proposta que, até então, vinha sendo implantada por decretos e que ainda era, apenas, uma política sem poder legal que podia ser destituída a qualquer momento.

Entretanto, a crítica maior feita pelos movimentos sociais baseava-se no fato de que os acordos com o congresso teriam sido feitos com pouca transparência e que, se perdia um momento histórico de

19 Em janeiro de 2010 é sancionada Lei de ATER (a Lei nº 12.188), regulamentada

em Junho do mesmo ano pelo decreto nº 7.215 que dispõe também sobre o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – Pronater. A lei é composta por 29 artigos, dividida em seis capítulos: Capítulo I – Da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a agricultura familiar e reforma agrária – Pnater; Capítulo II – Do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na agricultura familiar e na reforma agrária – Pronater; Capítulo III – Do credenciamento das entidades executoras; Capítulo IV – Da contratação das entidades executoras; Capítulo V – Do acompanhamento, controle, fiscalização e da avaliação dos resultados da execução do Pronater; Capítulo VI – Disposições finais.

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mobilizações da sociedade para consolidar avanços que já estavam se concretizando em vários espaços e frentes, como nas universidades onde se discutia a criação de cursos de Extensão Rural com foco na Agroecologia, estruturação de cursos para capacitação de milhares de profissionais e construção de projetos de pesquisa voltados a agricultura familiar e orientados para estilos de agricultura mais sustentáveis (CAPORAL, 2010).

Segundo Caporal (2010) a nova lei veio ―com muitos retrocessos‖. Estes serão apontados mais a frente.

Em abril de 2012, realiza-se a Primeira Conferência Nacional de ATER, conforme Resolução nº 86, de 04 de outubro de 2011. Para efeito de informação destacamos apenas o Art. 5º da I Cnater que teve como Tema Geral: ―ATER para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária e o Desenvolvimento Sustentável do Brasil Rural‖:

- § 1º Serão contemplados os seguintes eixos temáticos: 1. ATER para o Desenvolvimento Rural Sustentável;

2. ATER para a Diversidade da Agricultura Familiar e a Redução das Desigualdades;

3. ATER e as Políticas Públicas;

4. Gestão, Financiamento, Demanda e Oferta dos Serviços de ATER;

5. Metodologia de ATER – Abordagens de Extensão Rural - § 2º São transversais a estes eixos, os seguintes temas:

Economia solidária e comércio justo, cooperativismo, abordagem territorial, educação do campo e da floresta, pedagogia da alternância, renda, agroecologia, sistemas sustentáveis de produção, diversificação da produção, inovação tecnológica, soberania e segurança alimentar e nutricional, atividades rurais não agrícolas, gênero, geração, raça e etnia, participação e gestão (MDA/CONDRAF, 2011, p.3).

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Apesar dos entraves e das críticas, tanto as leis como a conferência de ATER resgatam o que resta da luta histórica dos movimentos sociais onde se busca atribuir um caráter educativo e libertador, superando a visão linear e unilateral de decisões centralizadas e autoritárias. Onde se busca recuperar a dimensão educacional emancipadora numa estratégia de diálogo e respeito com os agricultores, reconhecendo seus conhecimentos, adotando os princípios da Agroecologia.

Além desse caráter educativo, que mesmo teoricamente a Pnater trouxe para o debate, veremos a seguir alguns avanços dessa política pública.