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presa às velhas práticas”

3. Reflexões críticas sobre a NOVA ATER

3.2 A volta do modelo da “visita e treinamento”

O modo como as chamadas públicas para projetos passaram a ser constituídas a partir da Lei Nacional de ATER, trouxeram de volta o modelo de transferência de tecnologia ―visita e treinamento” adotado, lá atrás, durante o auge da Revolução Verde. Além de serem padronizadas, as atividades prescritas pelos seus mentores (na maioria, técnicos), estão muito mais para Assistência Técnica do que para Extensão Rural e longe do que se poderia considerar como proposta de construção social e participativa.

Outro aspecto que caracteriza esse reducionismo é o fato das chamadas terem priorizado, quase que exclusivamente, profissionais das ciências agrárias, em particular agrônomos, técnicos agrícolas e veterinários, reproduzindo o modelo da revolução verde focada no tecnicismo. Essa opção por profissionais da área Técnica das Ciências Agrárias descaracteriza, ainda mais, os princípios da Pnater, na sua fase inicial, que recomendava entre seus princípios a atuação multidisciplinar e interdisciplinar:

[...] Adotar uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar, estimulando a adoção de novos enfoques metodológicos participativos e de um paradigma

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tecnológico baseado nos princípios da Agroecologia (PNATER, 2004, p.7).

Ainda sobre as metodologias, um dos princípios instituídos pela Pnater, mas pouco considerado pelo MDA foi o processo de construção participativa. As demandas que estruturaram inicialmente as chamadas de ATER foram construídas junto aos territórios da cidadania por poucas entidades. De acordo com Diniz (2010) a técnica consistiu em preencher planilhas compostas por quatro colunas e uma lista de itens pré-definidos pela equipe do Dater.

Na realidade, a planilha trazia uma lista com 19 itens (ações de ATER pré-definidas) que, a priori, não apontava a nenhuma sequência lógica. Uma das colunas destinava se a descrever às ‗necessidades‘ demandadas no território (solicitava-se marcar um ‗x‘ à frente da ação). Na outra coluna ordenavam-se as ‗prioridades‘, numerando-as (iniciando pelo número ‗1‘, a ação de maior importância e, consequentemente, com o número ‗2‘ a de menor importância e assim sucessivamente). Finalmente, a última coluna era destinada às ‗observações‘, podendo-se colocar orientações importantes para ‗qualificação da demanda‘ (DINIZ, 2010, p.6).

Através destas informações foram sendo montadas as chamadas definindo, detalhadamente, quais e quantas atividades teriam que ser efetuadas pela entidade contratada, quanto tempo duraria cada atividade e quantos agricultores dela participariam. Como afirma Diniz (2010), essa metodologia adotada pelo Dater demonstra que as demandas foram estabelecidas longe da participação dos agricultores, de forma rápida (menos de um dia por território) e a poucas mãos.

Entretanto, como afirma Fonseca (1985), o fato de não priorizar a participação não está relacionado apenas à construção das demandas em si, ela reflete a forma historicamente concebida pela Extensão oficial de acreditar mais no conhecimento do Técnico do que do próprio agricultor.

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Outra questão de debate metodológico refere-se ao envolvimento dos grupos comunitários e das organizações locais da agricultura familiar e camponesa na definição do projeto como um todo e em especial do público. Afinal, as ações devem ser desenvolvidas apenas com algumas famílias daquela referida comunidade ou com todas as famílias que vivem ali? Como justificar a escolha desse agricultor e não do outro dentro de uma mesma comunidade? Quem vai ter que explicar essa escolha, o técnico ou a entidade que representa estes agricultores? Como definir as famílias dessa ou daquela comunidade sem pelo menos fazer um debate local?

A chamada não impede, mas, também, não permite que sejam aplicados recursos para as organizações da agricultura familiar e camponesa para contribuir no processo de articulação local. Nem as famílias, nem as comunidades ou os municípios são consultados e ouvidos para construir as demandas iniciais. Apenas alguns territórios da cidadania e de um jeito muito simplista participam do processo.

O fato de as chamadas serem construídas sem o envolvimento das entidades locais e sem um planejamento conjugado entre elas e destas com os espaços de governança municipal, estadual e federal, acaba por induzir a uma competição entre estas num mesmo local.

Há um interesse cada vez maior em acessar serviços de ATER para os seus associados ou cooperados, mas sem uma atuação mais coletiva e organizada, induz cada entidade a resolver do seu jeito. Assim, por exemplo, num mesmo município, duas chamadas, podem atuar numa mesma comunidade provocando o, chamado, sombreamento de grupos. Desperdício de recursos, e diminuindo a capacidade de universalização destes serviços. Ações organizadas em planos familiares, grupais, comunitários e municipais articulados localmente com participação do conjunto de entidades governamentais e não governamentais possibilitariam a construção de soluções mais adequadas, oportunas e melhor otimizadas. No entanto, as chamadas não têm orientado nessa

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direção. Não há estímulo da política pública de ATER para o fortalecimento das organizações locais e de interação entre estas.

Outra incoerência do processo é a atividade relacionada ao diagnóstico. Considerar que um diagnóstico semi estruturado, realizado em poucas horas (três horas), é suficiente para se ter o conhecimento da realidade das famílias e, conjuntamente, promover um planejamento estratégico sustentável é desconhecer a real situação do campo. Aliás, na análise de muitas organizações este tem sido um dos grandes problemas do quadro técnico do MDA/Dater: ―falta de inserção com a realidade local‖. No formato da chamada, o MDA/Dater avalia que se pode fazer um diagnóstico que oriente ações de transição em apenas uma visita na propriedade e que outras três visitas seriam para dar sequência ao planejado na primeira.

Se o objetivo do diagnóstico é definir o conteúdo dos cursos, estes teriam que ser capazes de dar respostas ao conjunto das questões identificadas no diagnóstico. Como os cursos são poucos e de duração limitada, o conteúdo não poderá ser outro que a apresentação de soluções genéricas para uma gama de situações variadas. Esta metodologia elimina a possibilidade de se buscar soluções através da construção social do conhecimento.

Outra crítica à metodologia, adotada nas chamadas de ATER, refere-se à relação entre o número de técnicos e o número de beneficiários. A impressão é que o Dater/MDA se comporta como se estivesse financiando projetos que já estão em andamento e no modelo convencional. Quando se começa um projeto e se busca a transição agroecológica, a prática tem mostrado que se deve começar com um número pequeno de famílias e de preferência que já tenham construído relações em outras atividades.

As experiências construídas e relatadas mais adiante, mostram a possibilidade concreta de cada agente de ATER local acompanhar 40 a 60 famílias individuais ou dez a doze grupos comunitários afins (de 3 a 5

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famílias), desde que, localizados num mesmo município. À medida que vão se obtendo resultados e vai se ganhando a adesão das famílias e suas organizações, o processo vai se expandindo para outras famílias daquela comunidade e/ou de outras comunidades. Esse período inicial deve ser marcado por encontros individuais ou coletivos a cada 15 dias, com a presença da Equipe de ATER. Depois de seis meses, em média, é que se consegue criar uma rotina de atividades e só a partir daí pode-se distanciar estes contatos e aumentar o número de famílias a ser acompanhadas por cada profissional.

As experiências práticas ensinam que atribuir a cada Agente de ATER a responsabilidade por um determinado conjunto de agricultores/grupos ou comunidades cria referência e co-responsabilidade, cabendo-lhe um papel muito maior do que simplesmente técnico. Num processo de construção social do conhecimento, o (a) agente de ATER passa a atuar como um animador na construção das demandas locais, um comunicador das propostas aos demais profissionais que fazem parte daquela Equipe e um pouco de porta voz daquelas famílias e ou comunidade das necessidades demandadas junto aos dirigentes das organizações e ao poder público local.

Entretanto, mesmo considerando a importância da responsabilidade do profissional por um determinado grupo de famílias, a experiência de campo mostra que a formação de equipes para desenvolver ações em forma de mutirões, para determinadas atividades, tem dado resultados muito maiores do que a individualização das ações. Mesmo que essa já seja a opinião de alguns técnicos, é salutar que esse debate passe a fazer parte dos processos de avaliação para ir melhorando a efetividade da política pública.

Em relação ao monitoramento e avaliação das ações preconizadas pela Lei de ATER, na prática, a forma atual como está se desenvolvendo, estão sendo mensuradas as atividades executadas e não

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os conhecimentos adquiridos pelas famílias, grupos, comunidades e profissionais.

A opção do Ministério, presente na Lei, recomenda um monitoramento de atividades, de ações e não de resultados. O fato de tudo estar amarrado em atestes e relatórios tira o foco do principal que seria o quanto aquela família melhorou na questão da água, do solo, da alimentação e não, somente, em quantas reuniões, intercâmbios ou visitas ela participou.

Uma das formas de monitorar as ações é através dos atestes para confirmação da prestação do serviço, feita através da assinatura de próprio punho dos beneficiários da chamada. Esta forma coloca uma enorme massa de trabalho burocrático tanto para os técnicos como para os fiscais, sem comprovar a eficácia da atividade em questão. Além disso, o número de fiscais contratados pelo MDA/Dater é muito pequeno, retardando demasiadamente, a vistoria fiscalizatória.

Outra inconsequência da política que atrasa procedimentos, são as divergências operacionais entre os fiscais que estão nos estados e as chefias de comando em Brasília, retardando o processo de averiguação das ações executadas e, consequentemente, o atraso do reembolso para as prestadoras dos serviços. Por conta desses entraves, houve chamadas com mais de nove meses de atraso no pagamento das ações de campo (COOPERIGUAÇU, RELATÓRIOS DA CHAMADA DE ATER DO MDA - VALE DO RIBEIRA, 2011 e 2012).