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A discriminação entre as atitudes da criança e seus objetos

6 0 "trauma" com o situação inacabada

9. A discriminação entre as atitudes da criança e seus objetos

Vimos que se considerássemos a criança pequena como parte inte­ gral de um campo do qual os adultos fossem uma outra parte, a criança não poderia ser chamada de isolada ou indefesa. Agora, à medida que cresce em força, comunicação, conhecimento e técnica, determinadas funções pertencentes ao todo anterior são alteradas num outro tipo de todo: por exemplo, como consegue ficar em pé com mais autonomia, há um self mais locomotivo que poderia ser denominado seu próprio self, de modo que a função de cuidar no todo anterior pode tornar-se, de muitas maneiras, um autocuidar-se. C ontudo, exam inem os o sentim ento e a m otivação correlatos. Seria trágico se mesmo no todo alterado, o sentido anterior de “dependência como parte de um todo social” fosse simplesmente supri­ mido e tivesse de ser reintroduzido como parte de uma atitude madura, quando é realmente a continuação ativa de uma atitude infantil. Além do mais, semelhantes comportamentos tipicamente infantis, como a explo­ ração do corpo e a fascinação com os prazeres pré-genitais naturalmente tornam-se menos interessantes quando jáforam explorados e a dominância do desejo genital se estabelece; mas seria trágico se a satisfação do corpo e o impulso de explorar o corpo fossem suprimidos — isto certamente produziria um amante inepto. Quando os assim chamados traços infantis de apego ou de sucção ressurgem após a repressão, eles estão responden­ do a uma necessidade madura, mas sua linguagem e proporção são, mui­ tas vezes, comicamente arcaicas. No entanto, isto se deve, em grande medida, a situações inacabadas causadas pelas projeções de adultos que impuseram um crescimento prematuro. Ou ainda, as crianças pequenas experimentam com sílabas sem sentido e brincam com os sons e os órgãos vocais; e assim fazem os grandes poetas, não porque isto seja “infantil” mas porque faz parte da plenitude da fala humana. Não é exatamente um sinal de maturidade quando um paciente está tão embaraçado que só con­ segue produzir sentenças “corretas” num tom monótono.

10. Com o Freud discriminava entre "infantil" e "maduro".

A sexualidade infantil. A dependência

Podemos distinguir quatro contextos principais nos quais Freud falou do amadurecimento: 1) as zonas libidinosas, 2) a relação com os pais, 3) a

adaptação à “realidade” e 4) a adoção da responsabilidade parental. Em todos esses contextos Freud criou uma divisão demasiado absoluta, com cada contexto reforçando a divisão geral; ainda, de modo geral, Freud não era inclinado a empregar a distinção entre “infantil” e “maduro”, ou mesmo entre processos “primário” e “secundário”, em detrimento da criança.

1) A “primazia” dos órgãos genitais com relação às etapas eróticas pré- genitais. Esse trabalho de auto-regulação organísmica é realizado nos primeiros anos. Já a continuação das práticas infantis é considerada com demasiada frieza pela m aioria dos terapeutas. As prelim inares sexuais não são desencorajadas, mas também são mencionadas com prazer. Desaprova-se a arte que visa estimular o excitamento sexual, o que vai contra a evidência das culturas primitivas e das mais vitais culturas superiores; contudo, se não devemos nos deleitar com isso, com o que então se espera que o façamos?A curiosidade erótica é abominada, mas está no cerne de todo trabalho literá­ rio, leitura e todo tipo de teatro. E nos costumes, de modo geral, beija-se e acaricia-se muito menos entre os amigos, e há menos explorações amistosas de pessoas desconhecidas, o que vai contra a evidência de outros animais gregários. Desse modo, também um tipo de homossexualidade primária, ba­ seada na exploração narcisística, é desencorajada em lugar de ser encorajada, o que resulta, como Ferenczi sugeriu, numa heterossexualidade obsessiva que toma impossível a verdadeira vida comunitária, porque cada homem tem um ciúme hostil em relação a todos os outros homens.

2) A transcendência da dependência pessoal com relação aos pais. Podemos considerar essa atividade de auto-regulação organísmica como sendo a alteração e complicação do campo organismo/ambiente pelo au­ mento do número de membros envolvidos e da mobilidade, das escolhas e da habilidade de cada um de abstrair para níveis mais elevados. Desse modo, uma criança que aprende a andar, falar, mastigar e exercer mais força, pára espontaneamente de pendurar-se como uma criança de peito e de fazer exi­ gências exclusivistas. Já em relação a outros objetos, persistem as atitudes filiais expansivas de confiança, docilidade, o sentido de nossa dependência dentro de uma comunidade, o clamar para obter alimento e carícias como um direito inegado e como um herdeiro da natureza que não nasceu escra­ vo, o direito de sentir-se em casa no mundo. Se o mundo e as comunidades que criamos nele não são do tipo que não podem ser abraçadas abertamente com confianca e certeza de apoio, o homem irá descobri-lo por conta pró­ pria, sem que um médico lhe diga que sua atitude é infantil. O mesmo ocor­ re na educação: é muito bonito “não aceitar nada que você não descubra por conta própria”, mas parte desse processo é uma fé em mestres benevolentes e autoridades clássicas, cujo ponto de vista abraçamos de antemão, numa tentativa que testamos, mastigamos, incorporamos ou rejeitamos. Quando não há mais mestres individuais nesse sentido, transferimos a mesma atitu­

de para o mundo natural como um todo. A admiração exclusiva que os terapeutas nutrem pela independência é um reflexo (tanto por imitação quan­ to por reação) de nossas sociedades atuais que são tão solitárias e coerciti­ vas. E o que é extraordinário é ver como seu procedimento terapêutico — em lugar de ser o de um mestre que, aceitando a autoridade que lhe é conferida livremente, treina o aluno a se ajudar a si próprio — é em primeiro lugar aquele de um mau pai ou mãe, e em seguida o de um pai ou mãe bons de­ mais, aos quais se transfere uma ligação neurótica: e em seguida ele rompe essa ligação e manda a criança embora para que se vire por conta própria.

11.

Emoções infantis e irrealidades: