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4 0 anti-social é atualmente o agressivo

9. Crítica do Tanatos de Freud

Foi em circunstâncias semelhantes que Freud concebeu sua teoria do instinto de morte. Mas as circunstâncias eram menos extremas do que agora, porque ele ainda podia, na época, no bojo do ímpeto da teoria da libido, falar de um conflito entre Tanatos e Eros, e contar com Eros conio contrapeso a Tanatos. Os novos costumes ainda não tinham sido experimentados.

Parece que Freud baseou sua teoria em três evidências: l ) o tipo de vio­ lência social que descrevemos: a Primeira Guerra Mundial que foi aparen­ temente contra qualquer princípio de vitalidade e cultura; 2) a compulsão neurótica de repetição e fixação, que ele atribuiu à atração do trauma. Vimos, no entanto, que a compulsão-de-repetição é explicável de maneira mais sim­ ples como sendo o empenho do organismo em completar com meios arcaicos sua situação inacabada atual, toda vez que se acumula uma tensão suficiente para realizar essa tentativa difícil. Contudo, num sentido importante, essa repetição e o fato de se ficar girando em torno do trauma pode ser denomi­ nado corretamente de desejo de morte; mas é precisamente a morte do self inibidor mais deliberado que se deseja (com suas atuais necessidades e meios manifestos), nos interesses da situação subjacente mais vital. O que é ne­ cessariamente interpretado neuroticamente como um desejo de morrer é um desejo de uma vida mais plena. 3) Mas a evidência mais importante deFreud

foi provavelmente a irredutibilidade aparente do masoquismo primário. Por­ que ele descobriu que, longe de serem reduzidos, exatamente quando os pa­ cientes começavam a funcionar mais, seus sonhos (e sem dúvida os próprios sonhos de Freud) tomavam-se mais catastróficos; a evidência então forçava o teórico a ir além para uma condição de funcionamento perfeito e masoquis­ mo total: isto é, morrer é um anseio instintivo. Contudo, na teoria do maso­ quismo que estamos expondo, essa evidência é melhor explicada da seguinte maneira: quanto maior a liberação do instinto sem o fortalecimento corres­ pondente da capacidade doselfde criar alguma coisa com a nova energia, tanto mais disruptivas e violentas serão as tensões no campo. E exatamente como o método fisiológico de Reich induz experimentalmente essa condição, da mesma maneira o faz a livre associação anamnésica de Freud: há liberação sem integração. Mas o controle da situação mais adequado de Reich permi­ tiu-lhe encontrar uma explicação mais simples.

Não obstante, como especulação biológica, a teoria de Freud não é de modo algum desprezível, e deve ser ela própria confrontada teoricamente. Vamos organizá-la da seguinte forma esquemática: todo organismo, diz a teoria, procura diminuir a tensão e atingir o equilíbrio; mas ao reverter a uma ordem de estrutura inferior poderá alcançar um equilíbrio ainda mais está­ vel; de modo que, em última instância, todo organismo tenta ser inanima­ do. Isto é seu instinto de morte e é uma instância da tendência universal à entropia. Em oposição a este estão os apetites (Eros) que tendem a estrutu­ ras de evolução cada vez mais complexas.

Esta é uma suposição poderosa. Se aceitarmos os pressupostos e a mís­ tica da ciência do século XIX, será difícil refutá-la. Julgamos que sua rejei­ ção pela maior parte dos teóricos, incluindo muitos dos ortodoxos, se deva em grande medida ao fato de ser ofensiva, anti-social, em lugar de ser rejei­ tada porque é considerada errônea.

Mas pensar — como Freud pensa — numa sucessão de causas, que consiste em elos elementares conectados desde o começo, é uma interpre­ tação equivocada da história da evolução; é tornar real e concreto o que é uma abstração, a saber, alguma linha de evidência (por exemplo, os fósseis nos estratos de rochas) por meio da qual ficamos conhecendo a história. Ele fala como se as complexidades sucessivas fossem “acrescentadas” a uma única força operadora de “vida”, que pudesse ser isolada de suas situações concretas; como se acrescentasse a um protozoário a alma de um metazoário etc. ou, inversamente, como se um anelídeo estivesse introjetado dentro de um vertebrado etc.— de modo que, ao adormecer como vertebrado, o animal então se dedica a adormecer como anelídeo, e em seguida como platelminto e finalmente torna-se inanimado. Mas na realidade cada etapa sucessiva é um novo todo, operando como um todo, com seu próprio modo de vida; é

preocupado em buscar um “equilíbrio em geral”. A condição de uma molé­ cula ou de uma ameba não é uma situação inacabada que se esforça para atingir a condição de um mamífero, porque as partes orgânicas existentes que tendem ao estado de completamento são inteiramente diferentes nos casos individuais. Nada estaria resolvido para um organismo ao se resolver o problema de alguns outros gêneros de partes.

(É útil considerar a teoria de Freud como um sintoma psicológico: se alguém renuncia à possibilidade de soluções atuais, tem de suprimir as ne­ cessidades atuais; e desse modo traz para o primeiro plano algumas outras necessidades de ordem de estrutura inferior. A ordem de estrutura inferior se proporciona então uma certa existência pelo ato de renúncia atual.)

Parece que Freud compreende mal a natureza de uma “causa”. Uma “causa” não é em si mesma uma coisa existente, mas um princípio de expli­ cação de algum problema atual. E daí a existência de uma sucessão de cau­ sas — que avança em qualquer uma das duas direções, como um objetivo teleológico final ou como uma origem genética primitiva — , e quanto mais extensa se tomar essa cadeia, mais ela se tornará nada em absoluto, porque buscamos uma causa para nos orientar num problema individual específi­ co, com o objetivo de mudar a situação ou aceitá-la. Uma boa causa resolve o problema (de orientação específica) e então deixa de nos ocupar. Organi­ zamos as causas por meio de uma sucessão, como num livro didático, não quando estamos manuseando o material concreto, mas quando o estamos ensinando.

Por fim, a teoria de Freud isola sistematicamente o organismo do cam­ po organism o/am biente vigente; e isola um “tem po” abstrato como sendo um outro fator. Mas esse campo está existindo; sua atualidade, seu tempo em andamento, com o acontecimento contínuo de novidades, é essencial para sua definição e para a definição de “organismo”. Temos de pensar em um organismo crescendo e na espécie transformando-se como partes desse campo sempre renovado. A passagem do tempo, a mudança no tempo, não é algo que se acrescenta a um animal original que tem um prin­ cípio interno de crescimento isolado no tempo do campo, e que de algum modo se ajusta a situações sempre novas. É o ajustamento de situações sem­ pre novas, que modificam tanto o organismo como o ambiente, que é o cres­ cimento e o tipo de tempo que os organismos têm — porque cada objeto científico tem seu próprio tipo de tempo. Para uma história, a novidade e a irreversibilidade são essenciais. Um animal que está tentando completar sua vida está necessariamente buscando seu crescimento. Eventualmente o animal declina e morre, não porque ele esteja buscando uma ordem de es­ trutura inferior, mas porque o campo como um todo não pode mais organi­ zar-se com aquela parte sob aquela forma. Somos destruídos assim como, ao crescer, destruímos.

Os impulsos agressivos não são essencialmente distintos dos impul­ sos eróticos; são etapas de crescimento diferentes, sob a forma de seleção, destruição e assimilação ou sob a forma de regozijo, absorção e obtenção de equilíbrio. E desse modo, para voltar ao nosso ponto de partida, quando os impulsos agressivos são anti-sociais é que a sociedade se opõe à vida e à mudança (e ao amor); então ou ela será destruída pela vida ou envolverá a vida numa destruição comum, fará com que a vida humana destrua a so­ ciedade e a si própria.

CONFLITO E AUTOCONQUISTA