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A guerra moderna é um suicídio em massa sem culpabilidade

4 0 anti-social é atualmente o agressivo

8. A guerra moderna é um suicídio em massa sem culpabilidade

Voltemos agora para o contexto mais amplamente social e digamos algo além a respeito do tipo de violência que caracteriza nossa época.

Na atualidade temos nos Estados Unidos uma combinação de prospe­ ridade geral e de paz pública sem paralelos. Econômica e socialmente, es­ tas são causas benéficas uma da outra: quanto mais ordem pública, maior a produtividade, e quanto mais prosperidade, menor o incentivo para destruir a ordem pública. Por ordem pública queremos dizer não a ausência de cri­ mes de violência, mas a segurança geral tanto do campo como da cidade. Em comparação com outras épocas e outros lugares, pode-se viajar sem ris­ co em qualquer lugar de dia ou à noite. Quase não há brigas, tumultos ou bandos armados. Os loucos não vagueiam pelas mas; não há peste. Isola-se a doença imediatamente nos hospitais; nunca se vê a morte, e raramente o nascimento. Come-se carne, mas nenhum habitante urbano vê um animal sendo sacrificado. Nunca houve antes semelhante estado de não-violência, segurança e esterilidade. Com respeito à nossa prosperidade, mais uma vez, temos somente de assinalar que nenhuma das questões econômicas debati­ das tem a ver com a subsistência. Os sindicatos não reclamam pão, mas sa­ lários e horários melhores, e mais estabilidade; os capitalistas reclamam menos controles e melhores condições de reinvestimento. Um único caso de morte por fome significa um escândalo na imprensa. Menos de 10% da economia está voltada para a subsistência elementar. Mais do que nunca na história, há comodidades, luxos e divertimentos.

Psicologicamente a conjuntura é mais duvidosa. Há pouca frustração por causa de sobrevivência física, há pouca satisfação e há sinais de ansie­ dade aguda. O desconcerto e insegurança gerais de indivíduos isolados numa sociedade demasiado grande destroem a autoconfiança e a iniciativa, e sem estas não pode haver um desfrute ativo. Os esportes e as diversões são pas­ sivos e simbólicos; as escolhas no mercado são passivas e simbólicas; as pessoas não produzem nem fazem nada para si próprias, a não ser simboli­

camente. A quantidade de sexualidade é grande, mas a dessensibilização é extrema. Costumava-se pensar que a ciência, a tecnologia e os novos costu­ mes trariam uma nova era de felicidade. Essa esperança se frustrou. Em toda parte as pessoas estão frustradas.

Mesmo superficialmente, portanto, há motivo para estraçalhar as coi­ sas, para destruir não esta ou aquela parte do sistema (por exemplo, a classe alta), mas o sistema inteiro como um todo, porque este não promete mais nada, comprovou ser inassimilável em sua forma atual. Esse sentimento está até mesmo na awareness, com graus de clareza variados.

Mas refletindo mais profundamente, nos termos que desenvolvemos, observamos que essas condições são quase específicas para o excitamento do masoquismo primário. Há uma estimulação contínua, mas somente uma liberação parcial de tensão, uma intensificação insuportável das tensões inconscientes— inconscientes porque as pessoas não sabem o que querem, nem como consegui-lo, e os meios disponíveis são demasiado grandes e ingerenciáveis. O desejo de uma satisfação final, de um orgasmo, é inter­ pretado como o desejo de autodestruição total. E inevitável, portanto, que haja um sonho público de desastre universal, com grandes explosões, fogos e choques elétricos: e as pessoas juntam seus esforços para tornar esse apocalipse real.

Ao mesmo tempo, porém, suprime-se toda expressão pública de destrutividade, aniquilação, raiva e combatividade nos interesses da paz pública. Além disso, o sentimento de raiva também é inibido e até mesmo reprimido. As pessoas são sensatas, tolerantes, corteses e cooperativas quan­ do são intimidadas. Mas as oportunidades para a raiva não estão de modo algum minimizadas. Ao contrário, quando os movimentos maiores de ini­ ciativa se circunscrevem às rotinas competitivas dos escritórios, burocra­ cias e fábricas, há atritos triviais, sentimentos feridos e zangas. Uma raiva miúda é gerada continuamente, e nunca é descarregada; a grande raiva, que acompanha a grande iniciativa, esta é reprimida.

Assim, a situação raivosa é projetada muito longe. As pessoas têm de encontrar grandes causas distantes que sejam adequadas para explicar a opressão da raiva, que certamente não é explicável pelas frustrações triviais. É preciso ter algo digno do ódio inconsciente sentido com relação a nós próprios. Resumindo, estamos zangados com o Inimigo.

Esse Inimigo, desnecessário dizê-lo, é cruel e quase não é humano; não adianta negociar com ele como se fosse humano. Porque temos de nos lem­ brar que, da maneira como o conteúdo de todo o cinema e da literatura po­ pulares mostra, o sonho de amor americano é sadomasoquista, mas o comportamento amoroso não o é porque isto seria anti-social e indecente. É “uma outra pessoa” que é sádica; e certamente “uma outra pessoa” que é masoquista.

Bem, na vida civil, como dissemos, o conjunto de agressões é anti-so­ cial. Contudo, felizmente, na guerra ele é bom e social. Desse modo, as pessoas, que anseiam pela explosão e pela catástrofe universais, guerreiam contra ini­ migos que de fato as enfurecem por sua crueldade e força sub-humanas.

O exército democrático-de-massa é eminentemente apropriado para as necessidades populares. Proporciona a segurança pessoal que está fal­ tando na vida civil, impõe uma autoridade pessoal sem fazer nenhuma exi­ gência ao self secreto, porque afinal de contas somos apenas uma unidade numa massa. Retira-nos de empregos e lares onde somos inadequados e não obtemos nenhum grande prazer; e organiza nossos esforços de maneira muito mais efetiva no sentido de práticas sádicas e de uma derrota masoquista.

As pessoas observam a derrota se aproximando. Ouvem os avisos racio­ nais e elaboram todo tipo de políticas sensatas. Mas a energia para fugir ou resistir está paralisada, ou então o perigo é fascinante. As pessoas estão ansio­ sas por terminar a situação inacabada. Concentram suas energias no suicí­ dio em m assa, um resultado que resolve todos os problem as sem culpabilidade pessoal. A contrapropaganda dos pacifistas é mais do que inútil, porque não resolve nenhum problema e aumenta a culpabilidade pessoal.