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1, Social, interpessoal e pessoal

2. A fala plena de contato e a poesia

A fala constitui um contato satisfatório quando retira energia de uma estrutura das três pessoas gramaticais e cria essa estrutura: Eu, Tu e Isso; quem fala, a pessoa com quem se fala e o assunto a respeito do qual se fala; quando há uma necessidade de comunicar algo. Como propriedades do flu­ xo da fala essas três pessoas são: 1) o estilo e em especial o ritmo, a anima­ ção e o clímax que expressam a necessidade orgânica de quem fala; 2) a ati­ tude retórica efetiva na situação interpessoal (por exemplo, a súplica, a de­ núncia, o ensinamento, a intimidação); 3) o conteúdo ou veracidade para com os objetos impessoais dos quais se fala.

Além do mais, particularmente à medida que o contato entre organis­ mo e ambiente torna-se mais íntimo, as seguintes faculdades interagem:

1. A fala sonora — o exercício físico de pronunciar e ouvir;

2. O pensam ento — encher de conteúdo as várias organizações esqueletais;

3. A fala subvocal — situações verbais inacabadas repetidas;

4. Com unicação social pré-pessoal (por exemplo, clam ores) e

awareness silenciosa (imagens, sentimento-do-corpo etc.).

Na fala de contato satisfatório, esses níveis combinam-se na realidade atual. O pensamento é dirigido para a orientação eficiente e para a manipu­ lação; a situação atual é considerada como um campo possível adequado para resolver uma situação inacabada; o animal social está se expressando; o exercício físico inicia o fluxo na forma de um prazer antecipado e faz do todo uma realidade ambiental.

Tendo em mente esses níveis psicológicos do ato de falar, pensamen­ to, a fala subvocal, clamores e awareness silenciosa, consideremos agora a poesia como uma arte refinada da maneira como se diferencia da fala co­ mum plena de contato e em seguida contrastemos ambas com a verbalização neurótica.

Um poema é um caso especial de boa fala. Num poema, como em ou­ tros tipos de boa fala, as três pessoas, o conteúdo, a atitude e o caráter, e o tom e o ritmo, expressam mutuamente um ao outro, e isto produz a unidade estrutural do poema. Por exemplo, o caráter é em grande medida a escolha de vocabulário e sintaxe, mas estes últimos surgem e desaparecem com o tema e são ritmicamente deturpados a partir do que é esperado pelo senti­ mento; ou também, o ritmo acumula uma urgência de clímax, a atitude toma- se mais direta e a proposição é comprovada, e assim por diante. Contudo, a atividade de falar do poeta é, como dizem os filósofos, “um fim em si mes­ mo”; isto é, somente pelo comportamento da fala patente, somente pelo manuseio do meio, ele resolve seu problema. Diferentemente da boa fala comum, a atividade não é instrumental numa situação social ulterior, por exemplo, para persuadir aquele que ouve, entretê-lo, informá-lo sobre algo, ou para manipulá-lo para a solução do problema.

Essencialmente, o caso do poeta é o caso específico no qual o proble­ ma é resolver um “conflito interior” (como Freud disse, o trabalho de arte substitui o sintoma): o poeta concentra-se em alguma fala subvocal inacabada e seus pensamentos subseqüentes; por meio do jogo livre com suas pala­ vras atuais, ele finalmente termina uma cena verbal inacabada, ele de fato profere a queixa, a denúncia, a declaração de amor, a autocensura que deveria ter proferido; agora finalmente ele se alimenta livremente da necessidade orgânica subjacente e encontra as palavras. Devemos, portanto, perceber exatamente quais são o Eu, Tu e Isso do poeta em sua realidade atual. Seu Tu, sua audiência, não é alguma pessoa visível nem o público em geral, mas uma “audiência ideal”: isto é, não é nada mais que assumir a atitude e o ca­ ráter apropriados (escolher um gênero e uma dicção) que deixem a fala inacabada fluir com precisão e força. Seu conteúdo não é uma verdade atual de experiência a ser transmitida, mas ele encontra na experiência ou na memória ou na fantasia um símbolo que de fato o excita sem que precise (ou que precisemos) conhecer seu conteúdo latente. Seu Eu é seu estilo no seu emprego presente, não é sua biografia.

Ao mesmo tempo, à medida que as palavras concretas estão se forman­ do, o poeta pode manter aawareness silenciosa da imagem, do sentimento, da memória etc., e também as atitudes puras de comunicação social, clare­ za e responsabilidade verbal. Desse modo, em lugar de serem estereótipos verbais, as palavras são plasticamente destruídas e combinadas de modo a produzir uma figura mais vital. A poesia é portanto, o contrário exato da verbalização neurótica, pois é a fala como uma atividade orgânica que solu­ ciona problemas, é uma forma de concentração, enquanto a verbalização é uma fala que tenta dissipar a energia no ato de falar, suprimindo a necessi­ dade orgânica e repetindo uma cena subvocal inacabada, em vez de con­ centrar-se nela.

Por outro lado, a poesia se distingue da fala plena de contato comum— por exemplo, a boa prosa coloquial simplesmente como uma espécie de uma classe: um poema resolve um problema que pode ser resolvido somente pela invenção verbal, ao passo que a maior parte da fala se dá em situações em que a solução exige também outros tipos de comportamento, a resposta do ouvin­ te, e assim por diante. Logo, na poesia— onde o ato de falar tem de ser o por­ tador de toda a realidade — a vitalidade da fala é acentuada: ela é mais rítmi­ ca, mais precisa, mais plena de sentimento, mais plena de imagens etc.; e, o que é mais importante, um poema tem um começo, um meio e um fim; ele acata a situação. Outros tipos de fala plena de contato podem ser mais gros­ seiros e mais aproximados; podem depender de meios não-verbais, tais como o gesto; mal precisam mencionar o que está insistindo em se expressar; e se interrompem transformando-se em comportamentos não-verbais.