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A livre associação com o um experimento de linguagem

1, Social, interpessoal e pessoal

5. A livre associação com o um experimento de linguagem

Mas, consideremos os aspectos úteis e belos da livre associação, to­ mando-a pelo que é em si própria, como um modo de linguagem.

Para começar, as associações circulam em tomo de um detalhe de um sonho. Suponhamos que o paciente aceite o sonho como seu próprio sonho, lembre-se dele e possa dizer que o sonhou em lugar de dizer que um sonho veio a ele. Se ele puder agora ligar novas palavras e pensamentos a esse ato, haverá um grande enriquecimento da linguagem. O sonho fala na lingua-

gern de imagens da infância; a vantagem não é rememorar o conteúdo in­ fantil, mas reaprender algo do sentimento e da atitude da fala infantil, recapturar o tom de visão eidética, e vincular o verbal e o pré-verbal. Con­ tudo, desse ponto de vista, o melhor exercício seria talvez não a livre asso­ ciação a partir da imagem e o emprego de frio conhecimento à imagem, mas exatamente o contrário: uma representação literária e pictórica cuida­ dosa desta (surrealismo).

Pode-se dizer ainda algo em prol da própria livre associação. E salu­ tar, para um paciente que é demasiado escrupuloso e enfadonho na sua fala, tagarelar e descobrir que a casa não cai por isso. Esta é a matriz jocosa da poesia: permitir que a fala se desenvolva aparentemente por conta própria, de imagem para pensamento, para rima, para exclamação, para imagem, para rima, da maneira como surgir, mas ao mesmo tempo sentir que somos nós mesmos que estamos falando, que não se trata de uma fala automática. Con­ tudo, aqui, mais uma vez, o melhor exercício talvez fosse um exercício mais direto: concentrar-se no ato da fala ao mesmo tempo em que se fazem asso­ ciações livres ou se pronunciam sílabas sem sentido ou trechos de canções. Existe uma virtude mais essencial na livre associação, mais próxima do uso que a psicanálise classicamente fez dela. A razão pela qual se pede ao paciente que faça associações livres em lugar de contar sua história e responder a perguntas é naturalmente porque sua conversa costumeira é neuroticamente rígida, é uma integração falsa de sua experiência. A figura da qual tem consciência é confusa, obscura e desinteressante porque o fun­ do contém outras figuras reprimidas das quais elenão tem consciência, mas que distraem sua atenção, absorvem energia e impedem um desenvolvimento criativo. A livre associação rompe essa relação rígida entre figura e fundo, e permite que outras coisas venham para o primeiro plano. O terapeuta as anota, mas qual a vantagem disso para o paciente? Não se trata de que, como vimos, se possa fazer com que as novas figuras se combinem com sua figura habitual de sua experiência, porque a atitude da livre associação está dissociada dessa experiência. Na verdade, trata-se disto: ele aprende que algo, que não conhece como sendo dele, surge de sua escuridão e ainda as­ sim é significativo; desse modo talvez ele seja encorajado a explorar, a con­ siderar sua inconsciência como terra incógnita, mas não como caos. Desse ponto de vista, ele tem naturalmente que se tomar um parceiro no processo de interpretar. A noção aqui é de que a máxima “Conhece-te a ti próprio” é uma ética humana: não é algo que nos fazem quando estamos em dificulda­ des, mas algo que fazemos em prol de nós como seres humanos. A atitude misteriosa do terapeuta com relação à interpretação, retendo-a ou distri­ buindo-a pouco a pouco no momento adequado, é contrária a isso. Não se conclui, contudo, que o analista revelará todas suas interpretações; mais exa­ tamente, ele interpretará muito pouco, mas dará ao paciente os instrumen­

tos do analista. Deveria ser óbvio que a falta de curiosidade estarrecedora das pessoas é um sintoma epidêmico e neurótico. Sócrates sabia que isto se devia ao temor do autoconhecimento (Freud enfatizou o medo específico do conhecimento sexual do qual se mantêm as crianças afastadas.) Desse modo, é insensato conduzir um trajeto de cura num contexto que confirma a divisão: o terapeuta, o adulto, sabe tudo; e nós próprios nunca podemos conhecer o segredo a não ser que nos contem. Contudo, é a possessão dos instrumentos que sobrepuja o medo de ser excluído.

Finalmente, contrastemos os três modos de fala empregados no expe­ rimento de livre associação: o paciente que faz a livre associação, o terapeuta que aprende algo e o diz a si próprio, e o terapeuta que explica o que sabe ao paciente. Temos aqui três conjuntos diferentes de palavras que se relacio­ nam a um caso existente. Para o paciente, suas associações são o equivalen­ te a sílabas sem sentido: são verbalização pura. A partir dessas palavras, no entanto, o terapeuta torna-se consciente do paciente, e essa consciência, formulada em sentenças que ele diz a si próprio, relata um caso existente, elas são verdade. Não obstante, nesse contexto, as mesmas sentenças, ditas ao paciente, não são mais verdadeiras — nem para o paciente, nem agora para o terapeuta: não são verdadeiras porque não funcionam, não têm valor como prova, são meras abstrações. Para um lógico, esse fator, o interesse do terapeuta ou a falta de interesse do paciente, o acolhimento das proposições na nossa própria realidade ou sua rejeição, poderiam parecer irrelevantes; ele diria que se trata de uma questão meramente “psicológica”, importante no plano terapêutico, mas logicamente insignificante, se o paciente apreen­ de a verdade da interpretação ou não, ou em que nível ele a apreende. Con­ tudo, deveríamos expressar isso, de preferência, da seguinte maneira: o “caso existente” aqui é por ora potencial, é uma abstração; e se há uma realidade ou uma realidade inteiramente diversificada da qual se possui uma “verda­ de”, depende das palavras da formulação, do interesse e da atitude com a qual é apreendida.

Para um lógico treinado em física, o uso “correto” das palavras, a fala que é mais significativa sobre a “realidade” tem um vocabulário escasso de símbolos-coisas, uma sintaxe analítica que expressa o complexo por meio de acréscimos, e uma ausência de tom passional; e ele reformaria a lingua­ gem nesse sentido (por exemplo, no sentido do inglês básico). Contudo, para um psicólogo preocupado com a falta de afeto de nossos tempos, a fala cor­ reta tem suas características exatamente contrárias: está cheia de inflexões passionais da fala da infância, suas palavras são estruturas funcionais com­ plexas como as palavras dos primitivos, e sua sintaxe é poesia.