l A Gestalt-terapia e as tendências da psicanálise
2. Gestalt-terapia e psicologia da gestalt
Por outro lado, consideremos nossa relação com a psicologia do nor mal. Trabalhamos com as descobertas principais da psicologia da gestalt: a
relação de figura e fundo; a importância de interpretar a coerência ou a ci são de uma figura em termos do contexto total da situação concreta; o todo estruturado definido que não é demasiado inclusivo, e apesar disso não é um mero átomo; a força organizadora ativa de todos significativos e a ten dência natural para a simplicidade da forma; a tendência de situações inacabadas a se completarem. O que acrescentamos a isso?
Considere, por exemplo, a abordagem unitária, encarar seriamente a uni dade irredutível do campo sociocultural, animal e físico em toda experiência concreta. Esta é naturalmente a tese principal da psicologia da gestalt: que se tem de respeitar a totalidade de fenômenos que surgem como todos unitários, e que estes só podem ser analiticamente divididos em pedaços ao preço da aniquilação daquilo que se pretendia estudar. Empregando esta tese principal mente em situações de laboratório de percepção e aprendizagem, como fize ram os psicólogos da psicologia normal, descobrem-se muitas verdades bonitas, pode-se demonstrar a inadequação das psicologias associacionista e reflexi va, e assim por diante. Contudo, estamos protegidos de uma rejeição demasiado vasta dos pressupostos científicos hatituais, porque a própria situação de labora tório põe um limite em relação à extensão de nosso pensamento e ao que desco briremos .Essa situação é o contexto total que determina o significado do que emer ge, e o que emerge da limitação é a qualidade peculiarmente formal e estática da maior parte da teoria da gestalt. Pouco se diz a respeito da relação dinâmica entre figura e fundo ou sobre a seqüência forçada pelas necessidades, na qual uma figu ra rapidamente se transforma no fundo para a próxima figura emergente, até que hajaumclímax de contato e satisfação e a situação vital esteja realmente acabada.
Entretanto, como se poderia dizer muito a respeito dessas coisas? Pois uma situação de laboratório controlada não é de fato uma situação vitalmente instigante. A única pessoa interessada de modo vital é o experimentador, e seu comportamento não é o objeto de estudo. Mais exatamente, com um fervor louvável de objetividade, os gestaltistas evitaram, às vezes com de clarações cômicas de pureza, qualquer comércio com aquilo que apaixona e interessa; investigaram a solução de problemas humanos que não eram exa tamente prementes. Muitas vezes parecem estar dizendo na verdade que tudo é relevante no campo da totalidade, exceto os fatores humanamente inte ressantes; estes são “subjetivos” e irrelevantes! Contudo, por outro lado, só o que é interessante produz uma estrutura vigorosa. (Com relação a experi mentos com animais, no entanto, semelhantes fatores de necessidade e in teresse não são irrelevantes, especialmente considerando que macacos e galinhas não são cobaias de laboratório tão dóceis.)
O resultado final foi naturalmente que a própria psicologia da gestalt ficou irrelevante e isolada do processo em curso na psicologia, na psicaná lise e seus vários ramos, pois estas não puderam evitar as exigências pre mentes — da terapia, pedagogia, política, criminologia e assim por diante.
3. Psicologia do "consciente" e "inconsciente"
Apesar disso, a superação da psicologia da gestalt pelos psicanalistas foi muito desastrosa, porque a psicologia da gestalt fornece uma teoria ade quada de awareness, e desde o princípio a psicanálise tem sido tolhida por teorias de awareness inadequadas, embora o intensificar da awareness te nha sido sempre o objetivo principal da psicoterapia. As diferentes escolas de psicoterapia concentraram-se em diferentes métodos de intensificar a
awareness, seja por meio de palavras, exercícios musculares miméticos,
análise do caráter, situações sociais experimentais ou pelo excelente cami nho dos sonhos.
Quase desde o princípio Freud descobriu fatos poderosos do “incons ciente”, e estes se multiplicaram em discernimentos brilhantes sobre a uni dade psicossomática, os caracteres dos homens, as relações interpessoais da sociedade. Entretanto, de algum modo esses discernimentos não se com binam numa teoria satisfatória do self * e isto, acreditamos, deve-se a uma má compreensão da assim chamada vida “consciente”. A consciência ain da é considerada, na psicanálise e na maioria de seus ramos (Rank foi uma exceção), como o receptor passivo de impressões, o associador aditivo de impressões, o racionalizador ou o verbalizador. É aquilo que é manejado, reflete, fala e não faz nada.
Portanto, neste livro, como psicoterapeutas que se alimentam da psi cologia da gestalt, investigamos a teoria e o método da awareness criativa, a formação figura/fundo como sendo o centro coerente dos discernimentos eficazes mas dispersos a respeito do “inconsciente” e da noção inadequada de “consciente”.
4. Reintegração das psicologias do "consciente" e
do "inconsciente"
Quando insistimos, contudo, na tese unitária, na criatividade de todos estruturados, e assim por diante, não nas situações desinteressantes de labora tórios, mas nas situações prementes de psicoterapia, pedagogia, relações pes soais e sociais, então percebemos repentinamente que estamos levando — e sendo levados — ao extremo a rejeição de muitas pressuposições, divisões e categorias comumente aceitas, por serem fundamentalmente inadmissíveis, pois “rompem em pedaços e aniquilam aquilo que se pretendia estudar”. Em lugar de verdades que formulam a natureza do caso, vemos que são precisamente a expressão de uma divisão neurótica no paciente e na sociedade. E chamar aten ção para pressuposições básicas que são neuróticas provoca ansiedade (tanto nos autores quanto nos leitores).
Numa divisão neurótica, uma parte é mantida fora da awareness ou re conhecida friamente mas alijada do foco de atenção, ou ambas as partes são
cuidadosamente isoladas uma da outra e tomadas em aparência irrelevantes uma à outra, evitando conflito e mantendo o status quo. Contudo, se numa situação atual premente, seja no escritório do médico ou em sociedade, con centramos awareness na parte não consciente ou nas conexões “irrelevantes”, então se desenvolve a ansiedade, em conseqüência de se inibir a unificação criativa. O método de tratamento é entrar em contato cada vez mais íntimo com a crise atual até que nos identifiquemos, com o risco do salto para o des conhecido, com a integração criativa vindoura da divisão.