4 0 anti-social é atualmente o agressivo
6. Iniciativa e raiva
A agressão é o “passo em direção” ao objeto do apetite ou da hostilida de. A passagem do impulso para a tomada de providências e a iniciativa: aceitar o impulso como nosso próprio impulso e aceitar a execução motora como nossa própria execução motora. Obviamente, a iniciativa pode ser refreada pela repressão total do apetite, como descrevemos anteriormente. Mas o que é provavelmente mais comum na época moderna é a dissociação entre apetite e comportamento motor, de modo que o apetite se toma mani festo somente sob a forma de um planejamento tagarela ou de perspectivas sonhadoras. Tem-se a impressão de que com o abandono da caça e da luta, as pessoas deixam totalmente de se movimentar; os movimentos dos jogos atléticos não estão relacionados às necessidades orgânicas, os movimentos da indústria não são nossos próprios movimentos.
A afirmação de uma criança de que “quando eu crescer farei isso e aquilo” indica sua iniciativa, a adoção imitativa de comportamento que realizará o desejo ainda obscuro nela, até que este seja praticado. Quando isto é repetido pelo adulto, o desejo inacabado persiste, mas a iniciativa desapareceu. O que aconteceu nesse intervalo? É que em nossa economia, política e educação, os assim chamados objetivos são demasiado alheios e as maneiras de alcançá-los são, portanto, demasiado complicadas, não es tão suficientemente próximas. Tudo é preparação, e nada é realização e sa tisfação. O resultado é que os problemas não podem ser inteiramente traba lhados e assimilados. O sistema de educação resulta em vários introjetos inassimilados. Depois de algum tempo o self perde a confiança em seus pró prios apetites. Há uma falta de fé, porque a fé é saber, para além da awareness,
que se dermos um passo haverá chão sob nossos pés: entregamo-nos sem hesitação à ação, temos fé de que o contexto(?) gerará os meios. Finalmen te, a tentativa de assimilar é abandonada e há frustração e náusea.
Ao mesmo tempo em que a iniciativa está se perdendo no desnortea- mento, na perseguição de objetivos difíceis demais, ela está sendo direta mente desencorajada na busca de objetivos simples, como nas ocasiões em que se dá um tapa numa criança por ela ser “atrevida”. O medo tem como conseqüência o abandono do apetite. De modo geral, há a redução a uma ordem mais simples de apetite e a um estado de não-iniciativa ou de depen dência: ser alimentado e cuidado, sem entender como. E isto leva a uma insegurança e inferioridade persistentes.
Suponhamos, porém, que um apetite é forte e está a caminho de seu objetivo, e então encontra um obstáculo e é frustrado: a tensão se acende, e isto é a raiva intensa.
A raiva contém os três componentes agressivos: a destruição, a aniqui lação e a iniciativa. A veemência da raiva é a do próprio apetite e a da pró pria iniciativa. De imediato, o obstáculo é considerado simplesmente como parte da forma existente a ser destruída, e é atacado com um ardor prazeroso. Contudo, à medida que a natureza frustrante do obstáculo torna-se mani festa, a tensão progressiva do s e lftnvolvido toma-se dolorosa, e ao apetite destrutivo fervoroso se junta a necessidade fria de aniquilar. Em casos ex tremos, o apetite (o movimento em direção ao objetivo) é inteiramente trans cendido e há uma fúria feroz e arrebatadora. A diferença entre a fúria arrebatadora (vontade de matar) e a simples aniquilação (a necessidade de que a coisa não exista no campo) é o empenho expansivo Aoself, já estamos comprometidos com a situação, não estamos só tocando-a superficialmente; a vontade de matar não é simplesmente uma defesa, porque estamos empe nhados e portanto não podemos simplesmente nos esquivar. Desse modo, alguém que leva um tapa fica furioso.
Em geral, a raiva é uma paixão simpática, une as pessoas porque está mesclada ao desejo. (Desse modo o ódio é notoriamente ambivalente com o amor. Quando a transcendência do desejo em direção à raiva “pura” baseia- se na repressão do desejo, então o sei/está inteiramente empenhado no ata que hostil, e se a repressão se dissolver de modo repentino — por exemplo, ao se descobrir que somos mais fortes e estamos seguros — , o desejo se cris taliza de repente em amor.)
Veremos que a fórmula habitual de que “a frustração conduz à hostilida de” é verdadeira, porém simples demais, uma vez que deixa de mencionar o apetite fervoroso na agressão raivosa. E toma-se difícil, portanto, entender por que a raiva, uma disposição raivosa, persiste quando a aniquilação do obstáculo foi efetivamente obtida pela morte ou pela distância (por exemplo, os pais estão mortos, e ainda assim o filho ou a filha estão zangados com
ou ainda, por que na vingança e no ódio a aniquilação do inimigo dá satisfa ção, e sua não-existêncianão é indiferente, mas nos nutrimos dela: não so mente aniquilado, mas destruído e assimilado. Mas, isto é porque o obstá culo frustrador é primeiramente considerado como parte do objetivo dese jado; o filho está zangado com os pais mortos porque ainda fazem parte da
necessidade inacabada— não basta que ele entenda que, como obstáculos, eles estão fora do caminho. E a vítima da vingança e do ódio faz parte de nós mesmos, é amada, sem nos apercebermos.
Por outro lado, é a mescla de aniquilação no interior da raiva que des perta tal culpa intensa com relação a objetos amados difíceis; porque não podemos nos dar ao luxo de aniquilar, de transformar em nada o que preci samos, mesmo quando nos frustra. É assim que a raiva persistente, que une o apetite e a aniquilação, leva à inibição completa do apetite e é uma causa comum de impotência, inversão etc.
Na raiva ruborizada, a awareness está algo confusa. Na fúria arreba tadora ela é muitas vezes bastante intensa, quando, refreando todo o apetite corporal, ainda assim se nutre da vividez das imagens que pertencem ao apetite postergado, no momento em que o self confronta seu objeto para aniquilá-lo. No rancor arroxeado ou congestionado o se lfe stá explodindo com seus impulsos frustrados e está realmente confuso. Na ira congestio nada ou ódio, o self começou a se destruir no interesse de seu objetivo hostil; não enxerga mais a realidade, mas somente seu próprio desígnio.