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l A Gestalt-terapia e as tendências da psicanálise

5. O plano deste livro

Este livro concentra-se numa série de semelhantes dicotomias neuró­ ticas básicas de teoria e tenta interpretá-las, conduzindo a uma teoria do self e sua ação criativa. Partimos de problemas de percepção e realidade primá­ rias, e, em seguida, consideramos o desenvolvimento e fala humanos até chegarmos a questões de sociedade, moralidade e personalidade. Chama­ mos a atenção sucessivamente para as seguintes dicotomias neuróticas, al­ gumas das quais predominam universalmente; se dissolveram na história da psicoterapia mas ainda são admitidas de outro modo, e outras que (natu­ ralmente) são preconceitos da própria psicoterapia.

Corpo e Mente: esta divisão ainda está em circulação popularmente,

embora a unidade psicossomática seja aceita como verdadeira entre os me­ lhores médicos. Mostraremos que é o exercício de uma cautela costumeira, e, em última instância, inconsciente diante do estado de emergência crôni­ co, especialmente a ameaça ao funcionamento orgânico, que tomou essa divisão mutiladora inevitável e quase endêmica, resultando na falta de ale­ gria e graça de nossa cultura (capítulo III).

Self e Mundo Extemo\ essa divisão é uniformemente um artigo de fé

em toda a ciência ocidental moderna. Vem acompanhada da divisão anterior, mas talvez com mais ênfase em ameaças de natureza política e interpessoal. Infelizmente aqueles que na história da filosofia recente mostraram o absur­ do dessa divisão foram eles mesmos, em grande parte, contaminados, seja por um tipo de mentalismo, seja de materialismo (capítulos III e IV).

Emocional (subjetivo) e Real (objetivo): esta divisão é mais uma vez

um artigo de fé científico geral, vinculado de maneira unitária com o prece­ dente. E conseqüência da evitação de contato e envolvimento, e do isola­ mento deliberado das funções sensoriais e motoras uma da outra. (A histó­ ria recente da sociologia estatística é um estudo dessas evitações elevado à categoria de arte sofisticada.) Tentaremos mostrar que o real é intrinseca- mente um envolvimento ou “compromisso” (capítulo IV).

Infantil e Maduro: esta divisão é uma doença ocupacional da própria

da “cura”: por um lado há uma preocupação tantalizante com o passado distante, e, por outro, uma tentativa de ajustar-se a um padrão de realidade adulto ao qual não vale a pena ajustar-se. Traços da infância são menospreza­ dos, traços cuja própria falta desvitaliza os adultos; e outros traços denomina­ dos infantis são as introjeções de neuroses dos adultos (capítulo V).

Biológico e Cultural, esta dicotomia, que é tarefa essencial da antropo­

logia eliminar, tomou-se arraigada nas últimas décadas exatamente na antro­ pologia; de modo que (para não mencionar os racialismos idiotas unilaterais) a natureza humana se toma completamente relativa e um nada em absoluto, como se fosse infinitamente maleável. Mostraremos que isto é conseqüência de uma fascinação neurótica por artefatos e símbolos, e a política e cultura destes, como se funcionassem por conta própria (capítulo VI).

Poesia e Prosa: esta divisão, vinculada de maneira unitária com todas

as precedentes, é conseqüência da verbalização neurótica (e outras expe­ riências substitutivas) e da náusea da verbalização como reação con­ tra esta; e leva alguns semanticistas recentes e inventores de lingua­ gem de ciência e linguagens “básicas” a menosprezar a fala humana como se tivéssemos outros meios suficientes de comunicação. Não os temos, e há uma deficiência de comunicação. Mais uma vez, termos univer­ sais são considerados mais como abstrações mecânicas do que como expres­ sões de discernimento. E de maneira correspondente, a poesia (e as artes plásticas) toma-se crescentemente isolada e obscura (capítulo VII).

Espontâneo e Deliberado: de maneira mais geral acredita-se que a es­

pontaneidade e a inspiração pertençam a indivíduos especiais em estados emocionais peculiares, ou então, a pessoas sob a influência de álcool ou do haxixe, e não como uma qualidade da experiência de modo geral. E de modo análogo, o comportamento calculado visa a um bem que não corresponde exatamente à nossa preferência, mas só serve para alguma outra coisa (de modo que o prazer em si é tolerado como um meio de obter saude e eficiên­ cia). “Ser si próprio” significa agir imprudentemente, como se o desejo não tivesse sentido; e “agir sensatamente” significa conter-se e entediar-se.

Pessoal e Social: esta separação corrente continua a ser a ruína da

vida comunitária. E tanto efeito como causa do tipo de tecnologia e eco­ nomia que temos com sua divisão entre emprego e hobby, mas não tra­ balho ou vocação; e de burocracias acanhadas e uma política indireta de testas-de-ferro. O mérito de sanar essa divisão é dos terapeutas de rela­ ções interpessoais, cuja escola, que controla ansiosamente os fatores animais e sexuais no campo, também logra, em geral, satisfações for­ mais e simbólicas em lugar de satisfações comunais autêntfcas (capítu­ los VIII e IX).

Amor e Agressão: esta divisão sempre foi conseqüência da frustra­

mesmo e tendo em apreço uma mansidão reativa desapaixonada, quan­ do somente uma descarga de agressão e disposição para destruir as ve­ lhas situações pode restaurar o contato erótico. Contudo, nas últimas déca­ das, essa condição foi complicada por uma nova valorização dada ao amor sexual ao mesmo tempo que se menosprezam, de maneira especial, vários impulsos agressivos como anti-sociais. A qualidade da satisfação sexual tal­ vez possa ser medida pelo fato de as guerras com as quais consentimos serem continuamente mais destrutivas e menos raivosas (capítulos VIII e IX).

Inconsciente e Consciente: se considerada absolutamente, esta divisão

notável, aperfeiçoada pela psicanálise, tomaria toda psicoterapia impossí­ vel em princípio, pois um paciente não pode aprender a respeito de si pró­ prio o que lhe é incognoscível. (Ele se percebe, ou pode-se fazer com que se aperceba, das distorções na estrutura de sua experiência concreta). Essa divisão teórica vem acompanhada de uma subestimação da realidade do so­ nho, da alucinação, do jogo e arte, e uma superestimação da realidade do discurso deliberado, do pensamento e da introspecção; e, em geral, da divi­ são freudiana absoluta entre processos de pensamento “primários” (muito precoces) e processos “secundários”. Similarmente, o “id” e o “ego” não são considerados estruturas alternadas do self que diferem em grau — um é um extremo de relaxamento e associação frouxa, o outro, um extremo de organização deliberada com objetivo de identificação — , e contudo isso surge a cada momento da terapia.