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1. Conflito e desprendimento criativo

Agora temos de dizer algo sobre as conclusões das agressões: a vitória (ou derrota), a conquista e a dominação. Porque nas neuroses a necessidade de vitória é fundamental; e dada essa necessidade, há uma vítima facilmente disponível, o self A neurose pode ser considerada uma autoconquista.

Mas a necessidade neurótica de vitória não é necessidade do objeto pelo qual se lutou, exercendo agressão no conflito aberto; é uma necessidade de

ter ganho, de ser um vencedor enquanto tal. O significado disto é que já

perdemos de maneira importante e fomos humilhados, e não assimilamos a derrota, porém tentam os reiteradam ente salvar as aparências com triunfos insignificantes. Assim, toda relação interpessoal, e na verdade toda experiência, é transformada numa pequena batalha, com a possibilidade de vencer e demonstrar bravura.

Conflitos importantes, contudo, como a luta por um objeto que terá importância e arriscar-se numa iniciativa que poderá mudar o status quo são meticulosamente evitados. Pequenos conflitos simbólicos, e grandes con­ flitos falsos e portanto inacabáveis como Mente + Corpo, Amor + Agres­ são, Prazer+ Realidade são meios de evitar os conflitos excitantes que teriam solução. Em vez disso, as pessoas apegam-se à segurança, identificada aqui

como a fixação do fundo, da necessidade orgânica subjacente e do hábito passado; o fundo tem de permanecer fundo.

O contrário da necessidade de vitória é o “desprendimento criativo”. Tentaremos descrever posteriormente essa atitude peculiar do self espon­ tâneo (capítulo 10). Aceitando seu interesse e o objeto e exercendo a agres­ são, o homem criativamente imparcial excita-se com o conflito e cresce por meio deste; ganhe ou perca, ele não está apegado ao que poderia perder, pois sabe que está mudando e já se identifica com o que se tomará. Essa atitude vem acompanhada de uma emoção que é o contrário do sentimento de se­ gurança, isto é, a fé: absorvido na atividade concreta, ele não protege o fun­ do mas retira energia dele, e tem fé em que este se mostrará adequado.

2. Crítica da teoria da "remoção do conflito interno": o

significado de "interno"

Classicamente a psicanálise se devotou à revelação dos “conflitos in­ ternos” e à sua “remoção”. Grosso modo, esta é uma concepção apurada (como a outra concepção, a “reeducação das emoções”); contudo, agora che­ gou o momento de examiná-la mais rigorosamente.

“Interno” significa aqui, presumivelmente, dentro da pele do organis­ mo ou dentro da psique ou no inconsciente; exemplos disso seriam o con­ flito entre tensão sexual e dor, ou entre o instinto e a consciência, ou entre o pai e a mãe introjetados. Em oposição a estes estariam provavelmente os conflitos conscientes e não-neuróticos com o ambiente ou com outras pes­ soas. Mas, assim expressa, a distinção entre “conflitos internos” e outros conflitos não é valiosa, pois existem claramente conflitos não “internos” que podem ser muito bem considerados neuróticos. Por exemplo, à medida que uma criança ainda não fica em pé por conta própria, separada do campo cri­ ança/pais — ela ainda está mamando, aprendendo a falar, ainda é economi­ camente dependente etc. — , não tem sentido falar de distúrbios neuróticos (inanição inconsciente, hostilidade, privação de contato) como estando dentro da pele ou da psique de qualquer indivíduo. Os distúrbios estão no campo; é verdade que eles derivam dos “conflitos internos” dos pais, e re­ sultarão, posteriormente, em conflitos introjetados no filho ou filha à medi­ da que estes se tomem independentes. Porém sua essência na relação sentida e perturbada é irredutível às partes. Desse modo, a criança e os pais têm de ser considerados juntamente. Ou ainda, o declínio da comunidade nas socie- iades políticas não é redutível às neuroses dos indivíduos, que na realidade se tornaram “indivíduos” devido ao declínio da comunidade; tampouco é redutível às más instituições, porque estas são mantidas pelos cidadãos;

é uma enfermidade do campo, e somente um tipo de terapia de grupo po­ deria ajudar. Com o já dissem os m uitas vezes, a d istin çã o entre “intrapessoal” e “interpessoal” é pobre, porque toda personalidade indi­ vidual e toda sociedade organizada se desenvolvem a partir de funções de coesão que são essenciais tanto para a pessoa quanto para a sociedade (amor, aprendizagem, comunicação, identificação etc.); e, na realidade, as funções contrárias de divisão são também essenciais para ambos: rejei­ ção, ódio, alienação etc. O conceito de fronteira/contato é mais fundamen­ tal do que intra ou inter, ou do que interno ou externo. E, além disso, por sua vez, há mudanças que podem ser chamadas neuróticas que ocorrem no campo organismo/ambiente natural, por exemplo, os rituais mágicos dos primitivos que se desenvolvem inteiramente sem neurose pessoal, por causa da inanição e do medo do trovão, ou nossa doença contemporânea de “dominar” a natureza em lugar de viver simbioticamente com ela, pois inteiramente à parte das neuroses sociais e pessoais (que aqui estão, é verdade, fazendo hora extra) há um deslocamento na interação entre quan­ tidades materiais absolutas e episódios de escassez causados por abusos inconscientes. O primitivo diz: “A terra está passando fome, e portanto nós também estamos passando fome” ; e nós dizemos: “Estamos passan­ do fome, portanto vamos extorquir mais alguma coisa da terra” : simbioti­ camente ambas as atitudes são sonhos maus.

O fraseado clássico “conflito interno” contém, entretanto, uma ver­ dade muito importante, caracteristicamente expressa às avessas. Essa verdade é que os conflitos internos — aqueles dentro da pele, no interi­ or da psique (as tensões opostas e o mecanismo de regulação do sistema fisiológico, da brincadeira, dos sonhos, da arte etc.) — são todos em ge­ ral confiáveis e não-neuróticos; pode-se confiar em que sejam auto-regula- dores; demonstram sua eficácia há milhares de anos e não se modificaram' muito. Os conflitos internos, nesse sentido, não são o tema da psicoterapia; \ quando estão inconscientes pode-se deixar que permaneçam assim. É, ao contrário, a intromissão de forças sociais de fora da pele que perturba deliberadamente o sistema interno espontâneo e requer psicoterapia. Essas

forças são recém-chegadas e muitas vezes são mal compreendidas. Uma

grande parte da psicoterapia é um processo de desengajamento dessas for­ ças oriundas propriamente de fora da pele, de modo que não se intrometam dentro da pele onde perturbam a auto-regulação organísmica. E, do mesmo modo, é um processo de impedir que forças sociais e políticas mais distan­ tes e não confiáveis, como a competição, o dinheiro, o prestígio, o poder se intrometam no sistema pessoal primário de amor, mágoa, raiva, comunida­ de, paternidade ou maternidade, dependência e independência.