9, A possibilidade neurótica na fronteira-de-contato
11. Abstração e verbalização com o atos da "mente"
Até aqui estivemos falando de uma consciência rudimentar, que com partilhamos com os animais selvagens do campo e da floresta. Vamos ilu minar um pouco o cenário e buscar uma ilustração mais elevada, o pro cesso de abstrair e verbalizar (e até de escrever para as revistas eruditas). Psicologicamente, abstrair é tomar determinadas atividades relativa mente estáveis no interesse da mobilização mais eficiente de outras ativi dades. Pode haver abstrações sensoriais, de postura, de atitude, imaginati vas, verbais, de idéias, institucionais e de outros tipos. As abstrações são partes relativamente fixas numa atividade total; não se dá atenção à estru tura interna de tais partes, que se tornam habituais — o que está estável é fundo para aquilo que está em movimento — , ao passo que o todo é mais interessante e mais amplo do que seria de outro modo administrável; e é naturalmente o todo que seleciona, imobiliza e organiza as partes. Consi dere, por exemplo, as literalmente milhares de formas fixas que entram no processo de um leitor que extrair (esperamos) um significado (esperamos) destas sentenças: as abstrações de verbalização infantil e de atitudes de co municação, de freqüentar a escola, ortografia e dever de casa; de tipografia e produção de livros; de gênero de estilo e expectativa da platéia; da arqui tetura e posição das salas de leitura; do conhecimento que é aceito acade micamente como verdadeiro e das pressuposições aceitas como verdadei ras no que se refere a esta argumentação específica. Não prestamos aten ção a tudo isso à medida que prestamos atenção à argumentação. Podería mos prestar atenção a essas coisas mas não o fazemos, a não ser que haja
algum empecilho, um erro tipográfico sério, uma passagem pedante ou uma piada fora de contexto, má iluminação, ou uma câimbra no pescoço. Tudo isso é lugar-comum. (A abstração é,. por definição eficiente e “normal”; contudo, não se pode negar que de fato as “literalmente milhares de abstra
ç õ e s ” — a quantidade faz diferença — indicam invariavelmente uma rigi
dez de treinamento e funcionamento, um caráter-verbalizante que realmente
não pode prestar atenção à série inteira, exceto em teoria.)
Supondo agora que bem lá no fundo dos níveis de abstração verbal, nas partes antigas onde a fala simbólica se aproxima da figuração, dos sen timentos e dos clamores não verbais, suponhamos que nesse nível elementar houve e persiste uma anulação da awareness e uma paralisia do movimen to. Haverá, então, conexões às quais não podemos prestar atenção. Por exemplo (para escolher um exemplo do trabalho da Escola de Psiquiatria de Washington), a criança que está aprendendo a falar tem uma mãe irada, e descobre que certas palavras ou certos assuntos, ou mesmo o balbuciar, são perigosos; ela distorce, oculta ou inibe sua expressão; eventualmente ela gagueja e, em seguida, porque isso também é demasiado embaraçoso, reprime a gagueira e aprende a falar de novo com outras partes emergenciais da boca. Existe um consenso geral de que uma história semelhante de hábi tos de fala constitui de maneira importante a personalidade dividida de uma pessoa; entretanto, queremos chamar a atenção aqui não para o destino da personalidade, mas para o da fala. À medida que sua experiência se amplia na sociedade, nas letras e ciências, o nosso orador faz abstrações verbais cada vez mais amplas e mais complexas. Não poderá acontecer de, já que ele está anulando a awareness e paralisando a expressão das conexões pré- verbais menos complexas, ele ter um contato defeituoso com o funciona mento concreto das abstrações mais complexas, tanto com relação ao sig nificado destas para ele mesmo como também com relação ao que elas real mente são? Elas têm realmente um significado, mas, ainda assim, em reali dade existem, em última instância, num vácuo. Elas são “mentais”.
Apresenta-se uma proposição geral; sua importância para ele, por exem plo, o valor que faz com que determinada evidência se destaque num campo e seja observada ou passe despercebida por ele, nunca é redutível a nenhum comportamento ou observação que lhe é perceptível. Outros observadores podem perceber coisas que ele não percebe, mas infelizmente eles, como é o caso, estão implicados numa conspiração geral contra ele para ridiculari zar suas enunciações “íntimas” como não fazendo parte do sistema da na tureza. Ele está treinado academicamente para concordar com o consenso geral, e, não obstante, ele não pode admitir que o resíduo de significado não e nada em absoluto; ele sabe que o resíduo é alguma coisa. Primafacie, sente que essas abstrações literalmente infundadas, mas não sem sentido, exis
tem; existem, então, na “mente”, talvez na mente “particular”. Juntamente com a Vontade, as abstrações infundadas, mas não sem sentido, são uma pro va da Mente por excelência.
Dependendo do seu caráter, ele faz vários ajustamentos das abstrações às suas outras experiências e ao consenso geral. (Note que esta Mente está necessariamente muito ocupada exaurindo a energia de suas tensões na es peculação.) Ao perceber a incomensurabilidade entre suas abstrações e o Mundo Externo, ele poderá recorrer a expedientes diferentes: se ele sofre da síndrome bastante árida e sem afeto da enfermidade-positivista, ele con siderará suas abstrações absurdas e desprezará mais ainda a si próprio. Se ele sofre da mania eufórica poética, considerará a discrepância como uma marca negra contra o Mundo Externo e fornecerá um mundo para suas Idéi as rimando-as. O homem com paquidermatite gestáltica patinha num pân tano de terminologia lamacenta. E assim por diante.