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A fórmula de Learned Hand

ANÁLISE ECONÓMICA DO DIREITO

3.2 Arqueologia de Posner

3.2.1 A fórmula de Learned Hand

Começarei por referir o Juiz Hand, que, através da sua famosa fórmula (Hand Rule), pela primeira vez tentou fornecer um método despido de subjectividade e acessível a todos para decidir se um determinado acto foi ou não praticado negligentemente, ou seja, com omissão de um cuidado exigido.

Na decisão proferida em 1947 no âmbito do processo United States v.

Carroll Towing Co., Learned Hand enuncia o seguinte princípio: se o custo das precauções adequadas para evitar um determinado resultado danoso for inferior ao custo desse resultado multiplicado pela probabilidade de ele se verificar, o agente a quem competia tomar as referidas precauções procedeu negligentemente não as tomando. Deve entender-se por “precauções adequadas a evitar o resultado”

todas as que se revelem necessárias, incluindo, se qualquer outra se revelar insuficiente, a abstenção da actividade em causa.

Este cálculo é possível e relativamente fácil de efectuar quando se trate apenas de valores materiais – como no caso sub judice, que envolvia os estragos causados num navio120. Torna-se, no entanto, mais complicado

120 Mesmo atendo-nos apenas a valores materiais, e até apenas monetários, não pode descurar-se o facto de que o mesmo dispêndio (p. ex. 300 euros) poderá não ter o mesmo significado para duas pessoas distintas, consoante as posses de cada uma. Assim, pode imaginar-se uma situação em que A, para poupar 300 euros, correu o risco de causar a B um prejuízo no valor de 200 euros, risco esse (digamos, de 50%) que se concretizou. De acordo com uma relação simples de custo-benefício, poderíamos afirmar que A não foi negligente, tendo tomado a decisão racional e acertada. Mas é possível que os 300 euros consistam numa

73 quando estão em causa factores imateriais, e um dos motivos para a reserva em aceitar o método custo-benefício no tratamento da negligência é o preconceito segundo o qual este método só “contabiliza” valores económicos – no sentido de valores materiais. Daí o objectar-se frequentemente que não se pode contrapor valores (ditos) económicos a valores como a saúde ou a vida.

Há basicamente duas formas de ultrapassar esta objecção: ou se reduz tudo a valores monetários121, incluindo as motivações do agente e o sofrimento causado à vítima – solução que, embora de manejo fácil, peca pela sua extrema artificialidade – ou (solução que me parece preferível) se constrói uma escala na qual são graduados todos os factores a valorar.

Posner tende, geralmente, a considerar apenas variáveis materiais e monetárias, numa contabilidade de custos em sentido estrito122, não entrando em linha de conta com factores emocionais, afectivos, etc. O desenvolvimento das teorias da decisão veio tornar claro que todos estes factores são incontornáveis e mais tarde fornecer as ferramentas para os contabilizar123. A perspectiva de Posner é suficiente quando se trata apenas de proceder à

insignificância para A, enquanto os 200 euros consubstanciem um elevado prejuízo para B. E, por outro lado, pode também acontecer que, se para A 300 euros são uma insignificância, para C, nas mesmas circunstâncias, impliquem um elevado esforço financeiro. Devem estas diferenças subjectivas ser tidas em consideração?

121 E não se diga que isto é impossível. Até a vida, para efeitos de indemnização, é equacionável em termos monetários: veja-se a indemnização por morte ou o cálculo feito pelas companhias de seguros tendo em conta os anos de vida (previsíveis estatisticamente). Não se trata, obviamente, de atribuir um real valor monetário ao bem vida, mas de o considerar com uma expressão monetária para efeitos de comparação com outros bens – ou seja, encontrar um denominador comum. Como diz Gigerenzer, a discussão sobre esta matéria centra-se não em se o valor da vida pode ser quantificado, mas sim em como: capacidade de ganho perdida, despesas necessárias para a salvar, o que o indivíduo estaria disposto a pagar para não morrer, etc. – GIGERENZER (1989) p. 266. Sobre o problema da quantificação do valor da vida humana, desenvolvidamente, v. VISCUSI (1998) p. 660 ss. 122 Embora, ao analisar o que deve ser considerado para efeito de fixar o montante de uma indemnização, refira também “o sofrimento para a vítima e para a família” e mesmo a “redução da capacidade para gozar a vida” – POSNER (1972) p. 46.

74 fixação de indemnizações pelos danos. Mas não permite explicar totalmente – nem prever – a decisão pela conduta arriscada124.

Além de fornecer um critério objectivo para a aferição do dever de cuidado, a construção avançada por Hand, e posteriormente desenvolvida, tem, segundo Posner, a potencialidade de conduzir a um “nível eficiente” (um equilíbrio) entre a prevalência de acidentes e a segurança125 - ou seja, transposto este raciocínio para o âmbito do direito penal, poderíamos falar em exigências de prevenção geral negativa a serem assim satisfeitas.

Como é óbvio, este “nível eficiente” não se situará nos extremos, uma vez que a segurança tem os seus custos sociais e, portanto, o objectivo será sempre encontrar o safe enough. Posner refere a este propósito o exemplo de uma pessoa que compra um bilhete para viajar de comboio e espera, naturalmente, que a companhia transportadora tome as precauções necessárias a uma viagem isenta de acidentes126. Mas não seriam exigíveis, mesmo do ponto de vista do passageiro, precauções que, por exemplo, causassem sérios atrasos e incomodidades em ordem a reduzir ou até anular o risco de acidentes cuja verificação seja altamente remota. Perante esta hipótese, seguramente que os potenciais passageiros (ainda que, numa

124 Será por isto que a análise económica do direito (a qual pressupõe que os agentes são sempre determinados nas suas opções por critérios racionais) tem sido sujeita a intensas críticas por parte de autores que argumentam que os indivíduos nem sempre são racionais – no sentido de ponderarem objectivamente os custos-benefícios das suas decisões e optarem pela mais vantajosa, segundo o modelo de Kaldor-Hicks . Esta crítica encontra apoio privilegiado nas insuficiências da Rational Choice Theory, na medida em que resulta evidente a impossibilidade de reduzir o complexo processo decisório a uma escolha racional no sentido clássico. O aparecimento e rápido desenvolvimento da bounded rationality tornou inegável que – aparentemente – as regras da escolha racional não podiam ser aplicadas a inúmeras opções com que o indivíduo se defronta mesmo em situações correntes do quotidiano. Coube a Kahnemann e Tversky demonstrar que, através da introdução de novas variáveis e adequado tratamento das mesmas, é possível reconduzir todo o processo decisório às matrizes da teoria da decisão. Como Kahnemann afirmou na sua Leitura do Prémio Nobel, em 8 de Dezembro de 2002, o seu trabalho não leva à demonstração da irracionalidade humana, apenas refuta uma concepção irrealista da racionalidade.

125 POSNER (1972) p. 33. 126 POSNER (1972) p. 37 ss.

75 primeira abordagem, pudessem afirmar ser sua legítima expectativa contar com segurança no transporte) procederiam a uma análise (económica), ponderando a probabilidade de o acidente se verificar e as medidas necessárias a garantir a sua impossibilidade. Dir-se-á, então, que o utente exige as medidas razoáveis – e esta expressão é encontrada com frequência, quer no discurso do homem comum, quer mesmo no discurso do julgador – sendo que este critério invoca a utilização de parâmetros económicos de custo-benefício.