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ANÁLISE ECONÓMICA DO DIREITO

3.3 Para além de Posner

O trabalho de von Neumann/Morgenstern, ao criar um sistema operacional de análise adaptável a todas as ciências sociais, desencadeou um movimento global, que afectou o direito bem como muitas outras áreas de conhecimento.

Determinante foi a concepção do comportamento humano como algo orientado por uma lógica de maximização, e a interacção entre indivíduos ou entre indivíduos e instituições como um jogo de estratégia, com regras próprias e analisáveis em termos matemáticos. No que concerne à lógica da maximização, von Neumann e Morgenstern sistematizaram uma série de axiomas176 que regulam o pensamento racional tal como o entendem e permitem identificar aquilo que se designa por utilidades. Estes axiomas, desde a publicação de Theory of Games and Economic Behavior, em 1944, têm sido alvo de diversas formulações177.

174 POSNER (1979) p. 133 ss. 175 POSNER (1979) p. 136.

176 Como se sabe, alguns destes axiomas têm origem em trabalhos anteriores (como é o caso da closure) ou mesmo nas regras clássicas da lógica (por exemplo, no caso da transitividade). 177 Para uma exposição simplificada desta matéria, despida de grande parte da carga matemática, cf. HASTIE/DAWES (2001) p. 254-279.

95 Segundo von Neumann e Morgenstern, os indivíduos decidem de acordo com utilidades esperadas (expected utilities), ou seja, entre várias alternativas será preferida aquela que, segundo a perspectiva do indivíduo, apresenta a máxima utilidade esperada. O cálculo da utilidade de determinada alternativa obtém-se de acordo com a fórmula muito antes enunciada por Bernoulli, multiplicando o valor de P (probabilidade) pelo de cada possível resultado decorrente dessa alternativa e somando todos os produtos assim obtidos.

Este valor, derivando de um cálculo matemático, poderia, em teoria, divergir da percepção subjectiva que o indivíduo tem da utilidade. Mas, porque as operações se desenrolam dentro do quadro de uma escala intervalar, deverão conduzir a valores (relacionais) correspondentes aos valores subjectivos. E como as unidades de valor numa escala [de utilidades] intervalar são arbitrárias – à semelhança do que sucede, por exemplo, nas escalas de temperatura – desde que respeitadas certas regras de relação lógica internas ao sistema, qualquer escala, medida em qualquer unidade, é igualmente válida e universalmente acessível. Pela mesma razão, o zero pode ser fixado em qualquer ponto.

A análise económica orienta-se, assim, para uma perspectiva do direito que coloca no centro a eficiência, não se pronunciando sobre a validade dos fins. O sistema jurídico é encarado como um meio: não contém os seus próprios objectivos (como, por exemplo, um sistema de direito natural) nem se centra em questões de validade formal. Os objectivos são exteriores e a validade é uma validade funcional.

Esta perspectiva, em face da teoria dos fins das penas, é concordante com a rejeição das teorias retributivas (intervenção ex post) e aponta claramente para uma concepção do direito penal como meio de conformar o comportamento (intervenção ex ante) no sentido pretendido.

96 A análise económica do direito nada nos diz sobre qual deve ser esse sentido – ou sequer se há sentidos “melhores” do que outros178. Não é redutora, na medida em que o ponto de chegada não é o seu objecto, ocupando-se apenas do percurso. No entanto, daqui não pode inferir-se que todos os pontos de chegada tenham o mesmo valor – nem o contrário. É uma teoria sobre os meios, não sobre os fins.

Por outro lado, o facto de se reportar à “maximização da utilidade” e às “regras do mercado” não a torna uma teoria economicista do direito, como alguns afirmam, pois nada obriga a que a “utilidade” seja de base material. Mesmo quando o custo é apenas (ou predominantemente) económico, não é correcto afirmar que a análise económica do direito reduz todas as motivações a motivações económicas. O custo de oportunidade não deve ser visto apenas em termos monetários. Pretender que o ser humano se motiva (e, portanto, opta) apenas segundo juízos de vantagem material, é desprezar por completo as influências sociais e de ordem psicológica que podem influir na tomada de decisão. Não subscrevo, portanto, a posição de Kornhauser segundo a qual a análise económica do direito exclui a hipótese de as normas jurídicas terem um impacto educativo sobre o sujeito179. O que entendo é que

178 Este ponto não é pacífico, embora se possa sempre afirmar que, haja ou não a pretensão de erigir a análise económica em critério de justiça, todos concordam em que ela cumpre pelo

menos a função que aqui lhe é atribuída. Sobre a relação entre análise económica e justiça, cf.

PARISI (2000) p. XII-XVII. Superando em parte a dicotomia, Sousa Franco defende que mesmo o valor Justiça só ganha em ser prosseguido como realidade efectiva: FRANCO (1992) p. 65. Complementarmente, pode dizer-se, com David Friedman, que é de acordo geral que a eficiência económica constitui, se não um objectivo importante, um meio importante para alcançar outros objectivos: FRIEDMAN (1987) p. 33.

179 KORNHAUSER (1985) p. 43. No entanto, é Kornhauser que afirma: “O direito não pode influenciar o comportamento individual, a não ser introduzindo mudanças no domínio dos estímulos e da riqueza” – ou seja, admite expressamente a influência exercida pelo direito. O que Kornhauser rejeita é a conotação entre objectivos morais e esta influência, e nesse ponto penso que todos estaremos de acordo. Mas não se pode excluir a hipótese de os “estímulos” serem de ordem não directamente material, ainda que, sem dúvida, sejam sempre “contabilizáveis”. Shavell cai no mesmo erro de excessiva simplificação quando afirma que “para induzir uma empresa a instalar extintores que custam $1000, tudo o que a sociedade precisa é de aplicar uma multa excedendo $1000” – SHAVELL (2004) p. 583. Obviamente,

97 esse efeito educativo, quando alcançado, interfere na contabilidade dos incentivos (neste caso, como inibidor, ou seja, incentivo de sinal negativo) que determina se o indivíduo pratica, ou não, o facto ilícito.

Não é necessariamente por uma contabilização de custos-benefícios monetários que um indivíduo cumpre ou não um contrato: a convicção interiorizada de que pacta sunt servanda, o “valor da palavra dada”, poderão desempenhar aí um papel crucial. Mas daqui não decorre que a análise económica do direito esteja errada ao comparar o custo de incumprir (a cláusula penal fixada) com a vantagem obtida pelo incumprimento, em ordem a prever se o indivíduo respeitará as obrigações contratuais. A utilização correcta das “ferramentas” fornecidas pela análise económica do direito vai no sentido de atribuir um valor (quantitativo) à convicção do indivíduo de que o contrato deve ser cumprido independentemente do interesse, entretanto surgido, em não cumprir.

Consideremos um exemplo:

A celebrou com B um contrato promessa em que se obriga a comprar

a casa deste último; entregou X como sinal; pouco depois, A encontrou outra casa de que gostou mais. A decisão de A vai depender de:

a) montante do sinal perdido; b) preço da segunda casa;

c) interesse de A pela segunda casa;

d) valor (ético) atribuído por A à palavra dada (influência da

sociedade e das características individuais de A).

Dificilmente, hoje em dia, o valor em d) será superior a tudo o resto, mas já o terá sido em tempos, pelo menos em certos grupos sociais, e,

isto não é correcto, pois a empresa entrará sempre em linha de conta com, pelo menos, mais um factor: a probabilidade de a multa ser efectivamente aplicada. E Shavell sabe que há um manancial de sanções não monetárias (potencialmente eficazes) que, aliás, foram alvo de estudos seus – cf. SHAVELL (1997) p. 617 ss.

98 existindo residualmente ainda hoje, é maior para umas pessoas do que para outras; algumas haverá que dirão simplesmente, nesta situação: “tenho pena, mas já me comprometi com outrem”.

Por outro lado, se o sinal for muito baixo, facilmente o indivíduo o dará por perdido, pois será menor esse prejuízo do que o interesse na nova casa. E a decisão dependerá também do interesse: a casa é muito mais barata e melhor? É a casa com que o indivíduo sempre sonhou?

Do mesmo modo, a obediência a uma norma penal depende de uma variedade de factores, entre os quais o grau maior ou menor de anomia, destacando-se

- a educação para o direito - a censura social (anátema) - a medida da pena

- a probabilidade de aplicação da pena

- a intensidade do interesse satisfeito pelo crime.

A interferência de todos estes factores não invalida a utilização da análise económica do direito como instrumento de análise do direito. Não se pode é reduzi-la a uma quantificação (cardinal e monetária) apenas das variáveis superficiais em jogo, sendo necessário introduzir todos os factores relevantes, atribuindo-lhes um valor ordinal (de acordo com uma classificação previamente convencionada). Se este modelo de análise for correctamente construído, a análise económica do direito poderá cumprir a sua função de aferição do direito constituído ou a constituir.

A análise económica do direito, tendo por objecto a análise da eficiência do direito, é, neste plano, um importante instrumento de previsão do potencial sucesso de cada uma das alternativas disponíveis em sede de

99 política criminal180. Ao pretender constituir uma “teoria do comportamento face às normas jurídicas”181, o seu contributo incide, portanto, naquilo que constitui, em termos modernos (por contraposição ao intento retribuicionista que enformou o pensamento jurídico-penal durante séculos), o cerne do direito penal: a sua função preventiva.

É pressuposto da análise económica do direito que o indivíduo reage às normas em termos “económicos”, ou seja, fazendo opções de acordo com o seu interesse (e o seu interesse, de modo geral, será sempre o de maximizar

o bem estar) e o prossegue de modo racional, norteado por uma ponderação

de custo-benefício (o “preço” da opção).

Impõe-se então clarificar o que se entende por “bem-estar” e “modo racional”.

Usarei a expressão “bem-estar” no sentido lato, abrangendo, portanto, todo e qualquer valor que constitua aquele denominador comum aos objectivos que, para cada indivíduo, prevalecem sobre os demais. Isto significa que:

a) não tomo partido (por tal não ter aqui qualquer relevância) na querela sobre esta questão entre as várias correntes da análise económica do direito;

b) limito-me a considerar que, salvo casos de patologia psíquica, os indivíduos orientam a sua acção no sentido de maximizar a satisfação dos seus interesses – tentando, pois, obter sempre o máximo pelo mínimo preço;

c) como há grande variedade de elementos a considerar, o modelo a aplicar terá sempre de ser multifactorial, sob pena de perder as suas capacidades de análise e previsão ao ignorar variáveis que se revelem determinantes.

180 Sobre a capacidade da AED para prever como os indivíduos respondem às normas legais, cf. KORNHAUSER (1998) p. 683.

100 Deve entender-se que a racionalidade da acção implica uma acção voluntária e não aleatória, orientada de acordo com um processo lógico tendente a conduzir ao fim visado (não será racional, por exemplo, que alguém que pretende ser admitido num dado posto de trabalho se comporte intencionalmente, na entrevista de selecção, de modo a afastar a possibilidade de ser contratado).

A consideração atenta da multiplicidade de factores em jogo permite ultrapassar a aparência de que, amiúde, os indivíduos fazem escolhas “irracionais”. Analisemos a seguinte situação:

- À primeira vista, diríamos que é irracional o comportamento de quem conduz fora de mão numa auto-estrada por mero divertimento. Pois que o indivíduo em causa tem interesse em manter-se vivo e, por outro lado, nada revela que o seu objectivo seja lesar os condutores com que eventualmente se cruze. Além disso, é seguramente contra o seu interesse ser detectado pela polícia e em consequência sofrer as sanções previstas para a manobra realizada. Se não quisermos desistir de compreender o que motivou esse indivíduo, teremos, portanto, de procurar que factor pesou mais no conflito de interesses ou, o que é o mesmo, o “bem” que ele comprou com a sua conduta e que valeu o preço que pagou (pelo menos virtualmente).

Isto não significa que a análise económica do direito deva converter- se numa espécie de psicologia. Não se trata de fazer a análise de cada indivíduo enquanto tal, mas de encontrar os factores relevantes para as opções de uma classe de indivíduos, por forma a poder prever (e, assim, manipular) a sua atitude face às normas jurídicas.

Retomando o exemplo do condutor que percorre vários quilómetros fora de mão, a questão coloca-se na medida em que esse comportamento comece a surgir com tal frequência que, por um lado, permita considerar que

101 existe um padrão, e, por outro, ponha em causa a eficácia social da norma que proíbe este tipo de manobra.

Remetendo-nos para a situação real que se vive actualmente, teremos de considerar que não será por coincidência que, crescentemente, se verifica essa prática; e as opções de cada um dos autores não serão fruto de factores aleatórios que, por mero acaso, levam a manifestações semelhantes. Trata-se, portanto, de encontrar a motivação comum subjacente; mesmo que, superficialmente, pareça haver diversas motivações, há que identificar o seu denominador comum.

Tendo presente que o “preço” arriscado pelo autor é mais do que apenas a aplicação da punição (incluindo, nomeadamente, o risco para a sua própria vida), não é certo que o endurecimento da mesma seja suficientemente dissuasor. Só a identificação completa dos factores em jogo permitirá determinar a melhor estratégia - e “melhor” aqui significa a que, com um menor custo, produz o resultado pretendido. Não que seja impossível influir nas opções do indivíduo por via apenas da agravação da pena – alterando a probabilidade e/ou a gravidade da mesma. Salvo raras excepções (que não se inserem no domínio do crime negligente, mas sim no do doloso, v.g. o passional) uma pena muito pesada e com 100% de probabilidades de ser aplicada é definitivamente dissuasora (nenhum agente

racional rouba ou mata diante da esquadra de polícia!). O que pode acontecer

é concluir-se, através da análise detalhada dos factores em jogo, ser economicamente mais vantajoso para o Estado actuar por outra via.

POSNER identifica três conceitos básicos da análise económica do direito 182:

1 - a lei da oferta e da procura (relação inversa entre preço e procura);

102 2 - o conceito de custo de oportunidade - valor da melhor aplicação alternativa. Ou seja, quando se faz uma escolha (de aplicação de um bem) este deixa de estar disponível para outras aplicações; o maior valor que poderia ser alcançado com uma escolha alternativa, é o custo de oportunidade da aplicação por que se optou;

3 - o princípio de equilíbrio (em situação de liberdade dos agentes, todos os sistemas tendem para o equilíbrio).

Embora estas três leis sejam observáveis no comportamento do homo

economicus, não são suficientes, só por si, para analisar (em termos de

explicação/previsão) as opções deste. Pelo menos se considerarmos, com POSNER, que o preço do crime é a pena. Só uma abordagem mais abrangente, desenvolvendo o conceito de “custo de oportunidade”, permite identificar as valorações subjacentes a cada opção feita.

As teorias da decisão trouxeram a este domínio um contributo fundamental. Assentando igualmente na racionalidade do indivíduo, construíram uma série de modelos que permitem reconstituir o processo decisório.