• Nenhum resultado encontrado

A INAM ISSIBILIDADE D A BEM AVENTURANÇA

No documento O Homem e a Eternidade (páginas 151-153)

QUE DELE DIMANA

A INAM ISSIBILIDADE D A BEM AVENTURANÇA

Finalmente, segue-se de tudo o que acabámos de dizer que a bem-aventurança celeste é intrinsecamente inamis- sivoi, isto é, por sua propna natureza. A Escritura chama-llie

«a vida eterna». Jesus diz: «Estes, (os maus) orão para o

suplício eterno, os justos, para a vida eterna» (M at., XXV, 46). Pedro fala da «coroa imarcescível de glória» (I Pedro, V, 4). Paulo diz tratar-se de uma «coroa incor­ ruptível» (I Cor., IX, 25) e acrescenta: «O que presente­ mente constitui uma tribulação momentânea e ligeira, em nós, produz um peso eterno de uma sublime e incomparável

glória» (II Cor., IV, 17). O Credo acaba com estas pala­

vras: «Creio... na vida eterna» (x).

A expressão «vida eterna» diz muito mais que «vida futura». O futuro não passa de uma parte do momento que flui e compreende uma sucessão de momentos diversos. «A vida eterna» pelo contrário, não se mede pelo tempo contínuo (com o sucede com o nosso tempo solar) nem pelo tempo descontínuo ou espiritual da sucessão dos pensa-

(!) Credo... in vitam aeternam (Cfr. Cone. Lateran., IV, Denz., 430).

mentos e dos sentimentos da alma separada e ainda não beatificada; a vida eterna computa-se pelo único instante

da eternidade imóvel, um instante que não passa, como que

uma eterna aurora, um nascer do sol que não acaba. Os teólogos dizem que a vida eterna dos bem-aventurados se mede pela eternidade participada. Esta difere, sem dúvida, da eternidade por essência, que é própria de Deus; difere dela, porque começou no momento da entrada no céu* embora não acabe mais e, além disso, não compreende em si mesma nenhuma sucessão; constituirá verdadeiramente o único instante da eternidade imóvel, mas muitíssimo vivo, pois há-de representar a condensação de toda a vida da inteli­ gência e da vontade na visão e no amor, com toda a ternura e força a este inerentes.

Todavia, num plano da alma beatificada, inferior a esta visão e a este amor jamais interrompidos, haverá uma região menos elevada da inteligência e da vontade, uma sucessão de pensamentos (de conhecimentos particulares, extra

Verbum, por ideias criadas) e uma sucessão de sentimentos,

de quereres subordinados, com o por exemplo de súplicas dirigidas a Deus, a pedido de tal ou tal alma da terra.

Esta inamissibilidade da bem-aventurança deriva da essência desta. Com efeito, a bem-aventurança celeste deve, por sua natureza, satisfazer as aspirações da alma justa, o que não sucederia se os bem-aventurados pudessem dizer: virá talvez uma hora em que eu deixarei de ver a Deus. A cessação da bem-aventurança representaria, aliás, sobre­ tudo depois de alguma vez possuída, a dor suprema e uma pena • infligida sem que lhe correspondesse qualquer falta. Se nós defendemos tanto a vida presente, apesar das suas tristezas, como não havemos de defender a vida do céu?

Finalmente, nada pode fazer cessar a visão beatífica, nem Deus que a promete como recompensa nem a alma que encontra nela o soberano Bem (x).

O

I,

n,

q. 5, a. 4.

N o catecismo do Concílio de Trento (*), pergunta-se a certa altura: «Poderá aquele que é feliz deixar de desejar ardentemente gozar, sem fim, aquilo que representa a sua felicidade? E, sem a garantia de uma felicidade estável e certa, não será ele, apesar dessa felicidade, uma presa de todos os tormentos do medo?»

As almas dos bem-aventurados estão para além das horas, dos dias, dos anos; ei-las instaladas no único instante que não passa. Estou em crer que não pensamos bastante no momento da entrada no céu, no momento em que recebe­ remos a luz da glória e veremos Deus para sempre. Ora, tal momento deve preparar-se. Há outros três momentos de uma importância capital: pela relação que têm com ele, o momento da justificação pelo baptismo, o momento da

reconciliação com Deus, se o ofendemos gravemente, e o

momento da boa morte ou da perseverança final. Nada há de mais importante para nos prepararmos para a vida eterna.

N ão podemos fazer uma ideia da grandeza do amor

beatífico, mas, como ele há-de corresponder em intensidade,

aos nossos méritos, não é no céu que vamos aprender a amar a D eus, mas sim cá na terra. Participaremos da vida eterna na medida indicada pelos nossos méritos no momento da morte. Jesus disse: «Na casa de meju Pai há muitas mo­ radas» (João XIV, 1). E cada um receberá uma recompensa maior ou menor, conforme os méritos e sinceridade do desejo.

«Aquele que semeia pouco, também segará pou co; e aquele que semeia em abundância, também segará em abundância» (2).

A vida cristã deve portanto equivaler, peia caridade que a anima, à vida eterna começada. A graça s/ntificante e a caridade, que já existem em nós, hão-de durar eternamente. Como diz São João da Cruz, «ao anoitecer da nossa vida,

C1) I, P., c. 13, n. 3.

(2) II C or., IX, 6. Cfr. S ã o T om ás, Suppl., q. 93, a. 3.

seremos julgados pelo amor», pela sinceridade, generosidade e grau do nosso amor a D eus e ao próximo.

*

* *

A alegria eterna que dimana da visão imediata da essência divina e do amor beatífico vá lá alguém exprimi-la! Se agora já nos deslumbram o reflexo das perfeições divinas nas criaturas e a magia do mundo sensível na harmonia das cores e dos sons, a imensidade do oceano e os esplendores do céu estrelado e, mais ainda, os esplendores espirituais que a vida dos santos revela, que sucederá quando virmos Deus, o facho espiritual de luz e de amor, plenitude infinita, eternamente subsistente, de onde procede a vida da criação? Cada um há-de alegrar-se não sòmente pela recompensa , recebida, mas também pela recompensa dos outros e, mais ainda, pela glória de Deus e manifestação da infinita bon­ dade. Esta alegriá cifrar-se-á, portanto, num acto da virtude da caridade, na consequência normal do amor a Deus e às criaturas por Deus.

Tal é a glória essencial que Deus reserva àqueles que o amam: «Nem o olho viu — afirma Paulo — nem o ouvido ouviu nem entrou no coração do homem o que Deus pre­ parou para aqueles que o amam» (I Co r., II, 9).

Veremos, nessa altura, a enorme diferença existente entre os bens materiais e os bens espirituais. Os bens materiais, • a-*£nèsma casa, o mesmo campo, o mesmo território, não

podem pertencer simultânea e integralmente a várias pes­ soas; a posse exercida por determinado indivíduo impede

outrem de possuir a seu bel-prazer, porque estes bens são pobres demais para corresponderem aos desejos de todos. Pelo contrário, os bens espirituais, a mesma verdade, a mesma virtude, o mesmo Deus visto face a face, podem pertencer simultâneamente a todos, sem que a posse de um

284 O H O M E M E A E T E R N I D A D E O A M O R B E A T Í F I C O 285

impeça a do outro. Mais; possuímos em maior grau estes bens espirituais quando os possuímos juntamente com outras pessoas e nos alegramos com a sua alegria.

HaVemos também de ver claramente, no céu, que a bon­

dade é essencialmente comunicativa, e que se dá mais íntima e abundantemente na medida em que pertence a uma ordem

espiritual mais elevada. Deus, Pai desde toda a eternidade, comunica toda a sua natureza ao Filho e, por intermédio d’Ele ao Espírito Santo; a pessoa do Verbo comunicou-se à humanidade de Jesus e, através dela, na comunhão, comu­ nica-nos a nós uma participação cada vez mais elevada da vida divina.

Os eleitos, no céu, pertencem à família de Deus. A Trin­ dade, vista a descoberto e amada acima de tudo, habita neles com o num tabernáculo vivo, como num templo de glória, dotado de conhecimento e de amor. Sendo assim, o Pai gera neles o Verbo, no único instante dá eternidade; o Pai e o Filho espiram neles o Amor pessoal. A caridadc torna-os, em certa medida, semelhantes ao Espírito Santo; a visão assemelha-os ao Verbo, que, por sua vez, os torna semelhantes ao Pai, do qual é imagem. Neste sentido, eles entram no ciclo da Trindade santa que habita neles e, mais ainda, eles habitam nela, no cimo do Ser, do Pensamento e do Amor 0 .

O AM O R DOS SANTOS PARA COM

No documento O Homem e a Eternidade (páginas 151-153)