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A CAUSA DA IMUTABILIDADE DA ALMA LOGO APÕS A MORTE

No documento O Homem e a Eternidade (páginas 44-49)

Qual a razão por que a alma se fixa imutàvelmente no bem ou no mal imediatamente após a morte? Seria me­ lhor tratar este intrincado assunto depois de examinarmos o juízo particular e o que a Revelação nos diz a seu res­ peito. O juízo particular pressupõe, todavia, que o termo do tempo do mérito é finito e por isso abordamos este em primeiro lugar.

Vejamos o que a Escritura e a Tradição nos dizem so­ bre o facto e a natureza desta imAtabilidade da alma; veremos, depois, como os teólogos a explicam, distinguindo três concepções bastante diferentes sobre a causa deste facto O .

c1) Cfr. SÃO Tom ás, C. Gentes, 1. IV, c. 91, 92, 94, 95 (Comentário

de Silvestre de Ferrare); De Veritate, q. 24, a. II— I q. 64, a. 2 (Comen­ tário de Caitano) — Salmanticenses, De Gratia, de M erito, disp. 1, dub. IV, n.° 36. — B i l l o t , De Novissimis, pág. 33; Diet, théol. cath.,

art., mort. col. 2492 e segs. (A. Michel).

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FACTO D A IM UTA BILID AD E

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, N ão tratamos aqui da questão estudada actualmemte pelos fisiologistas e médicos: .quando se dá a morte, não ' apèna.s ap afen te,‘mas real? Pârece certo que, em muitos Casos ;de morte acidental.oú súbita/um organismo ,que pouco antes se encontrava • perfeitamente' são, p od etér ainda várias : horas de vida latente; e uma meia hora nos caSos.de mortes provocadas por uma doença que durante muito tempo minou o organismo. Aqui, consideramos apenas a morte real, a separação da alma do.corpo. , .

Ora ò mágistério ordinário dá Igreja .ensina que a alma humana,* imediatamente depois da morte, é julgada por todas as acções, boas ou más, da sua existência terrestre e isso supõe que o tempo do mérito passou. Esta doutrina comum não foi definida solenemente, mas funda-se na Es­ . critura e na Tradição. N ão há possibilidade de merecer

depois da morte, contràriamente ao que ensinam muitos protestantes.

Já no Eclesiástico (XI, 28): se diz: «É fácil para o Senhor, no dia da morte, dar a cada um segundo as suas obras..., no fim da vida serão reveladas as suas obras» 0).

D e acordo com o Novo Testamento (M at., XXV-13;

Luc., XIII, 22; João, V, 29), o Juízo Final versa unicamente

sobre os actos da vida presente. N o Evangelho segundo São Lucas (XVI, 19-31), fala-se do juízo particular. O rico avarento e o pobre Lázaro são julgados unicamente pelos aíKos da vida terrestre e irrevogàvelmente Abraão responde à alma do rico avarento: «há entre nós e vós um grande abismo».

(!) Este versículo 28 da Vulgatà, -corresponde, no original, ao versículo 24. Vide, também, Eclesiástico, IX, 10.

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Jesus, antes de morrer diz para o bom ladrão: «hoje

mesmo, estarei contigo no paraíso» (Luc., XXIII, 43). Jesus

não cessa de nos exortar a vigilar e a fazer penitência, para que não sejamos surpreendidos pela morte; por exemplo, depois da parábola das virgens prudentes e.das virgens loucas, diz: «Velai, pois, porque não. sabeis nem o dia nem a hora»

(M ai., XXV, 13; M arc., XIII, 33). '

São' Paulo diz ainda, mais explicitamente (II Cor., V, 10): «Pois é necessário que todos nós compareçamos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que é devido ao corpo, segundo fez o bem ou o mal». (Ibid., VI, 2) «Eu te ouvi. Aqui tens.agora ò.tempo aceitável, aqui tens o dia d a . salvação». (Gál., VI; 10): «Assim, pois, enquanto temos tempo, façamos bem a todos». (Fil., 1, 23):

«Desejo morrer e estar com Cristo, o que é incomparàvelmente melhor». Lê-se também na Epístola aos Hebreus (III, 13):

«Exortai-vos uns aos outros, todos os dias, enquanto durar o tempo que se chama hoje, para que ninguém endureça». Igualmente (Heb., IX, 27): Está decretado que os homens

morrem uma só vez, e depois da morte se siga o juízo». O ver­

sículo seguinte faz alusão ao juízo final, que também só versará sobre os actos da vida presente.

N o Evangelho de São João (IX, 4), Jesus diz: «Importa que eu faça as obras daquele que me^ enviou enquanto é dia; depois, vem a noite, em que ninguém pode trabalhar,

venit nox, quando nemo p o test operari», isto é, depois da

morte.

Os Padres da Igreja explicaram muitas vezes neste sen­ tido o texto de São João, sobretudo, São Cipriano, Santo Hilário, São João Crisóstomo, São Cirilo de Alexandria, Santo Agostinho, São Gregório o Grande (*).

Esta doutrina corresponde manifestamente ao magistério ordinário e universal da Igreja. Embora não haja definição

(2) Cfr. A. de J o u r n e l, Enchiridion Patristicuni, index teológico. n.° 584.

solene sobre este ponto, as declarações da Igreja não per­ mitem duas interpretações. O II Concílio de Leão diz: «As almas daqueles que morrem em estado de pecado mortal ou mesmo só com o pecado original, descem ao Inferno (mox p o st portem in infernum descendunt), para aí sofrerem diferentes penas» (D enz■, - 464). Encontra-se a mesma expressão no C oncílio‘ de Florença (Denz., 693) e na Constituição «Benedictus Deus» de Bento XII (Denz., 531). Leão X (Denz-, 778) condena a seguinte proposição de Lutero: «As almas do purgatório não têm a certeza da sua salvação, pelo menos não a têm todas elas, e não se prova pela Escritura nem por razões teológicas que elas não possam merecer mais ou crescer na caridade». Por último, o Concílio do Vaticano propunha-se promulgar esta definição dogmática: «Depois da morte, termo do nosso caminho, é necessário que todos nós compareçamos ime­ diatamente ante o tribunal de Cristo, para cada um apre­ sentar o que praticou nesta vida, o bem e o mal (II Cor., V, 10); e, depois desta vida mortal, não há possibilidade de penitência para a justificação» 0).

Q UAL A NA TU R EZA E A CAUSA PRÓXIM A DESTA IM UTABILIDADE? Certos teólogos, como Scoto e Suarez (2) pensaram que a fixação no mal ou obstinação se explica pela acção do homem e pela acção do demónio, porque Deus deixa de proporcionar a graça da conversão e o desespero em que caem confirma-os no seu estado (3).

O M a n s i, Concil., t. L III, col. 175.

(2) C fr. Sc o to, II Sent., dist. VII. Su a r e z, De Angelis, 1. III, c.

X, 1. VIII, c. X.

(3) Quanto às almas do purgatório, dizem estes autores, são pre­ servadas do pecado por uma protecção especial da Providência.

Nesta explicação, deparamos com uma dificuldade. O Cardeal Caitano (*), grande teólogo tomista, tentou ex­ plicar a obstinação do homem como São Tomás explica a do demónio. Diz em resumo: «A alma humana, no pri­ meiro instante do estado de separação do corpo, começa a pensar à maneira dos espíritos puros. Ora, o espírito puro tem um juízo prático imutável, que se assemelha ao juízo imutável de Deus. Porquê? N o que a Deus se refere, a res­ posta apresenta-se fácil: porque desde toda a eternidade Ele vê o que há-de acontecer e não aprende nada de novo que possa mudar os seus decretos eternos. Guardadas as devidas proporções, qualquer coisa de semelhante se veri­ fica com o espírito puro criado. Enquanto nós, no tempo, vemos sucessivamente os diversos aspectos duma atitude a tomar; enquanto nós, depois de termos escolhido, apren­ demos qualquer coisa de novo e modificamos a nossa es­ colha, o espírito puro, que dispõe de um conhecimento de todo intuitivo, vê simultâneamente os diversos aspectos do objecto da escolha, pesa simultâneamente os prós e os contras, tudo o que há a considerar e, depois de ter esco­ lhido livremente, não aprende nada de novo que possa mudar a sua escolha; a partir de então, esta permanece imutável, e assemelha-se aos decretos libérrimos, mas imutáveis de Deus. Isto deve-se à perfeição da inteligência do espírito puro.

E, por isso, segundo o Cardeal Caitano, a alma separada do corpo, no próprio instante em que começa a sua vida de alma separada, escolheu imutàvelmente o que quer por acto instantâneo, absolutamente últim o, quer seja um acto meritório, quer não. Torna-se de per si firme na sua escolha e compreende-se assim porque D eus, infinitamente bom, jamais oferece a sua graça à alma que se obstinou.

( ’) In I, q. 64, a. 2, n.° 18.

Esta opinião do Cardeal Caitano, por muito engenhosa que seja, não a aceitaram, pelo menos inteiramente, os to- mistas posteriores nem outros teólogos. Retorquiram eles: Se assim fosse, uma alma em pecado mortal, poderia recon­ ciliar-se com Deus imediatamente após a morte e, inversa­ mente, um justo que morresse em estado de graça poderia perder-se, por uma falta cometida imediatamente depois, o que parece contrário ao testemunho da Escritura (x).

Os tomistas posteriores a Caitano responderam-lhe (2) : «Segundo a Escritura, o homem só pode merecer antes da morte; atestam-no sobíetudo estas palavras do Salvador

(João, I-X, 4): «Importa que eu faça as obras daquele que

me enviou, enquanto é dia; depois vem a noite, era, que ninguém pode trabalhar, yenit nox, in qua nemo p o test

operari. Os teólogos admitem commumente que uma das

condições do mérito é sermos ainda viatores, viandantes; e é, pois, o homem que deve merecer e não a alma separada jdo corpo.

Ora, qual a solução geralmente admitida pelos discí­ pulos de São Tomás? Trata-se de uma solução que parece situar-se entre as duas precedentes e acima delas, precisa­ mente a posição intermédia em grau superior, que exprime o melhor do pensamento de São Tomás. Expô-la à ma­ ravilha o grande teólogo Silvestre de Ferrare (3). D iz ele: «Embora a alma, no primeiro instante da sepa­ ração do corpo, tenha uma visão ou apreensão inte­ lectual imóvel e comece, então, a obstinar-se no mal (ou pelo contrário, a fixar-se no bem), neste momento já não tem*--de'mérito (nem mérito), como dizem alguns, porque o mérito e o demérito não dizem respeito só à alma, mas ao

C1) Esta observação foi feita por Suarez e por muitos outros. (2) Assim falam, especialmente, Silvestre de Ferrare em C. Gentes, I. IV, c. XCV e os carmelitas de Salamanca, Cursus theol. . De Gratia,

de M érito, disp. I, dub. IV, n.° 36.

(3)' C. Gentes, IV., c. 9 1 ' '

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homem viator. Ora, no primeiro instante do estado de sepa­ ração, o homem já não existe, já lá não está para poder merecer..; Nesta altura o que causa inicialmente (inchoative) a obstinação é a vista ou apreensão móvel de tal fim (en­ quanto a alma se encontra ainda unida ao corpo) e causa-a de uma maneira definitiva (completive) a apreensão imóvel da alma, depois de se ver separada do corpo». Sucede o mesmo quanto à fixação imutável no bem. Parece ser este, exáctamente, o pensamento de São Tomás (x).

Neste sentido diz a Escritura: «Se uma árvore cai para 0 sul ou para o norte, permanece no lugar em que caiu». CEcles., XI, 3).

;■ Esta solução parece conter, em síntese superior, o que há de verdadeiro nas duas precedentes: 1.° A obstinação n o mal ou a fixação no bem causam-nas inicialmente o Último demérito ou mérito da alma unida ao corpo; 2.° uma e outra causam-nas de uma maneira definitiva a imóvel apreensão ou intuição da alma separada, que então adere

imutàvelmente àquilo que escolheu.

Em poucas palavras: a alma começa a fixar-se pelo último acto livre da vida presente e acaba de se fixar pela sua maneira imutável de julgar e de querer livremente no primeiro instante que se segue à morte. Imobiliza-se, assim,

por si mesma, na sua própria escolha, portanto, não repre­

senta uma falta de misericórdia da parte de Deus o facto de não oferecer a graça da conversão à alma assim obstinada.

Um a objecção se levanta: a liberdade do segundo acto, praticado no momento exacto que se segue à morte, aparece diminuída porque sempre se conforma com o precedente.

Ora a liberdade deste segundo acto aparece de facto comprometida para o pecador que não se arrependeu antes da morte, porque, como diz São João (VIII, 34), «todo o que com ete-o pecado é escravo do pecado». Mas, a liberdade

do acto realizado pelo justo imediatamente após a morte é maior. A liberdade, por ser uma consequência da inteli­ gência, aumenta com a lucidez desta. A liberdade do anjo, e sobretudo a liberdade de Deus, são superiores à nossa. E, todavia, a escolha serenamente livre de Deus faz-se de uma maneira imutável e não se altera. Deve acontecer o mesmo com o nosso acto livre, realizado imediatamente após a morte. N ão mais mudará.

Quando mais tarde, no juízo final, a alma retomar o respectivo corpo, já não mudará, por se encontrar imobi­ lizada na sua escolha, e ao reaver o corpo, não aprenderá nada de novo sobre o fim último. N ão poderá modificar, pois, a sua escolha.

Isto é mais fácil de compreender relativamente à imuta­ bilidade no bem, mas as coisas passam-se de igual modo quanto à imutabilidade no mal. Simplesmente os mistérios da iniquidade apresentam-se mais obscuros do que os mis- .térios da graça. Estes últimos são, em si mesmos, extrema­

mente luminosos, ao passo que os primeiros identificam-se com as próprias trevas.

A passagem ao estado de separação do corpo fixa, para sempre, a escolha livremente feita antes da morte, assim como o frio intenso do inverno fixa nos vidros o nevoeiro em figuras variadas. A geada é precisamente o nevoeiro que se deposita sob a forma de gelo imóvel. Mas a melhor imagem ou metáfora encontramo-la na Escritura: «Se uma árvore cai para o sul ou para o norte (o seu último movi­ mento) permanece (imóvel) no lugar onde caiu».

-"A' coroar esta doutrina, aparece-nos a seguinte tese de São Tomás (J). Cada um julga pràticamente segundo a

sua inclinação e, sobretudo segundo a sua inclinação

para o que escolheu como fim último; assim, o ambi­ cioso julga conforme a inclinação do orgulho, e o hu­ milde pela sua inclinação para a humildade. Ora, a nossa

(]) C. Gentes, IV, c. 95. í 1) Cfr. C. Gentes, I. IV, c. XCV, e De Veritate, q. 24, a. 11.

inclinação para o fim último escolhido por nós, pode mudar enquanto a alma está unida ao corpo (o qual lhe foi dado para que tenda para o seu fim), mas esta inclinação já não pode mudar depois da separação do corpo, porque a alma

julga então de uma maneira imutável de acordo com esta

mesma inclinação e, a partir desse momento, fixou-se na sua escolha. O humilde continua a julgar definitivamente segundo a inclinação da virtude. O orgulhoso continua a julgar sempre segundo o seu orgulho, com uma angústia que nunca acabará; o seu juízo preverteu-se para sempre e, por isso mesmo, também se preverteu a escolha voluntária em que se obstina. Mesmo que Deus lhe oferecesse o único

caminho de regresso, que é o da humildade e da obediência, o obstinado recusaria este único caminho (1).

Objectou-se ainda: mas os obstinados, uma vez que têm conhecimento da sua infelicidade, poderiam voltar ao seu juízo prático e à sua escolha, que continua livre.

A teologia responde, por intermédio de São Tomás (2) : os condenados não são instruídos pràticamente e efectiva­

mente acerca da sua infelicidade. Sem dúvida, gostariam

de não sofrer, mas jamais querem voltar a Deus, porque

só haveria um caminho possível, o da humildade e da obe­ diência e eles não querem seguir este caminho. Se o Senhor

lhes facultasse, não o seguiriam. \

Não se arrependem dos seus pecados como faltas — diz São Tomás (/) — mas apenas como causa dos seus sofri­ mentos. N ão sentem o arrependimento, que leva a pedir perdão, nutrem apenas remorsos que os conservam na re­ volta. Ora, entre estes dois sentimentos interpõe-se um abismo.

Objecta-se m ais: é incrível que o próprio demónio tenha preferido o seu isolamento orgulhoso à felicidade sobrena­ tural, à visão de Deus, bem infinitamente superior às amargas alegrias do orgulho.

A teologia responde, apoiando-se na Revelação (2) : o demónio, por muito estranho que pareça, preferiu a sua vida intelectual natural, de que se embriagou, a sua felici­ dade natural e o seu isolamento orgulhoso a tender, pela via da humildade e da obediência, para a felicidade sobre­ natural, que não podia receber senão da graça de Deus e que teria recebido em comum com os homens inferiores a ele. É próprio do orgulhoso comprazer-se na sua própria * excelência, a ponto de rejeitar tudo o que parece restringi-la. D e facto, encontram-se homens que preferem o estudo da matemática ou da filosofia racionalista ao Evangelho, incomparavelmente superior. Preferem-nos, a ponto de negarem todos os milagres que confirmam o Evangelho e a vida da Igreja, e muitas vezes, permanecem durante toda a vida nessa negação (3). Outros, como Lamennais, sepa­ ram-se da Igreja porque a querem defender á sua maneira

C1) N a vida presente verifica-se qualquer coisa de semelhante: uma doença congénita dura por toda a vida. Muitas vezes acontece o mesmo quando se abraça um estado de vida permanente. Por exemplo, se se entra cristãmente no estado do matrimónio, a boa disposição que se tinha ao entrar nele vè-se confirmada; e também, muitas vezes, se nele se entra mal, a má disposição persiste e torna-se habitual. D o mesmo modo, se se abraça a vida religiosa por um excelente m o­ tivo e, infelizmente também, se se abraça por um motivo humano. Veja adiante cap. VI: o conhecimento da alma separada, capítulo que confirma o que se acaba de dizer.

(2) Supplementum, q. 98, a. 2.

-“V ) Ibid.

(2) Cfr. SÃo Tom á s, I, q. 63, a. 3.

(3) Cita-se-lhes os milagres dc Cristo, os milagres mais recentes, os de Lourdes. E eles respondem: toda a gente faz milagres. Não querem ver a seriedade com que médicos e teólogos examinam os milagres exigidos pela Sagrada Congregação dos Ritos para a beati­ ficação e canonização dos servos de Deus. N o entanto, seria fácil informarem-se da seriedade de um tal exame. Rejeitam-se muitos milagres prováveis, apenas se aceitam os certos.

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c nãc como ela deve ser defendida; julgam-se mais sábios que ela, e depois de se terem exaltado, os infelizes caem por orgulho. Iaso permite entrever o que foi o pecado do anjo, pecado que inspira o do naturalismo.

Que concluir pràticamente? Que é da maior importância nunca adiar para mais tarde a conversão; poderia ser-se surpreendido pela morte. O nosso último acto livre, antes de

morrer, decidirá da nossa eternidade, feliz ou infeliz.

Vai a urgência de rezar pelos que parecem longe de Deus e é mesmo útil mandar celebrar missas, para que obtenham a graça da boa morte, como recomendou Bento XV.

Conhecemos um homem que tinha progredido muito na vida cristã. D e repente, afastou-se de Deus. Depois de perder a mulher e a única filha, autêntico anjo de piedade, viu-se assaltado por terrível tentação de desespero durante vários meses. Queria suicidar-se. N o dia em que o ia fazer, no momento em que, em Tulle, ia precipitar-se de uma ri­ banceira, a irmã e as carmelitas rezavam fervorosamente por ele. Ia dar a niorte a si mesmo, quando lhe apareceu o Senhor, de olhar triste e suave, e o chamou pelo nome do baptism o: «José». Em presença desta misericórdia de Deus, José Maisonneuve (era esse o seu nome) compreendeu que a redenção também era para ele. Converteu-se imediata­ mente, tornou-se um homem humilde de coração, expiou as suas culpas com grandes penitências até à última hora e morreu em odor de santidade. Chamam-lhe o santo de Tulle e, depois da morte dele, obtiveram-se pela sua inter­ cessão curas que parecem verdadeiramente miraculosas 0 . Ora, este santo convertido tinha na mesma cidade de Tulle um amigo que levava uma vida bastante irregular. Rezava todas as noites com os braços em cruz e fazia ásperas penitências pela sua conversão. Um dia, soube que este

C1) Há uma biografia dele: Joseph Maisonneuve, par un ancien

Superieure des Missionaires diocesains de Tulle, Tulle, 1935.

No documento O Homem e a Eternidade (páginas 44-49)