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Concílio de Latrão definiu: «Ressuscitarão todos com o corpo que tiveram na terra, para receberem' aquilo

No documento O Homem e a Eternidade (páginas 158-164)

que mereceram segundo as suas obras, boas ou más».

A ressurreição universal é de fé. Esta ressurreição requer, ao menos para que haja identidade do corpo ressuscitado, que este corpo tenha a mesma alma individual que o informa e vivifica. Segundo alguns (2), isto basta, porque a alma com o forma substancial dá ao corpo a vida 'específica, e até a actualidade a que chamam corporiedade. Os seguidores de São Tomás sustentam no entanto que deve ser também o mesmo corpo, isto é, pelo menos uma parte da matéria que houve nele. Doutro m odo com o se poderia dizer que

(x) São Tomás, Suppl., q. 75-86.

(2) É a opinião de Durand e de São Pourçain, retomada por alguns autores modernos.

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cada um ressuscita «com o próprio corpo que teve na terra», com o afirma o IV Concílio de Latrão? Como se poderia afirmar que este corpo individual ressuscita? O

São Paulo diz: «Importa que este corpo corruptível que agora tenho, seja revestido de incorruptibilidade, que este corpo mortal seja revestido de imortalidade». «Oportet cor- ruptibile hoc induere incorruptibilitatem, et mortale hoc induere imortalitatem» (I Cor., XV, 53).

N o catecismo do Concílio de Trento C2) encontra-se a este respeito: «Cada um de nós ressuscitará com o corpo que tivemos na terra e que terá sido corrompido no túmulo

e reduzido a pó». Assim o parecem indicar a Escritura e a

Tradição.

N o Antigo Testamento podemos ler: «Revestido da .minha pele, na minha própria carne verei o meu Deus. Eu

(x) Cfr. SÃo Tomás, Suppl., q. 79, a. 1, 2, 3 (ex. IV Sent., d. 44, q. 1, ■ a. 1): a. 1: «Si non est idem corpus quod anima resumit, nec dicetur «ressurrectio, sed magis novi corporis assumptio» — a. 2: «Oportet quod >idem hom o numero ressurgat; et hoc quidem fit, dum eadem anima mumero eidem corpori numero conjungitur, alias enim n onesset ressurre- ■ ctio proprie, nisi idem hom o repararetur» .Cfr. ibid. a. 3. C. Gentes, IV, •c. 80, Tabula aurea, vox: ressurrectio, 11-12. Cfr. E. H u g o n , Tractatus

■ dogmatici, D e novissimis, p. 470. Todavia, com o o nosso organismo,

sem perder a sua identidade, se renova por assimilação e desassimi- lilação, basta que uma parte da matéria que pertenceu ao nosso corpo -volte a animar-se no corpo ressuscitado, para que a identidade deste í fique assegurada. Por isso São Tomás (C. Gentes, IV, c. 81) responde :às objecções que é costume oporem-se neste ponto. Por vezes, os antropófagos alimentam-se, sem dúvida, de carne humana, mas não -constitui o seu único alimento. A s plantas, nos cemitérios, assimilam

a m a té ria d o s cad á v e re s e m d eco m p o sição e d e p o is serv em , p o r vezes, -d e a lim e n to a o u tr o s h o m e n s , m a s a m a té ria d estas p la n ta s n ã o p ro v é m ü n ic a m e n te d estes ca d á v e re s. C fr. H e r v é , Manuale theol. dogm., t. IV, n.° 636. Finalmente, não é impossível à infinita sabedoria e à

sua om nipotência encontrar a matéria dum corpo desaparecido para o ressuscitar. Cfr. M o n s a b r é , Conférences de Notre-Dame, la Réssur- irection (1889), p. 218 e segs.

(a) Loc. cit.

mesmo o verei, os meus olhos o hão-de contemplar, e não os de outro» O). «Que os teus mortos voltarão à vida, seus cadáveres ressuscitarão! Acordai e dai gritos de alegria... A terra restituirá à luz do dia os seus antepassados» (2). «Muitos daqueles que dormem no pó levantar-se-ão, uns para uma vida eterna, outros para um opróbio, para uma infâmia eterna» (3). N o Livro II dos Macabeus (VII, 9) um dos mártires exclama para o juiz: «celerado como és, ti­ ras-me a vida presente, mas o Rei do universo ressuscitar- -nos-á para uma vida eterna, a nós que morremos por sermos fiéis às suas leis».

Jesus defende a ressurreição da carne contra os sadu- ceus: «N ão temais aqueles que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode lançar no inferno a alma e o corpo» (4). E mais adiante: «Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes o que Deus vos disse: «Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? Ora, ele não é- Deus dos mortos, mas dos vivos» (®).

Jesus é ainda mais explícito no Evangelho de S. João (V, 29): «Virá tempo em que todos os que se encontram nos sepulcros ouvirão a voz do filho de Deus. E os que tiverem feito obras boas sairão para a ressurreição da vida; mas os que tiverem feito obras más sairão ressuscitados para a condenação». «O que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu ressuscitarei no último dia» (6).

São Paulo prova a possibilidade da ressurreição dos mor­ tos pela ressurreição de Jesus Cristo: «Se os mortos não res­ suscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não

(i) Jo b , XIX, 25-27, C2) I s a ía s , XXVI, 19. (*) Dan iel, XII, 2. 0») Cfr. Mat., V, 29-30; X, 28. (6) Ibid., XXII, 23-32. (6) Ibid., VI, 55.

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ressuscitou, é vã a vossa fé porque ainda permanecereis nos vossos pecados (*). «Assim como a morte veio por um só homem, também por um só homem veio a ressurreição dos mortos. E, assim como todos morreram em Adão, também serão todos vivificados em Cristo. Mas cada um em sua ordem... o último inimigo a ser destruído é a mor­ te...» (2). O mesmo São Paulo anuncia a este mistério pe­ rante os atenienses í3), perante o governador Felix (4) e aos tessalonissenses (5).

Os Padres da Igreja do século II são muito explícitos a respeito deste dogma (6), e os mártires, ao morrer, anun­ ciam-no (7).

*

* *

A razão não nos pode facilitar uma prova apodítica desta verdade revelada, mas fornece-nos elevadas razões de con­ veniência. Estas razões dizem respeito à alma e ao corpo, por um lado, e a Deus e finalmente a Cristo por outro. Apa­ recem formuladas da seguinte maneira no Catecismo do Concílio de Trento (loc. c it.).: «Temos, como primeira razão, que as nossas almas, que não passam de uma parte de nós

(]) Cfr. I Co r., XV, 17. (2) Ibid., XV, 21-27.

(s) A p o s t. X V ll, 31-32.

(4) Apo st, X X IV, 15-21.

(5) I Tess., IV, 17. V., também, Ap o c., X X I, 4.

(9) Atenágoras, Teófilo de Antioquia e Tertuliano íalam dele abundantemente, assim com o São João Crisóstomo, Santo Agostinho e São Gregório. Cfr. Ro u e td e Jo u r n e l, Enchiridion Patristicum, index

theologicus, n.° 598-600: mortui resurgent, et quidem omnes cum eodem corpore.

(7) C fr. Ru in a r t, Acta M artyrum, pág. 70.

mesmos, são imortais e conservam sempre a propensão natural

para se unirem aos respectivos corpos» (x).

I Sendo assim, parece que seria contrário à natureza

estarem separadas deles para sempre. Ora, o que é contrário à natureza e se encontra como que num estado de violência, não pode durar sempre. Há, portanto, toda a conveniência em que a alma se una ao corpo e que este ressuscite (2). j A alma é naturalmente a forma do corpo; eis a razão porque

teme separar-se dele; não deve, pois, ser privada do corpo para sempre (3).

«Segunda razão: a Justiça infinita de Deus estabeleceu

na outra vida castigos para os maus e recompensas para os bons... Convém, pois, que as almas sejam de novo unidas

ao corpo, para que estes corpos, que serviram de instru­ mentos para a prática do bem ou do mal, compartilhem com

as respectivas almas as recompensas ou os castigos que mere­ ceram. São João Crisóstomo desenvolveu este pensamento,

com o máximo cuidado numa homilia ao povo de Antio­ quia» (4).

(*) É que a nossa inteligência, a última das inteligências criadas, tem por objecto próprio a verdade inteligível conhecida no espelho das coisas sensíveis. Por isso tem necessidade, normalmente, do con- .curso da imaginação, que não existe actualmente sem um órgão,

sem o corpo.

(2) Cfr. São Tom ás, C. Gentes, 1. IV, c. 79.

(3) O que acabamos de dizer significa uma refutação da metem-

L psicose, que defende a possibilidade de uma alma passar de um corpo

I a outro, quer se trate de um corpo de animal irracional, quer de um f corpo hum ano; por exemplo, a alma de Pedro viria do corpo de Paulo, f ®ra *ss0 n ^° pode ser, porque a alma humana tem uma relação essen-

com um corpo humano, e não com um corpo de animal irracional;

ij além disso, esta alma individual tem, por si mesma, uma relação com - certo corpo individual e não com qualquer outro. As almas separadas | permanecem individualizadas pela sua relação com o próprio corpo

ívíí <lue um dia reanimarão. O corpo de Pedro foi querido por Deus para a alma de Pedro e não para a de Paulo. É este o sentido profundo da individualidade das almas e dos corpos.

(4) Homilia, 49 e 50.

O corpo dos maus tomou parte nas obras de iniquidade e nas paixões criminosas; o dos bons esteve ao serviço da alma no cumprimento das boas obras, por vezes heróicas, na dedicação, no apostolado, nos sofrimentos do martírio. Além disso, o corpo dos justos foi templo do Espírito Santo, como diz São Paulo. A ressurreição do corpo representa uma condição para que nada falte à felicidade da alma. Mais uma vez sobressaem a justiça, a sabedoria e a bondade de Deus.

Terceira razão: Cristo venceu o pecado e o demónio, portanto, a morte, consequência do pecado. Alcançou esta vitória sobre a morte pela sua própria ressurreição e pela da sua Mãe, momentos antes da Assunção. Para que Ele seja o salvador da humanidade, corpo e alma, convém, pois, que alcance a vitória definitiva sobre a morte, através da ressurreição universal.

O Catecismo do Concílio de Trento diz a este respeito (loc. c it .') «Admirável restauração da nossa, natureza, graças à vitória de Jesus Cristo sobre a morte. A Escritura é explí­ cita neste ponto: Aniquilará a morte para sempre, diz Isaías, falando de Jesus Cristo 0 . Oseias põe na sua boca estas palavras: «Morte, eu serei a tua morte» (a). São Paulo ao explicar esta frase, não hesita em afirmar que «depois dos restantes inimigos, será destruída a própria morte» (®).

Lê-se em São João: «Deixará de haver morte» (4). Com efeito, havia a máxima conveniência em que os méri­ tos de Jesus Cristo, que destruíram o império da morte, fossem infinitamente mais eficazes e mais poderosos que o pecado de Adão. (B). f1) Is a ía s ., X XV, 8 . (2) O seias, XIII, 14. (3) I Cor., XV, 26. (4) A p o c ., X X I, 4. (5) Heb., II, 14. AS PROPRIEDADES DOS CORPOS GLORIOSOS São Paulo, (I Cor., XV, 42), diz: «O esplendor dos corpos celestes é de natureza diferente do dos corpos terrestres: são diferentes o esplendor do sol, o da lua e o das estrelas e mesmo entre as estrelas, o esplendor é diferente em cada uma delas. Acontecerá o mesmo com a ressurreição dos mortos. Semeado na corrupção, o corpo ressuscita incor­

ruptível', semeado na ignomínia, ressuscita glorioso-, semeado

n a fraqueza, ressuscita cheio de força-, semeada corpo animal, ressuscita corpo espiritual (ou subtil)».

Segundo esta doutrina, os teólogos distinguem quatro qualidades principais dos corpos gloriosos: a impassibili­ dade, a subtileza, a agilidade e a claridade.

A impassibilidade é o dom que os preserva não sòmente

da morte, mas também da dor O - Derivará da perfeita submissão do corpo à alma (■).

A agilidade livrará o corpo do peso que, por vezes, o

sobrecarrega na vida presente. Poderá, graças a ela, deslo­ car-se para qualquer parte que agrade à alma, à semelhança da águia, segundo a expressão de São Jerónimo (3).

A subtileza torná-lo-á capaz de penetrar os outros corpos,

sem dificuldade; o corpo glorioso de Cristo ressuscitado entrou no cenáculo, embora as portas estivessem fechadas (4).

A claridade dará ao corpo dos santos o brilho ou es­

plendor que é a própria essência da beleza. Jesus diz: «Os justos resplandecerão como o sol no reino do meu Pai»

{M at., XIII, 43) e para dar uma ideia desse brilho, trans­

figurou-se, diante de três apóstolos, no Tabor {M at., XVII, 12). São Paulo diz, também: <Jesus Cristo transformará o nosso

[ C) Cfr. S ão Tomás, Suppl., q. 83, a. 1; q. 84; q. 85. (2) D e Civ. Dei, L. XI, 10.

(3) Comm, in Isaiam, c. 40. (4) Cfr. S ão Tomás, Suppl., q. 83.

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corpo de miséria, fazendo-o semelhante ao seu corpo glo­ rioso» (Fil., III, 21). Os israelitas, no deserto, viram uma imagem desta glória na fronte de Moisés, quando, depois de ter visto a Deus e ter recebido a sua palavra, apareceu diante deles com um rosto tão luminoso que os seus olhos não podiam suportar tal brilho.

Esta claridade não passa de um reflexo ou redundância da glória da alma sobre o corpo (-1) e, portanto, os corpos dos santos não terão todos o mesmo grau de claridade, mas sim o grau proporcionado a luz da glória e da caridade, por sua vez correspondente aos seus méritos. São Paulo também diz, como vimos, que «assim como uma estrela é diferente de outra em claridade, assim acontecerá na ressur­ reição dos mortos» (I Cor., XV, 41).

Os nossos sentidos inundar-se-ão de um gozo puríssimo e inefável ao contemplarem a humanidade de Jesus, a Bem­ -aventurada Virgem Maria, os corpos dos saritos, toda a

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acompanharão o culto de adoração e de acção de graças da cidade de Deus. Eis o que será a bem-aventurança acidental do céu, após a renovação do mundo O2).

O C fr. S ã o T o m ás. Suppl., q. 85, a. 1.

(2) Isaías, L X V , 17, j á a n u n c ia « n o v o s céus e u m a n o v a te r ra » . O A p o c a lip s e , X X I, i , re p e te -o . A I I Epístola d e S. P e d r o , II I, 10, ex p lica-o , a o d izer t « C o m o u m la d r ã o v ir á o d ia d o S e n h o r, n o q u a 1 p a s s a rã o o s céu s co m g ra n d e e s tro n d o , o s elem en to s, c o m o c a lo r d isso lv er-se-ão e a te r ra e to d a s as a lm a s q u e h á n e la se rã o q u e im a d a s... N ó s e sp e ra m o s, seg u n d o a s u a p ro m e ssa , n o v o s céus e u m a n o v a te r ra , n o s q u a is h a b ite a ju stiça» . P o r o u tr o la d o , a ciên c ia c o n s t a ta , n a ro b u s ta c o n stitu iç ã o d o m u n d o , o s s in to m a s d a crise q u e o h á - d e v itim a r. E la d e sc o b re n a s p ro fu n d e z a s d o firm a m e n to a c h u v a d e a s tro s c o m q u e so m o s a m e ç a d o s: a p a ra g e m b ru s c a d o s m o v im e n to s celestes p o d e rá , p e la tr a n s fo r m a ç ã o d a s fo rç a s, p r o d u z ir u m a c o n ­ fla g ra ç ã o e n o rm e . C fr. M o n s a b r é , Conférences de Notre-D am e, 101.° C o n f., 1889.

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Que frutos podemos nós colher, aqui na terra, do conhe­ cimento deste mistério, a que, por natureza, não tínhamos, o direito de aspirar? O Senhor dignou-se «revelar estas coisas aos humildes, enquanto as escondeu aos prudehtes e aos sábios» (M at., XI, 26). Primeiro, devemos agradecer-lhe a infinita bondade. Depois, ver em tudo isto um estímulo para reprimir as más paixões que serão castigadas no corpo e na alma, e para levar uma vida santa, como o Senhor espera de nós nas condições em que nos encontramos. Fi­ nalmente, o pensamento da ressurreição futura deve cons­ tituir uma consolação para nós, ao morrer e ao ver morrer as pessoas da nossa família. N o decorrer da vida presente, este mesmo pensamento representa uma consolação no meio dos sofrimentos. Era assim que Job sentia consolação nas suas infelicidades com a esperança de ver o Senhor, seu Deus, no dia da ressurreição (Job, XIX, 26). O esplendor que por vezes aparece no rosto dos santos — caso, por exemplo, de Domingos e de Francisco — não passa do pre­ lúdio do esplendor da eternidade (x).

C1) A história relata que os heréticos quiseram matar São Domingos e esperaram-no em Fanjeaux, à beira do caminho em que ele devia passar; mas, quando ele apareceu, irradiava tal luz dos contornos do seu corpo que não lhe tocaram. Esta luz era o reflexo sensível da contemplação que o unia a D eus e o salvou, salvando, também, a Ordem que tinha intenção de fundar.

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