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DESCRIÇÃO DO ESTADO DAS ALMAS DO PURGA­ TÓRIO POR SANTA CATARINA DE GÉNOVA

No documento O Homem e a Eternidade (páginas 122-126)

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DESCRIÇÃO DO ESTADO DAS ALMAS DO PURGA­ TÓRIO POR SANTA CATARINA DE GÉNOVA

A f ia n ç a m os biógrafos que Catarina de Génova ditou

em êxtase o seu Tratado do Purgatório; ditava o que via e experimentava (*). Os teólogos sempre apreciaram muito este tratado, por encontrarem nele um precioso complemento daquilo que a ciência teológica pode dizer (2). Em vez de analisar apenas o aspecto negativo do purgatório, de se ficar no afastamento dos obstáculos, a santa observa de preferência o lado positvo, que conhecia por experiência. * Sublinharemos os traços desta descrição que nos parecem

mais significativos.

«Cap. I. As almas do purgatório não têm outra alterna­ tiva, a não ser ficarem onde estão, visto ter sido isso que

(1) S a n t a C a t e r i n a d a G e n o v a , del Terzordine (Vancesc., 1447­ -1510: Trattato dei purgatorio, Edizione de «Vita Francescana», Frati minori Cappuccini, Genova, 1929. C fr. Dictionaire de spiritualilé, art. Sainte Catherine de Gênes, col. 304, e segs. . . . .

(2) Catarina de Génova nascida em 1447, da ilustre família Fieschi, rqçpbeu graças especiais quando era ainda muito nova; «aos oito anos de idade, teve a inspiração de dormir em cima de palha, colo­ cando debaixo da cabeça uma caixa dura». (Vita de 1551, cap. I). A os doze anos, recebeu o dom da oração; aos treze anos, sentindo muito viva a vocação religiosa, pretendeu tomar o hábito das cano­ nizas de Latrão, no convento em que a sua irmã Limbania já tinha entrado. Por causa da tenra idade, não foi recebida, apesar das ins­ tâncias do seu confessor. (Cfr. Diet, de spiritualité, art. Sainte Cathe­ rine de Gênes).

A os 16 anos, para fazer a vontade aos pais, casou com Julião

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' Deus ordenou... Não podem nem pecar, nem merecer pelo facto de se absterem de pecar.

Cap. II. Não há paz comparável à delas, a não ser a dos santos no céu, e tal paz cresce incessantemente por in­ fluência de Deus, à medida que os impedimentos vão desa­ parecendo. Tais impedimentos são como que ferrugem e a felicidade das almas aumenta à medida que esta ferrugem diminui.

Cap. III. Deus aumenta nelas o desejo de o verem e acende-lhes no coração um fogo de caridade tão poderoso que se lhes torna insuportável depararem com um obstáculo entre elas e o seu fim.

Cap. IV. No fim da vida terrena, a alma permanece para sempre confirmada no bem ou no mal que escolheu. As almas do purgatório encontram-se, portanto, confir­ madas na graça.

Cap. V. Deus castiga menos os condenados do que eles merecem.

Cap. VI. As almas do purgatório conformam-se perfei­ tamente com a vontade, de Deus.

Adorno. A escolha fo i infeliz, porque ele era um homem violento e de costumes levianos, ao passo que ela erai piedosa e recolhida.

Durante cinco anos de aridez profunda, Catarina padeceu de uma tristeza sem remédio (Vita, cap. I), enquanto o marido delapi­ dava o património e a família conhecia a angústia financeira. Aquela que tinha sido chamada a uma vida de grande santidade sentiu, então, após cinco anos de aridez, uma espécie de desânimo e, para o es­ quecer, entregou-se às ocupações exteriores e passou a tomar gosto às delícias e às vaidades do m undo» {Vita, cap. I). Lá pecar mortal­ mente nunca deve ter pecado, mas um grande tédio se apoderou do seu coração.

N um dia de grande depressão moral, rezou a São Bento, na Igreja que tem o nome deste santo e, pouco depois, devido ao conselho da sua irmã religiosa, fo i confessar-se. {Vita, cap. II). Foi então que se

deu a sua conversão. ^

Eis com o Fra Paolo de Savone relata esta conversão: «Logo | que se ajoelhou no confessionário, foi imediatamente tocada por um I

Cap. VII. Sentem-se tão fortemente atraídas para Deus que nenhuma comparação pode exprimir tal atracção. Ima­ ginemos, todavia, um único pão para matar a fome a todas as criaturas humanas e que bastava vê-lo para a fome ser satisfeita.

Cap. VIII. O inferno e o purgatório manifestam a sabe­ doria admirável de Deus. No próprio instante em que a alma se separa do corpo, ela dirige-se para o lugar que lhe corresponde e que lhe assinalam. Mesmo a alma em pecado mortal, não encontrando lugar mais próprio para si, preci­ pita-se por si mesma no inferno... A alma justa, que ainda não tem a pureza necessária para a união divina, lança-se voluntàriamente no purgatório para ser purificada.

Cap. IX. Pelo que diz respeito a Deus, vejo que o céu tem portas e pode entrar nele quem quiser, porque Deus é todo bondade; mas a essência divina é tão pura que a alma, se nota em si qualquer impedimento, precipita-se no * purgatório e encontra esta grande misericórdia: a destruição

de tal impedimento.

Cap. X. A maior pena destas almas consists em terem

imenso amor a Deus, acompanhado da visão perfeita da sua miséria e da bondade de Deus». Com este sentimento de imenso amor, de contrição e de reconhecimento, ficou purificada, caiu por terra e teve de interromper a confissão, que só terminou no dia seguinte. Jesus, para a transportar a uma mais viva contrição, apareceu-lhe de cruz às costas. D eu, então, início a uma penitência heróica, até que, um dia, D eus lhe fez compreender que já tinha satisfeito a justiça divina. Ela, então, ecxlamou: «se eu retrocedesse, gostaria que, com o castigo, m e arrancassem os olhos; e seria pouco, porque retroceder equivale a perder os olhos da alma, incomparàvelmente mais pre­ ciosos que os olhos do corpo». Obteve a conversão do marido e de­ dicaram-se ambos aos cuidados dos doentes no hospital principal de Génova. Levou, então, uma vida de intensa união com D eus e sofreu muito para livrar as almas do purgatório pelas quais rezava. Um fogo misterioso torturava a sua carne e fazia-lhe experimentar uma fom e e uma sede extraordinárias. Teve êxtases e dores, durante as quais ditou o seu Tratado do purgatório, tão breve com o substancial.

pecado contra a divina Bondade e terem ainda em si como que uma ferrugem, que são restos do pecado.

Cap. XI. A alma vê que Deus, pelo seu grande amor e Providência constante, jamais deixará de a atrair à sua última perfeição. Vê também que, ligada pelos restos do pecado, não pode por si mesma corresponder a esta atracção. Se encontrasse um purgatório mais penoso, no qual podesse ser mais ràpidamente purificada, mergulharia nele imediata­ mente.

Cap. XII. Vejo raios de fogo que purificam as almas como o ouro no cadinho é libertado das suas escórias. Quando a alma fica completamente purificada, o fogo já nada tem a queimar; e se ela se aproxima dele não sentirá dor alguma.

Cap. XIII. O seu desejo de ver a Deus é tão ardente e tão poderosamente reprimido, que se torna um tormento para ela... Deus, pela sua misericórdia, esconde-lhe conse­ quências do pecado, que ainda restam nela, e quando esti­ verem destruídas, dar-lhas-á a conhecer, para que compre­ enda a acção divina que lhe restituiu a pureza. (Eis um ponto que não se lê nos escritos dos teólogos!)

Cap. XIV. O amor divino, ao subjugar estas almas, confere-lhes uma paz indescritível. Têm, assim, grande alegria e grande pena, uma não diminui a outra.

Cap. XV. Se ainda pudessem merecer, bastaria um só acto de arrependimento para se libertarem da sua dívida, em virtude da intensidade deste acto. Elas sabem, que nem um óbulo sequer lhes será perdoado; eis o decreto da jus­ tiça divina. E se a favor delas são oferecidos piedosos su­ frágios por pessoas deste mundo, tal facto só as alegra de harmonia com a vontade de Deus e sem amor próprio.

Cap. XVI. Enquanto a purificação não estiver concluída, estas almas compreendem que, se se aproximassem de Deus pela visão beatífica, não estariam no seu lugar e por isso sentiriam um maior sofrimento do que se permanecessem no purgatório.

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Cap. XVII. Esclarecidas, assim, a respeito da necessidade da reparação, gostariam de dizer aos mortais: «Ó criaturas miseráveis, porque vos deixais cegar de tal modo pelas coisas transitórias, que não fazeis nenhum aprovisionamento para a grande necessidade que cairá sobre vós: Dizeis: «con- fessar-me-ei, ganharei uma indulgência plenária e serei salva». Lembrai-vos que a confissão completa e a perfeita contrição requeridas para ganhar a indulgência plenária ' não se atingem assim fàcilmente. .

Cap. XVIII. Estas almas sofrem tão voluntàriamente as suas penas que não desejariam o menor alívio, por conhe­ cerem quão justas são.

Cap. XIX. Esta espécie de purificação a que vejo sujeitas as almas do purgatório, experimentei-a em mim mesma du­ rante dois anos... Tudo o que constituía para mim um alívio corporal ou espiritual foi-me tirado gradualmente... Final­ mente, para concluir: vede bem que tudo o que é humano o nosso Deus todo poderoso e misericordioso transforma-o * radicalmente. Não é outra a obra que se leva a cabo no

purgatório».

*

* *

Outra mística, a Madre Maria de Santo Agostinho, reli­ giosa inglesa das auxiliadoras do purgatório, comparou as almas da Igreja purgante a Maria Madalena ao pé da Cruz (x).

Escreveu ela o seguinte: «Maria Madalena, ao pé da crtfz, não se via porventura envolta nesta luz tão penetrante (graças à qual as almas do purgatório vêem a malícia do pecado)? Estava diante do Crucificado como diante de um

(x) M a t h e r M a r y o f St. A g u s ti n , The divine Crucible o f Pur­

gatory, Helper o f the H oly Souls, Revised and edited by Nicolas

Ryan. N ew York, 1940, pág. 61.

espelho vivo (a dor do Salvador passava para ela) e perma­ necia imóvel, com os olhos erguidos para ele. A sublimidade da revelação que então recebeu ultrapassava toda a palavra, todo o pensamento, todo o sentimento. A santidade inefável, a imensa dor e a paz de Cristo, reflectiam-se nela e envol­ viam-na. Aquelas três horas no Calvário foram o seu dolo- rosíssimo purgatório; no entanto, ela gostaria lá de trocar um só momento desta união dolorosa por todas as alegrias do Tabor! Em Jesus, e por Ele, ela expiava as suas próprias faltas e, apesar disso, todo o pensamento de si mesma desa­ parecia. Estava como que submersa e perdida na contem­ plação da Luz (do Verbo feito carne), que sofria pelos peca­ dores do mundo. Era mais por Ele que por si mesma que ela compreendia o que o pecado significava para Deus e para o homem. Este quadro constitui uma verdadeira imagem das almas do purgatório. Esta cena do Calvário mostra a penetração da luz divina nas suas trevas e a sua capacidade silenciosa de recepção relativamente a esta luz que desce com todas as dores de Jesus crucificado. Faz também sobres­ sair a dor purificadora e pacificante que encontram as pes­ soas que vivem sob a influência da santidade daquele que apaga os pecados do mundo».

Tudo isto leva-nos a pensar cada vez mais que a puri­

ficação passiva dos sentidos e do espírito, descrita por São João

da Cruz, deve ser feita, tanto quanto possível, na vida ter­ rena com mérito, para que não seja necessário sofrê-la sem

mérito, depois da morte. E, portanto, devemos aceitar gene­

rosamente, por amor de Deus, as contrariedades da vida presente; se assim for, a reparação far-se-á com mérito e aumento de caridade, de maneira a obter no céu uma visão de Deus mais penetrante e um amor a Deus mais intenso e mais forte para a eternidade. Mas, de facto, as almas que conseguem escapar de todo ao purgatório são, decerto, muito poucas pois foi revelado a Santa Teresa que, dos muito bons religiosos que ela tinha conhecido, só três o tinham evitado completamente.

O PURGATÓRIO

No documento O Homem e a Eternidade (páginas 122-126)