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No documento O Homem e a Eternidade (páginas 49-54)

amigo acabava de disparar um revólver contra si mesmo, mas ainda não tinha morrido. Foi imediatamente ter com ele. O moribundo teve ainda vinte e quatro horas de vida. José Maisonneuve exortou-o tão bem que se arrependeu e teve uma morte cristã.

O que importa é morrer bem. Lembremo-nos da palavra do Senhor: «Quem não é po r mim é contra mim» i 1). Mas também é verdade e Jesus disse-o aos Apóstolos: «Quem

não é contra vós é p o r vós» (M arc., IX, 39). Aqueles que

procuram sinceramente a verdade religiosa correspondem desde já à graça actual que os leva ao bem. Começa a veri­ ficar-se neles esta palavra interior ouvida por São Bernardo e repetida por Pascal: «Tu não me procurarias se não me

tivesses já encontrado». Apreciaremos assim, cada vez m e­

lhor, as palavras de São João da Cruz: «Na noite da nossa

vida, seremos julgados pelo amor», pela sinceridade do nosso

amor a Deus.

NOTA

Será concedida aos homens, antes de morrerem, uma

visão panorâmica da sua vida passada, espécie de graça

suficiente para se converterem? Certas pessoas, que estive­ ram prestes a afogar-se, afirmam ter recebido esta intuição. A verdade é que há diferentes espécies de mortos, desde os mais santos, aos quais uma revelação anuncia algumas vezes o dia e a hora, até aos fariseus, a que Jesus disse: «pjorrereis no vosso pecado».

A imobilidade da alma, quer no bem quer no mal, começa, como vimos, livremente, na vida presente e acaba

(’) N a actual economia da salvação, todo o homem se encontra ou em estado de graça ou em estado de pecado. Por outras palavras: convertido a Deus ou afastado dele.

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por um acto livre (rfe barrponia com o precedente) no pri­ meiro instante do estado de separação do corpo. Isto es­ clarece a questão que agora nos ocupa.

Com efeito ji nbstinnçno pode começar muito femoo "rites da movte, como nroniece com os necadores endure­ cidos, e este® infelizes podem ver-se surpreendidos por uma morte súbita, mesmo a dormir, sem gozarem da visão pa­ norâmica da sua vida passada nem tempo para se conver­ terem antes de morrer. Aí temos o castigo desta culpa espe­ cial que consiste em adiar sempre para mais tarde a conversão ou mesmo em não querer converter-se de m odo nenhum.

Outros pecadores, que não se endureceram, recebem graças actuais mais frequentes a fim de voltarem para Deus e, entre estas graças, situa-se talvez muitas vezes uma visão de conjunto da vida passada. Estamos perante um efeito especial da misericórdia divina, para os levar à conversão e impedir que se obstinem, sobretudo se vão morrer de morte imprevista, quase súbita.

Outros homens encontram-se em estado de graça, mas são fracos e vão encontrar-se em circunstâncias difíceis antes da morte. Nessa altura, é possível que Deus, na sua misericórdia infinita, lhes conceda muitas vezes uma vista de conjunto da vida passada, para os induzir a perseverar, não obstante as dificuldades do caminho.

Isto parece conforme à misericórdia de Deus «que não quer a morte eterna do pecador, mas que ele se con­ verta». (Ezeq., XXXIII, 11). Podem citar-se os textos da •Escritura onde se exprime a vontade salvífica universal. Deus quer a salvação de todos e por isso inspirou a seu Filho sofrer por todos na cruz. Esta resposta harmoniza-se também com muitas revelações privadas e com a experiência de muitos daqueles que estiveram prestes a morrer subita­ mente.

Todavia, não se deve abusar por presunção do que acaba de dizer-se, adiando sempre para mais tarde a con­ versão. Pode abusar-se também, neste ponto de vista, dos

melhores sinais da Misericórdia divina, por esquecer que Deus é, ao mesmo tempo, sumamente justo e que dará a cada um segundo as suas obras. Certamente, a Providência do Senhor é irrepreensível e jamais algum pecador se perdeu por falta de auxílio divino (')• Os juízos de Deus são sempre rectos, perfeitamente justos e a justiça não manifesta a sua severidade a não ser depois de se ter abusado da sua mise­ ricórdia.

0 ) Nunquam hom o peccavit ex insufficientia auxilii divini. Isso derivaria de uma negligência divina. Ora, negligência divina envolve contradição nos termos. Se ela se tivesse produzido uma só vez que fosse, Deus deixaria de ser Deus, porque já não seria sábio. A sua prudência e a sua Providência seriam palavras vãs. E tais contradi­ ções constituem uma blasfémia evidente, que manifesta, à sua maneira, por contraste, o claro-escuro do mistério divino de que falamos.

O JUÍZO PARTICULAR

Acabámos de ver, no fim do capítulo anterior, que u existência do juízo particular afirmada pela Igreja, no seo Magistério ordinário, como objecto de fé, tem fundamenta na Escritura e na Tradição.

Certas razões teológicas confirmam esta existência do juízo particular. Convém realmente que haja uma sansão

definitiva logo que a alma esteja capaz de ser julgada por todos os seus méritos e deméritos, isto é, logo que o tempo do mérito tenha acabado. Ora isto acontece imediatamente

depois da morte.

D e resto, se tal juízo não existisse, ela permaneceria na

incerteza até ao juízo universal, o que parece contrário à

sabedoria de Deus, assim com o à sua misericórdia e à sua

justiça C1). ^

Q UAL A NA TU REZA DESTE JUÍZO PARTICULAR? Este juízo divino foi-nos revelado como análogo ao da justiça humana. Mas a analogia comporta semelhanças e diferenças. O juízo de um tribunal humano exige três coisas: o exame da causa, a emissão e a execução da sentença.

(l) Cfr. SÃo Tom ás, III, q. 59, a. 4, ad Im; a. 5. Suppl. q. 69, a. 2; q. 88, a. I, ad I“; C. Gentes, 1. IV, c. 91, 95.

No juízo divino, o exame da causa faz-se instantânea-

mente, porque não requer nem a deposição de testemunhas

pró e contra, nem a menor discussão. Deus conhece a alma por uma intuição imediata e a alma, no instante em que foi reparada do corpo, vê-sc imediatamente e fica esclarecida de uma maneira decisiva e inevitável sobre todos os seus méritos e deméritos. Ela vê, portanto, sem possibilidade de erro, o seu estado, tudo o que pensou, desejou, disse e fez, bem ou mal, todo o bem que omitiu. A sua memória e a sua consciência tornam-lhe presente toda a vida moral e espiritual, até mesmo os menores detalhes. Será então, o momento de ver com clareza tudo o que encerra a nossa

vocação particular ou individual, a de uma mãe, de um pai

ou de um apóstolo.

A sentença é pronunciada instantâneamente também, não

por uma voz sensível, mas de forma inteiramente espiritual, por uma iluminação intelectual que desperta as ideias adqui­ ridas e fornece as ideias infusas necessárias para ver todo o passado com um só olhar, e que reforça o juízo para o preservar de qualquer erro. A alma vê então espiritualmente que é julgada por Deus e, sob a acção da luz divina, a sua consciência versa sobre este mesmo juízo definitivo. Isto opera-se no primeiro instante da separação do corpo, de m odo que, desde que possa dizer-se que uma pessoa morreu, pode dizer-se também que foi julgada.

A execução da sentença é também imediata-, com efeito,

nada a pode adiar. D a parte de Deus, a sua omnipotência cumpre imediatamente a ordem da sua justiça; e, por parte da .alma, o mérito e o demérito, são — diz São Tomás — como a leveza e gravidade dos corpos. Desde que não haja obstáculos, os corpos pesados descem, e os corpos mais leves que o meio ambiente sobem imediatamente. Assim como os corpos naturais tendem para o seu meio natural,

f também as almas separadas se dispõem a receber sem

demora a recompensa relativa ao seu mérito (a menos que não devam sofrer ainda uma pena temporária no purga-

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lório) ou ^ pena eterna correspondente aos seus deméritos; cm poucas palavras: umas e outras encaminham-se para o fim dos seus próprios actos. Os Padres da Igreja compa­ raram muitas vezes a própriy caridade a uma chama que tipo c“nsa ">0 subir, enquanto o ódio desce sempre.

O juízo particular realiza-se, portanto, no instante da separação da alma e do corpo, no primeiro instante em que pode dizer-se: a alma está separada.

Acabou-se, por conseguinte, o tempo do mérito e do demérito. Doutro modo, uma alma do purgatório poderia ainda perder-se e uma alma condenada poderia ainda sal­ var-se. Portanto, as almas do purgatório atingiram o termo do mérito sem terem alcançado ainda a felicidade eterna. Estas almas em estado de graça permanecem livres, mas isso não basta para o mérito, porque uma das condições deste, segundo afirmam todos os teólogos, é ser-se ainda

viator, isto é, ir ainda a caminho.

N o momento do juízo particular, a alma não vê Deus intuitivamente. Se o visse desse modo, seria já bem-aven­ turada. Também não vê a humanidade de Cristo, salvo por um privilégio especial. Mas, através de uma luz infusa, conhece Deus como juiz soberano e também o Redentor como juiz dos vivos e dos mortos. Os pregadores, na expo­ sição desta doutrina, servem-se muitas vezes, a exemplo dos Padres, de símbolos, para a tornarem mais acessível a todos e mais penetrante. Mas como doutrina, reduz-se ao que acabámos de dizer.

Felizes as almas que tiverem passado grande parte do seu purgatório na terra, mediante a aceitação generosa das contrariedades quotidianas. Graças aos múltiplos sacri­ fícios de todos os dias, alcançarão um amor puro e perfeito, e é por ele que serão julgadas.

Há muitos graus na pureza do amor. São Pedro, antes da Paixão, parece ter praticado um acto de amor puro, quando assegurou a Jesus que estava disposto a morrer com Ele. Mas misturou este acto com a presunção; para o purificar

dela, a Providência permitiu a tripla negação de Pedro, donde saiu mais humilde, mais desconfiado de si mesmo, mais confiante em Deus. E, mais tarde, realizou um acto de amor puríssimo, quando se deixou conduzir ao martírio

desejou, por humildade ser crucificado de cabeça para baixo.

Como realizar, antes da morte, um acto de puro amor? «Não é fazendo esforços de pensamento ou intensificando a vontade que se consegue dar mais força ao amor, mas sim fazendo generosamente muitos sacrifícios, aceitando de bom grado as provações (*).

Se assim for, o Senhor aumentará enormemente em nós a caridade infusa. Preparamo-nos assim para o juízo par­ ticular. Encontraremos em Jesus mais um amigo que um juiz.

Deus dará a cada um segundo as suas obras, e o juízo particular fixar-nos-á na nossa salvação eterna.

Mas nada disso dispensa o juízo final. O homem não é apenas uma pessoa individual, mas também um membro da sociedade humana. Deve, portanto, ser julgado por aqueles actos que exerceram uma influência boa ou má mais ou menos durável. Vejamos o que a Revelação nos diz a este propósito.

í 1) Mgr. Augusto S a u d r e a u , O Ideal da Alma Fervorosa, cap. IJJ :

o ju izo particular da alma perfeita, págs. 49-52.

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