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Estudar uma obra contemporânea com base nos Estudos Culturais é investigar “uma tradição intelectual e política” (JOHNSON, 2010, p.19) e, com base na Crítica Feminista, é entender “questões mais abrangentes [...] com relação à presença da mulher nesse novo contexto sociocultural” (ALMEIDA, 2010, p. 12). Ou seja, é importante o uso desse aporte teórico para entendermos e refletirmos sobre as características que estão inseridas na sociedade contemporânea, pois a “literatura é assaz sensível para representar, a seu modo peculiar, as repercussões de racismo, diáspora, multiculturalismo e outros tópicos que revelam a condição humana e a sua luta para encontrar sentido de sua existência (BONNICI, 2009, p. 275).

Com isso, ao pensarmos no contexto escolar, onde é de fundamental importância o trabalho com a literatura, uma vez que ela, de acordo com Candido (1989), tem um papel essencial de humanização, pois ela questiona, mostra a vida em toda a sua complexidade e traz uma visão de mundo e uma crítica à sociedade. Ainda para o mesmo autor,

a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. (CANDIDO, 1989. p. 113)

Portanto, o autor adverte que nós, seres humanos, necessitamos das coisas mais básicas para sobrevivermos; por isso, também temos necessidade da literatura, apontada por ele com um bem incompressível, pois ela se manifesta universalmente, em todos os tempos, em todos lugares e em todo o momento, assumindo uma função humanizadora. Nas suas palavras, a literatura traz ao ser humano um equilíbrio psíquico, tornando-se, dessa forma, “fator de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconciente e no consciente (CANDIDO, 1989, p. 113). Cândido defende que nenhum ser humano vive sem algum tipo de fabulação/ficção, e também sem ficcionalizar em um “universo fabuloso”; assim, tudo que se tem um toque poético, ficcional ou dramático estão presentes em nosso

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cotidiano, desde o folclore, a lenda, as anedotas e até as formas mais complexas de produção escrita das grandes civilizações.

Os professores da rede básica de ensino podem dispor de diversas obras, de vários autores, com temas variados, escritos em diferentes épocas, que são indispensáveis ao ensino de literatura. Mas, não raras vezes, há um receio entre os professores de levar uma literatura que retrate temas atuais da sociedade e haver questionamentos por parte dos educandos Por isso, é fundamental ao educador estar ciente de que a Literatura não muda a personalidade da pessoa por meio da leitura; a literatura propicia questionamentos e problematizações sobre a realidade e a vida, pois é uma forma de expressão, com manifestações de emoções e visões de mundo de diversos indivíduos e grupos sociais. De acordo com Cyana Leahy-Dios:

Estudar Literatura é essencial ao processo de educar sujeitos sociais, por se tratar de uma disciplina sustentada por um triângulo interdisciplinar composto da combinação assimétrica de estudos da língua, estudos culturais e estudos sociais. (apud GUINSKI, 2008, p. 24)

Com isso, percebemos que, ao trabalhar com a Literatura na escola, podemos envolver um trabalho interdisciplinar, norteado, principalmente, pelos Estudos Culturais. A cultura está em frequente mudança e os alunos têm que perceber isso por meio do contato com diversos textos literários e demais expressões artísticas. Para Sacristán, a cultura entende-se por ser formada “por todos os conteúdos que constituem os modos de vida de uma sociedade e com isso incorpora-se de uma significação decisiva – uma totalidade que inclui tudo e todos os membros de um determinado grupo social”. (apud GUINSKI, 2008, p. 26), ou seja, se o professor trabalhar com textos literários, que representem um determinado lugar e uma determinada população, o aluno estará entrando em contado com a cultura desse grupo social; e como a cultura está em mudança, a todo momento, torna-se relevante trabalhar com textos que reportem-se aos valores sociais de décadas e séculos passados e, também, com textos que apresentem características do mundo contemporâneo atual. Nessa perspectiva, é relevante levar para as aulas de Língua Portuguesa e Literatura textos que estabeleçam relações intertextuais e que dialoguem com diversas culturas. Nessa perspectiva, Martins ressalta:

a natureza interdisciplinar da leitura, devido à abertura que o texto proporciona ao leitor para relacionar o assunto que está lendo a outros assuntos que já conhece, favorecendo a articulação de diversos saberes. (MARTINS, 2006, p.87)

Ao ensinar a cultura nas aulas de literatura, nós professores permitimos que nossos alunos aprendam e compreendam que uma cultura tem costumes, valores morais e conflitos sociais e ideológicos, contribuindo, assim, para que os mesmo dialoguem com outras culturas, tenham uma percepção de mundo e acesso “a novos sistemas e estruturas de significação como forma de adquirir novas competências, levando o receptor a refletir sobre sua própria cultura e seus sistemas e estruturas de significação” (GUINSKI, 2008, p. 28).

Assim, tendo como norte os Estudos Culturais, ao pensarmos em textos literários que trazem um tema complexo e polêmico da sociedade, elegemos a Literatura de

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Minorias, a qual é relevante para refletirmos porque muitas obras, ainda no contexto atual, são rejeitadas. Muito dessas obras, imersas no universo contemporâneo, pertencem às ditas minorias, como feministas, negros e homossexuais, nas quais buscam-se discutir e mostrar aos leitores “vozes de autores e textos traduzindo temas originários de grupos específicos que não costumam dispor de muitos ouvidos, fora desses grupos, para ouvi- las”. (SANTOS; WIELEWICKI, 2009, p. 350). As autoras acrescentam que o estudo dessas obras, principalmente na sala de aula, teria um saldo positivo ao incorporar a literatura não-canônica, podendo assim, “rever valores e perceber formas de expressão de significados veiculados não apenas através do ‘eu’ ou do ‘outro’, mas, também, através do contato, do conflito da discussão” (SANTOS; WIELEWICKI, 2009, p. 351). Pois, muitos professores, ainda hoje, têm dificuldades em trabalhar com textos que apresentam temas que não são muitos aceitos pela sociedade.

Em outras palavras, as obras de escritoras contemporâneas apresentam características relacionadas à função de gênero no espaço social, como rentáveis na compreensão da construção de identidades. Segundo Culler (1999), a cultura é uma construção ideológica possível de mudanças, “particularmente importante, portanto, é o estudo das culturas e identidades culturais instáveis que se colocam para grupos – minorias étnicas, imigrantes e mulheres” (CULLER, 1999, p. 52).

A partir de 1960, com a emergência dos Estudos Culturais, temos a presença de repercussões populares em manifestações de cultura, dando uma maior ênfase às questões de heterogeneidade. Assim, de acordo com o que ocorre com outros segmentos como os negros e os homossexuais, “toma a mulher como parte integrante da nova ordem social e econômica” (ZOLIN, 2009a, p. 105). Com efeito, a mulher como escritora e leitora ganha voz na sociedade, fazendo com que questões do feminismo estejam presentes em obras de autoria feminina. Zolin (2009a) realça que, antigamente, as minorias não tinham um destaque na sociedade, eram delimitadas em função de sua classe, de sua raça. Quem prevalecia e era imbuído do direito de falar era da classe média-alta, branca e pertencente ao sexo masculino.

Pensar numa literatura produzida por mulheres, no contexto pós-moderno, tem a intenção de produzir um discurso que quer ser novo, um discurso que se oponha e mude os estereótipos da literatura canônica, os valores que marcaram a época e que tinham uma representação da mulher como submissa. Dessa forma, a mulher era representada com modelos “tradicionais, historicamente, a ela imputadas pelo pensamento patriarcal” (ZOLIN, 2009, p. 114a).

Por isso, para esse trabalho de discussão de questões relativas às questões de gênero na sociedade atual, pensamos em uma obra escrita por uma autora paranaense, professora, que apresenta vinte contos pequenos, na qual temos diversos gêneros e temáticas, retratando a cultura popular, o multiculturalismo, a presença da mídia, a política e as contradições da sociedade, etc. Nessa obra singular, Lucy Collin representa alguns dilemas atuais da condição feminina e faz o/a leitor/a questionar os diversos enredos presentes na obra, com uma linguagem diferente da que estamos acostumados, uma linguagem “cinematográfica, ou seja, o/a leitor/a tem a impressão de estar diante de telas de computador, de televisão e/ou de cinema” (ZOLIN, 2009, p.105).

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Portanto, escolhemos trabalhar com um conto “Entrevista ao Vivo”, que integra a coletânea Inescritos, de autoria de Lucy Collin64. Conto que aborda a trajetória uma

mulher, que nasceu pobre, com o tempo se tornou uma mulher política, que ganha voz na sociedade, mesmo prevalecendo no contexto pós-moderno, ainda, na qual temos preconceitos sociais, é retratar uma nova fase, na qual ela está “livre do peso da tradição patriarcal” (ZOLIN, 2009c, p. 331). O conto será trabalhado de forma intertextual com uma entrevista da Senadora Gleisi Hoffmann, uma política paranaense de projeção nacional, e o filme O Sorriso de Mona Lisa (2004).

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