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O gênero discursivo documentário e a Olímpiada de Língua Portuguesa

O gênero é entendido como a função social de um texto e através do viés bakhtiniano cada língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo esse aquilo que denominamos de gênero do discurso e a multimodalidade é a interação entre diferentes linguagens em um mesmo texto (ROJO, 2012). Na compressão desta autora, muitos são os gêneros que permeiam o cotidiano, ao pensar em internet essa diversidade multiplica – podemos vê-los como infinitos, devido às múltiplas formas de interagir, ler, escrever ou pesquisar. Como se na rede esses gêneros fossem criados e recriados; se adequando às atividades humanas nesse espaço.

Bakhtin (2000) divide muito bem os gêneros em primários e secundários. Na sua perspectiva, os gêneros primários são aqueles que estão presentes em nosso cotidiano e são menos complexos (carta, bilhete, recado...). Enquanto os secundários aparecem em situações de comunicação mais exigentes, de caráter literário ou científico: teatro, cânone literário, artigos, ensaios acadêmicos etc. , assim, o documentário pode ser entendido como um gênero secundário, pois “representam de forma tangível aspecto de um mundo que já ocupamos e compartilhamos” (NICHOLS, 2005, p. 26).

Ainda segundo Bakhtin, a língua penetra a vida por meio de enunciados concretos e através desses a vida penetra a língua a partir das esferas sociais e suas necessidades. Podemos perceber que a atual linguagem na internet e gêneros textuais emergentes, como memes, comentários, tuítes e documentários, acompanharam as mudanças históricas do uso da língua e compreendem o uso contemporâneo dela, assim:

A língua escrita corresponde ao conjunto dinâmico e complexo constituído pelos estilos da língua, cujo peso respectivo e a correlação, dentro do sistema da língua escrita, se encontram num estado de contínua mudança (BAKHTIN, 2000, p. 285).

Por essa perspectiva, percebe-se que uma língua em funcionamento está viva e é altamente natural, seja ela oral ou escrita, seus gêneros discursivos primários ou secundários, acompanharem as mudanças do mundo. Por isso, a partir dessa atual realidade que dialoga com as experiências de professores e estudantes, o ensino de língua materna não deveria ignorar os meios digitais de interação.

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Entende-se a língua como uma produção social e ‘desenhada’ pela atuação dos falantes, assim são coesos os procedimentos de ensino que atendam suas vivências. A internet é um espaço público e político e, ainda, um espaço de escrita e enunciação, onde um documentário tende a reproduzir realidades fora da tela.

O gênero discursivo documentário teve seu advento entre o fim da década de 1920 e o início da década de 1930, sendo entendido como um conjunto documental a servir como ‘prova’ de uma determinada época, (MASCARELLOS, 2010). Diante de seu processo de transformação foi compreendido por uma perspectiva de jornal cinematográfico e na década de 1960, lhe é atribuído som e imagem oriundos de câmeras portáteis (ALENCAR; RIBEIRO, 2016). Até 1970, ora tinha essa perspectiva cinematográfica, ora de arquivo do passado.

O programa OLP foi criado em 2002, resultado da parceria entre a Fundação Itaú Social, a UNDIME e o canal Futura, com apoio do Ministério da Educação (MEC) e a organização do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC) e nesse período não contemplava o gênero em questão. Para fazer um breve histórico desse concurso de produção de textos na escola, é preciso entender que ele se dá na dicotomia da realização do concurso e na formação continuada dos professores de língua materna na educação básica participante. Incialmente atendia apenas 4ª e 5ª séries do Ensino Fundamental I. Em 2008, é firmada uma parceria com o Ministério da Educação e recebendo o nome “Olímpiada de Língua Portuguesa Escrevendo para o Futuro”, se estendendo para o Ensino Fundamental II, 6º ao 9º ano, e abrangendo turmas do Ensino Médio.

A partir de 2010, percebe-se que o Programa se expandiu: além dos cursos presenciais, foram criados cursos online em plataforma à distância, materiais disponibilizados nas escolas públicas contendo sequências didáticas em formato de oficinas, criação de seminários, revistas, cadernos virtuais e em 2020 a inserção de documentários no concurso de produção textual.

Atualmente, os documentários representam uma dada realidade e são classificados em vários tipos expositivo, poético, observativo, participativo, reflexivo e performático – segundo Bill Nichols em Introdução ao documentário, Campinas (2005). Enquanto representação social e multimodal dialoga com a proposta da OLP em 2019, cujo processo traz o seguinte tema: O lugar onde vivo, dessa forma:

O tema da Olimpíada de Língua Portuguesa é “O lugar onde vivo”. Essa temática por si só pode inspirar várias ideias. Peça aos estudantes que façam uma relação das pessoas interessantes do bairro onde residem. Podem ser pessoas mais velhas que guardam a memória do local, jovens que desenvolvem atividades culturais importantes, crianças que costumam brincar nas ruas e praças, mulheres ou homens que desempenham trabalho social relevante etc. Também solicite aos alunos que reflitam sobre quais espaços e paisagens merecem ser filmados. Enfim, tudo serve como mote para o documentário (CENPEC, 2019, p.78).

Nota-se que a temática abordada na olímpiada é estruturada em uma perspectiva generalista, pois é de caráter nacional:

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A utilização de um tema comum, considerando a abrangência geográfica em que é realizado o concurso, abarca uma infinidade de assuntos a abordar. Essa variação de assuntos pode intensificar-se ainda mais ao se levar em conta a subjetividade de cada aluno ao escrever seu texto. Segundo Rangel (2011), um dos assessores do programa OLP, essa subjetividade deve ser estimulada pelo professor fazendo com que os alunos se voltem para sua própria história, no intuito de produzir um texto que demonstre ao leitor a compreensão que o aluno construiu dessa realidade (GUIMARÃES, 2013, p. 70).

Além da fragilidade dessa temática, pelas reflexões de Guimarães, nota-se que o concurso é pautado na classificação e eliminação do material produzido pelos sujeitos participantes, discentes e educadores, do processo: o professor além de inserir as práticas em seu plano de ensino, precisa criar na escola uma comissão julgadora que irá “avaliar” os textos de seus estudantes, e após esse procedimento, os textos serão “avaliados” pelas comissões municipal e estadual da Unidade Federativa.

Os alunos que vencem a etapa estadual, juntamente de seus professores, participam de um encontro regional. Os professores têm ainda a opção de concorrer com outros professores a partir do relato de suas experiências.

Ressalta-se que a produção desse programa acontece fora do contexto escolar pela articulação de setores públicos e privados e os professores de português são orientados com “cartilha” que contém essas oficinas – ecoando a perspectiva mercadológica em sala de aula, pois tende a gerar ganhadores, estimulado a meritocracia. No entanto, em 2019, o caderno número 06, Olhar em movimento: cenas de tantos lugares (2019), o qual contemplou o gênero documentário tentava subsidiar a produção desse material audiovisual pelos estudantes: aproximadamente 12 oficinas distribuídas em 04 blocos, onde neste caso, os professores mediadores não precisariam segui-los “numa lógica de sequência didática” (CENPEC, 2019), o material ainda reconhece a prática generalista, devido a abrangência nacional do tema.

O material que o professor participante teve acesso não era físico, mas em PDF e contava com 178 páginas, as quais traziam, além das oficinas, 08 razões para se adotar os documentários na escola: 1) Vivemos numa civilização audiovisual; 2) A ampliação do letramento escolar; 3) Domínio da linguagem audiovisual; 4) Fácil manejo de tecnologia e baixo custo de equipamentos; 5) Possibilidade de realizar filmes documentários para além dos muros da escola; 6) Aprimoramento de preceitos legais estabelecidos para a Educação Básica; 3) Estar em sintonia com uma prática que só cresce; 8) Instrumento de inventar novos sujeitos e novas cenas políticas. Orienta-se também que o professor leve em consideração as condições de tempo, recursos humanos e materiais para a produção no vídeo que deveria caber em 05 minutos.

Ideias interessantes e pertinentes ao processo de ensino, contudo muitas vezes não exequível: devido a quantidade de conteúdo a ser explanado aos alunos, com linguagem técnica da produção audiovisual e o que já foi dito, cada educandário se encontra em uma dada realidade. Expõe-se que o Programa que promove o concurso é uma política pública que visa a formação continuada dos professores e ainda o aprimoramento do caráter leitor dos estudantes da rede pública. Todavia, ‘peca’ ao promover um processo educativo em uma perspectiva neoliberal, potencializando práticas meritocráticas na escola, instigando “à inclusão de propostas que estimulam uma lógica competitiva e exclusivista”,

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(GUIMARÃES, 2013, p.71), fazendo o professor dividir seus estudantes entre vencedores e vencidos, estimula a competição e ratifica uma nova “demanda” das ações pedagógicas desse profissional nesse contexto: a de ser produtor de bons resultados.

Documentário enquanto um gênero discursivo compreendido de

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