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A LINGUAGEM CIENTÍFICA DO DIREITO E A LINGUAGEM FILOSÓFICA DO

Advirta-se que uma vinculação da linguagem jurídica à ideia de sistema jurídico, numa dimensão de Direito Positivo, coloca como primeiro compromisso o fato de que não devemos confundir a linguagem científica do Direito com a linguagem filosófica do Direito. Ambas as formas não se confundem em razão de diferentes formas explicativas, que assim se apresentam em razão de metodologias também diferenciadas em ambos os casos. É que o conhecimento científico do Direito não é o mesmo que o conhecimento filosófico do Direito, por força da variação metodológica e de objeto em ambos os casos. A Ciência do Direito trata com o fenômeno jurídico enquanto Direito Positivo, sendo que a Filosofia do Direito trata com o fenômeno jurídico enquanto algo que pode se antepor ou mesmo se pospor ao Direito Positivo, e com uma transcendência metafísica.

270 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 28 ed. Trad. de Antonio Chelini, José Paulo Paes e

Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2012, p. 54 - 55.

271 SILVA, Maurício da Rocha e. A Evolução do Pensamento Científico. 1. ed. São Paulo: Ucitec, 1972, p. 353

Em função da diferenciação metodológica em ambos os casos deparamos também com linguagens diferentes, visto que tanto os critérios utilizados como também os conceitos que são produzidos, assumem providências diferenciadas, embora o ponto de preocupação seja sempre o mesmo, isto é, a ideia de fenômeno jurídico. No caso da linguagem científica do Direito, por força da positividade, o que se verifica é uma atenção descritiva acerca de um objeto posto, com as implicações criteriosas e conceituais que são próprias de um objeto já positivado. A linguagem científica neste caso não transcende do seu objeto, este que é pela experiência jurídica.

Diferentemente da linguagem científica a linguagem filosófica vai se apresentar de forma autorizada no seu discurso em transcender o objeto positivo da ciência. Isto para discutir sobre ele tanto num momento anteposto, como num momento posto e também num momento posposto, visto que a postura crítica que é própria da Filosofia haverá de propiciar momentos diferenciados até para divergir - nos seus colóquios de valoração crítica -, da convicção científica se for o caso. Mas é bem verdade que a atitude demonstrada pela linguagem filosófica neste caso não será no sentido de um menoscabo ou mesmo de destruição da teoria científica, mas ao contrário, estará sempre voltada para um compromisso no sentido de enriquecer esta última, visto que este é o papel da teoria filosófica. É que, como ensina Kant - na interpretação de Miguel Reale -, tanto a Filosofia como a Ciência estudam a realidade, mas há uma especial realidade “que a Ciência não estuda, nem pode estudar, que é

a própria Ciência posta como objeto”272. Este papel compete à teoria filosófica. E isto acontece por causa da sua vocação crítica numa disposição metodológica tanto analítico- instrumental, como sintético-especulativa. É que, conforme frisamos anteriormente, a Ciência longe de ser algo crítico-valorativo, apresenta-se como algo descritivo por fidelidade metodológica a uma atividade de demonstração empírica, diante do que - no caso do Direito - a experiência jurídica demonstra em determinado momento. Dessarte, a linguagem científica do Direito não poderá se confundir com a linguagem filosófica do Direito porque diferenciados os contextos explicativos.

5.4.1 A Linguagem Jurídica pela Linguagem Científica do Direito

Conforme alinhavamos, é próprio cuidar na linguagem jurídica de uma linguagem científica. E a melhor forma para o seu encaminhamento quanto a isto é reconhecê-la - como também se faz possível numa linguagem comum ao se admitir aqui uma função volitiva ou emotiva -, com uma função técnica. Com a função técnica na linguagem jurídica científica vamos deparar com os incontáveis efeitos que dela podemos extrair nos incontáveis institutos ou modelos jurídicos que ela retrata, e com isto compreender a sua função instrumental que emana do Sistema Jurídico. Assim, e apenas para exemplificar, modelos como “direito objetivo”, “direito subjetivo”, “direito público”, “direito privado”, “pessoa física”, “pessoa jurídica”, “direito adquirido”, “coisa julgada”, “segurança jurídica”, ao lado de outros inúmeros modelos fazendo parte do Sistema Jurídico, serão eficazes na linguagem a ser desenvolvida.

Para esse desiderato da compreensão da função técnica na linguagem jurídica científica a forma indicada é admitir a existência nela das chamadas “expressões realizativas” (Austin), cuja significação é realizar ou executar algo, e através das quais pode-se extrair e compreender, como seu efeito, o propósito básico de se estabelecer uma relação jurídica273. A consequencialidade básica, portanto, é equacionar as relações jurídicas que medram e fazem parte da vida social na sua plenitude. É que a vida social não existe sem relação jurídica, quer entre pessoas físicas, quer entre pessoas físicas e pessoas jurídicas. A relação jurídica constitui algo de essência tanto da vida individual (da pessoa), como da vida social (da sociedade). Nada existe ou funciona fora deste contexto. A relação jurídica então existe como condição existencial dos seres para uma significação jurídica. Na realização disto envolvendo as relações jurídicas, as expressões próprias da linguagem jurídica na sua forma linguística, são eficazes para gerar e demonstrar consequências jurídicas de direitos e deveres. Do ponto de vista técnico, então, a linguagem jurídica científica não se confunde com uma linguagem meramente emotiva ou informativa, mas são dotadas de eficiência em administrar a vida jurídica da sociedade. Com a função técnica que é própria da linguagem jurídica, o que se providencia é um retrato da própria linguagem científica do Direito, na medida em que se possibilita o exercício interpretativo e ao mesmo tempo descritivo desta última. Mas ela vai

estar fiel ao que deve ser compreendido como uma verdade jurídica científica. E o seu papel neste caso é retratar e registrar esta realidade.

Com a linguagem jurídica percebe-se os efeitos jurídicos que são trazidos, e que são extraídos das regras jurídicas tanto no campo da iniciativa privada entre pessoas - no caso de uma relação jurídica privada -, como quando da atuação dos órgãos oficiais (legislação e jurisdição), estes últimos que estarão vinculados em observá-las e aplicá-las. Ditos efeitos são oriundos da instrumentalização propiciada pelo Direito, tanto numa dimensão formal como substancial, uma peculiaridade do passado mas que não se ausentou na atualidade. Segundo o jurisconsulto Gaio entre os romanos haveria de se pronunciar as palavras adequadamente sob pena de um ato nulo, e se num processo envolvendo o corte de videiras fosse pronunciada a palavra vites em lugar de arbores, como estabelecido nas Leis da XII Tábuas, o resultado seria negativo274. Por isso já desde períodos longínquos pode-se dizer que com a linguagem jurídica denota-se uma realidade concreta extraída dos seus efeitos, e que podemos denominar de realidade jurídica.

Acrescente-se que a noção de realidade jurídica oriunda de uma realidade concreta se sedimenta ainda mais porque das “expressões realizativas”, podemos chegar às “orações realizativas”, assim denominadas por Karl Olivecrona. É oportuno lembrar que numa tratativa jurídica as orações realizativas constituem o verdadeiro manancial da linguagem jurídica, podendo ser denominadas de orações realizativas jurídicas. É que através das “orações realizativas” se providencia evitar formulações irregulares, para então se classificar e qualificar as expressões como instrumento de controle e de comunicação social, sem deixar de lado o fato de que elas são “usadas comumente dentro do sistema jurídico”275. A linguagem jurídica, então, tem um papel fundamental no sentido não só de retratar o Direito, mas também de organizá-lo, mesmo quando devemos compreendê-la - linguagem jurídica - como uma expressividade do sistema jurídico. Com isto sedimenta-se uma vinculação entre Sistema Jurídico e Linguagem Jurídica.

274 CRETELLA JÚNIOR. José. Curso de Direito Romano. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 218. 275 OLIVECRONA, Karl. Lenguaje Jurídico y Realidad. op. cit, p. 47 - 48.

5.5 O DIREITO COMO LINGUAGEM JURÍDICA E A CIÊNCIA DO DIREITO COMO