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Da mesma forma como assistimos uma consideração sobre a existência da teoria científica em geral, tratar com o Sistema Jurídico em especial envolvendo a dimensão do Direito Positivo neste sentido é tratar, juntamente com a sua positividade, também com a sua sistematicidade. Estas duas providências vão estar umbilicalmente ligadas. Com isto sobressai com a devida acomodação técnica uma tratativa do Direito Positivo em sede de teoria científica. A atenção então volta a sua totalidade explicativa para o que o sistema possa corresponder, com suficiência teorética, àquilo que envolve a compreensão do fenômeno jurídico enquanto Direito Positivo. Com isto o que se faz é uma ligadura entre Direito Positivo e sistema, na firme convicção de que o Direito Positivo inexiste sem a presença da organização sistêmica, da mesma forma como isto acontece também com a teorização científica geral, conforme já comentamos alhures. E frise-se, ademais, que a necessidade do sistema jurídico como exclusividade é uma realidade que se impõe, pelo que se extrai do fenômeno jurídico como um fenômeno próprio. É que se atinarmos para o mundo jurídico, e na esfera das relações tanto entre indivíduos como entre indivíduos e grupos, e mesmo entre grupos, forjam-se sistemas especiais sob normas distintas e relevantes em outras esferas que não o Direito, como são as normas morais, religiosas, políticas, econômicas, etc. Mas, destinado para assegurar a boa marcha da ordem social no interior de um determinado grupo, sob os mais elevados auspícios e com apoio no sentido de ser possuidor e detentor do poder público, temos para isto um sistema exclusivo e que é denominado de sistema jurídico48.

48 ARNAUD, André-Jean. Critique de la Raison Juridique - Où va La Sociologie du Droit? 1. ed. Paris:

A ressonância de uma ligadura envolvendo Direito e sistema, leva a uma consequencialidade tanto teórica como também estrutural na sua significação enquanto fenômeno ontológico. Ademais, esta visão se alicerça ainda mais na medida em que compreendemos o papel do sistema como via condutora para uma compreensão científica do Direito. Com isto o que se faz é providenciar uma forma suficiente para uma tratativa especial do Direito na órbita da teoria científica, conforme procuramos fundamentar nos tópicos anteriores quando de uma tratativa geral. Esta é uma preocupação que deve fazer parte do mundo do jurista na atualidade, ou seja, pensar o Direito sistematicamente como forma de providenciar as normas em harmonia entre si, e com isto evitar sobre ele tanto uma composição (produção) como uma interpretação inarmônicas, ao mesmo tempo em que se providencia afastar decisões jurídicas contraditórias. Assim, entre pensar o Direito de forma tópica ou pensar o Direito de forma sistemática, quando da solução dos casos singulares, cientificamente prevalece a segunda hipótese. Como sentencia Karl Larenz, a Ciência do Direito atua “genericamente de um modo sistemático, mesmo quando aqui e acolá argumenta ‘topicamente’”49. Esta é uma realidade, e também uma necessidade teórica da qual não se pode alhear o jurista.

Advirta-se que todos os conceitos produzidos anteriormente, com vistas à ideia de sistema, são eles observados no caso específico do mundo jurídico positivo, e com a observância ainda mais das peculiaridades que tocam este ramo científico de forma especial, que a partir daí se apresenta como algo próprio, como acontece com os demais ramos em geral. Para este desiderato é fundamental um descortino no que o sistema providencia na vida do Direito Positivo, verificando-se desde um aspecto inicial que é a sua organização diante dos demais entes na ordem existencial, até os desdobramentos consequentes disto, e para isto envolvendo pontos fundamentais como a sua autonomia jurídica (pela sua criação como autoprodução e pela sua aplicabilidade como autonomia aplicativa), a sua valoração jurídica (reservada, própria), e também a sua linguagem jurídica, esta última que deve comparecer como uma linguagem peculiar. Daí podermos dizer Sistema Jurídico como autonomia jurídica, Sistema Jurídico como valoração jurídica, e Sistema Jurídico como linguagem jurídica. É exatamente nestes pontos teóricos onde devemos buscar a afirmação das características diferenciadoras do Sistema Jurídico, dando-o como um fenômeno peculiar numa dimensão privativa.

49 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Trad. de José Lamego. Lisboa: Fundação

Pode-se alinhavar que nessas três áreas, individualmente - autonomia jurídica, valoração jurídica e linguagem jurídica -, o papel do sistema é essencial nas respectivas formas de organização, com as peculiaridades que são próprias de cada uma. Mas podemos dizer ainda mais que neste contexto a caracterização delas vai acontecer no que podemos denominá-las de subsistemas, estes que uma vez conjugados irão compor um sistema maior - Sistema Jurídico - e que abrange a todos eles. Este sistema maior é o Direito Positivo na sua composição plena. Isolados estes subsistemas nada significam para o Direito, mas devidamente equacionados vão constituir os seus elementos estruturais de essência, tanto na sua forma estática como na sua forma dinâmica, ambas constitutivas e ao mesmo tempo responsáveis pela manifestação da positividade jurídica na sua plenitude. Assim, o Direito Positivo ao ser compreendido como estruturado no seu ser em completude fenomênica - sem a necessidade de caminhar à reboque de qualquer outro ente na ordem existencial -, encontra nesta trilogia o tripé para os fundamentos da sua realidade ontológica. Com isto o que temos é uma trilogia capaz e ao mesmo tempo eficaz para preencher os espaços necessários da organização jurídica geral, de forma plena e autossuficiente, permanecendo daí sem depender de qualquer outro modelo de sistema oriundo de qualquer outra dimensão - quer natural, quer cultural, quer social, etc. - que não seja o próprio mundo jurídico. Neste contexto o que divisamos é o fundamento para ir além diante daquilo que já se considerou até então no âmbito do Positivismo Jurídico. E rememore-se que destes meandros - e apenas deles - é que sobressaem de forma generalizada as forças inquietas tanto da sua organização sistêmica como da sua autonomia jurídica.

Com uma convicção na forma como alinhavamos acima, envolvendo três áreas fundamentais e dotadas de implicação tanto estática como dinâmica - autonomia jurídica, valoração jurídica e linguagem jurídica -, não é demais considerar como crédito ao Direito a possibilidade de reconhecê-lo como um sistema cioso da sua condição, o que culmina por caracterizá-lo mais como um sistema fechado pelo que ele mesmo se lhe propicia, do que propriamente como um sistema aberto. Esta caracterização percebe-se em dois pontos fundamentais. O primeiro deles é o fato de que o Sistema Jurídico não se confunde com um sistema natural, este que é próprio em existir na natureza e reconhecidamente aberto por permitir - em estado de submissão - trocas de energia, informação e matéria50. Assim, diferentemente do sistema natural que é próprio do mundo do ser, o sistema jurídico trata com uma dimensão teórica que é própria do mundo do dever ser, e por isso com ideias

preconcebidas e propostas por uma ética jurídica peculiar. Se compararmos os dois modelos sistêmicos na circularidade dos movimentos por eles desenvolvidos podemos dizer que o sistema natural age por um movimento ondulatório, dotado de um ciclo aberto com ondas projetando-se no espaço e que sugerem o imprevisível, enquanto que o sistema jurídico age por um movimento rotatório, dotado de um ciclo fechado em si mesmo e projetando-se numa substancialidade (matéria) que demarca o previsível . O Sistema Jurídico então não é um sistema natural do mundo do ser, mas um sistema do mundo do dever ser, onde na sua consequencialidade profilática o que se verifica não é simplesmente uma relação de causalidade, mas uma relação de imputabilidade (Kelsen), esta última cuja complexidade não se confunde com o nível relacional da primeira.

O segundo ponto fundamental que propende para o fechamento do sistema é que a condição hermética do sistema jurídico é perfeitamente identificável por força de uma adequação lógica em todo o funcionamento sistêmico. Isto na medida em que todas as ações jurídicas são determinadas por uma relação implicativa nas funções deônticas permitido (não-

proibido)/proibido, algo que emana do próprio sistema jurídico. Neste segundo caso, então, como é possível o fechamento do sistema? O seu fechamento se dá por uma equação lógica de implicação automática entre uma função deôntica e outra, afastando com isto a contrariedade lógica do sistema e que se resume na fórmula: tudo o que é permitido não é proibido, e tudo o que é proibido não é permitido. Assim, uma norma que proíbe determinada conduta retira, em sentido contrário e de forma automática, a possibilidade da sua permissão, e por sua vez a norma que permite determinada conduta retira automaticamente a possibilidade da sua proibição. Quando a lei civil diz que a maioridade absoluta se dá aos dezoito anos completos, isto significa que o sujeito A nesta condição tem, por exemplo, o permissivo para a elaboração de um contrato de compra e venda, afastando-se dele a proibição quanto à prática deste ato jurídico.

O que não pode ocorrer, conforme comentamos acima, é a acomodação de uma contrariedade lógica no sistema X, em que a norma p permita a conduta a, quando a norma q do mesmo sistema proíbe a conduta a. A esta mecânica na funcionalidade do sistema jurídico podemos reconhecer a existência de um princípio que podemos denominar de princípio

binário, por uma implicação de polaridade, e onde deparamos com um limitador lógico que emana do sistema e que se expressa pelos conceitos jurídico/não-jurídico ou legal/ilegal, ou ainda Direito/não-Direito. Este princípio é inerente a todo o sistema normativo jurídico, cuja providência básica de ordem funcional e prática é afastar dele as antinomias jurídicas. Dessarte, o sistema não aceita as antinomias. Tanto assim que como consectário deste

equacionamento lógico, medidas existem e são previstas pelo próprio sistema como forma de afastar as contrariedades normativas. Daí porque se aceitar numa relação lógica entre normas a ocorrência de normas válidas e normas inválidas, com base no fundamento de validade das normas em geral, estas que tratam com proposições prescritivas, diferentemente quando se as comparam com os enunciados das proposições descritivas que são reconhecidas como verdadeiras ou falsas, com base nos dados da ordem real, e onde o verdadeiro na concepção clássica significa algo que corresponde à realidade51. A um sistema jurídico assim que abrange todos os atos humanos, atos estes sujeitos a uma ordem normativa sem lacunas, podemos denominá-lo, como faz Von Wright, de sistema fechado52.

De forma resumida podemos compreender o sistema jurídico por duas realidades gerais básicas. Se por um lado o sistema jurídico existe como um conjunto normativo mediante normas gerais abstratas, dotado de organização sob um caráter lógico-dedutivo, por outro ele também existe “como instrumento metódico do pensamento, ou melhor, da ciência jurídica”53.

2.3 A EFETIVIDADE DO DIREITO COMO SISTEMA FECHADO. A ESTRUTURA DO