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3.1 SISTEMA JURÍDICO E AUTONOMIA JURÍDICA OS ASPECTOS PONTUAIS DA

3.1.4 O Sistema Jurídico (Direito) pela sua Autointerpretação e Autoaplicação

3.1.4.2 A Aplicação

A aplicação do sistema jurídico - que comparece ao lado da interpretação na confirmação da autonomia do Direito -, tem a interpretação como um pressuposto. Da interpretação jurídica segue-se a aplicação jurídica. Esta é a sequência a ser seguida e não o contrário, donde se verifica uma dependência da aplicação em relação à interpretação. Como um anteposto à aplicação, a interpretação surge como “uma operação mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior”173, de forma que interpretação e aplicação estarão ligadas de forma umbilical. Podemos mesmo dizer, repita-se, que há um estado de dependência entre os dois institutos, sobretudo da segunda em relação à primeira.

A partir do momento em que confirmamos a interpretação jurídica como uma imanência do sistema jurídico, não há muita dificuldade para se compreender o caminho a ser trilhado também pela aplicação jurídica, visto que a autonomia assegurada pela primeira de igual forma será eficaz e vinculativa para a segunda na metodologia a ser observada,

171 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. op. cit. p. 129. 172 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito II, op. cit., p. 34.

sobretudo quanto à seleção da verdade jurídica a ser seguida diante de um problema jurídico, e que pede uma solução. Neste caso os fatos extraídos da vida social, enquanto casos concretos para serem resolvidos, haverão de se equacionar como hipóteses fáticas à incidência do sistema jurídico - veja-se que estamos falando de sistema jurídico e não de norma jurídica apenas -, considerando-se com isto desde os preceitos jurídicos e as normas jurídicas, os modelos jurídicos e os institutos jurídicos, até os princípios gerais e os princípios especiais, que são elementos de essência no Direito. Com isto o equacionamento metodológico é uma providência no sentido de que o fato social é que deverá se enquadrar ao sistema jurídico recebendo por isto uma qualificação de natureza jurídica, e não o contrário com o sistema jurídico se enquadrando ao fato social. Dessarte, a predicação jurídica parte do sistema (jurídico) e não do fato (social).

Com o alcance metodológico de forma estrutural, com uma imanência do sistema no seu todo diante de um problema, ele sistema coloca-se imediatamente de prontidão tanto para a confirmação do problema, como também para a solução a ser aplicada ao problema que se confirmou. E isto é assim que acontece porque o Direito se conforma e se coaduna com condutas com ele equacionadas, e não com condutas em desconformidade com as verdades por ele albergadas. Assim, com a sua aplicação o Direito propicia uma custódia às verdades jurídicas, ao mesmo tempo em que afasta as inverdades jurídicas, num processo seletivo que haverá de ser observado em todas as dimensões nas quais ele exerça o seu alcance para uma concretização profilática. Com isto sobressai a sua missão saneadora na vida social. E as hipóteses quanto a isto são ilimitadas, porque como já tivemos a oportunidade de comentar alhures, o Direito quando comparado com os demais entes é aquele que peculiarmente comparece como o único que se intromete em todas as searas da vida social, o que cobra dele um universo aplicativo que não se confunde na sua intensidade e amplitude com nenhum outro. Ademais, a complexidade deste seu papel mais se constata ainda quando devemos compreender o Direito na sua aplicabilidade como uma proficiência diversa das demais formas científicas, visto que enquanto em outras searas (Medicina, Odontologia, Geologia, Física, Química, Biologia, etc.) constatamos apenas uma profilaxia aplicativa, diferentemente no Direito o que constatamos é uma profilaxia dialética pela sua natureza em resolver conflitos humanos.

Ao resolver conflitos o Direito o faz através de uma imanência daquilo que lhe é próprio, atuando como referencial pelo sistema jurídico na forma positiva. A mecânica que deve ser observada quando da aplicação pelos órgãos jurídicos se reduz numa relação de vinculação e determinação entre normas de escalão superior e normas de escalão inferior, ou seja, numa relação entre Constituição e Lei e entre Lei e sentença judicial174. Esta é uma regra matriz ou o ponto de partida da organização sistêmica e que será observada sempre. Mas é bem verdade que as determinações hipotéticas para as regulamentações normativas nem sempre são abrangentes para todas as peculiaridades e circunstâncias da vida, que poderão ser preenchidas diante de situações que possam surpreender tanto o órgão legislativo, como também o órgão jurisdicional e o órgão executivo. Diante desta realidade é sugestiva a ideia, como faz Kelsen, de “um quadro ou moldura” a ser preenchido pelos atos jurídicos praticados por esses órgãos. Mas é bom lembrar que este permissivo trata de peculiaridades jurídicas em que em hipótese alguma poderão agir com uma prática de contrariedade jurídica, e sim sempre com observância pela norma de escalão inferior àquilo que é pertinente ao espírito da norma de escalão superior, ou seja, viabilizar a expectativa desta última no seu alcance teleológico. Qualquer hipótese de contrariedade quanto a isto haverá de incidir em inconstitucionalidade ou em ilegalidade. Assim, as circunstâncias a serem preenchidas não significam obviamente qualquer possibilidade de contrariedade à norma superior. O que ocorre na essência são observações a mecanismos necessários para o cumprimento da norma superior, visto que, como dissemos, nem todas as circunstâncias da vida podem ser previstas por ela. O sistema jurídico positivo não tolera qualquer vocação fora disto. Assim, embora possamos reconhecer quando da aplicabilidade a ocorrência de várias possibilidades - pela plurissignificação que pode acompanhar a norma jurídica na sua pluralidade de significações (kelsen) -, tais possibilidades haverão de seguir sempre aquela “moldura”, e portanto de conformidade com o Direito com vistas à observância da norma de escalão superior. Isto é o mesmo que dizer de uma inaplicabilidade contrária às previsões expressas no sistema normativo. E isto assim se compreende porque da disposição sistêmica, quando do estabelecimento de uma norma geral, sempre a norma individual dela resultante, com vistas a sua aplicação - da norma geral -, constitui um processo de continuação da estruturação escalonada ou graduada das normas175. Esta é uma vocação de disposição da organização do sistema jurídico. Nesse contexto podemos dizer ainda, como faz Kelsen, que diante da

174 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. op. cit., p. 464. 175 Ibidem, p. 465.

existência de várias possibilidades da aplicação, a norma individual como no caso da sentença judicial, poderá por um processo de conhecimento interpretativo fazer opção por uma possibilidade, mas sempre com observância à “moldura” estabelecida pela lei176. Neste caso, não é dado ao órgão jurídico jurisdicional contrariar a lei quando da elaboração da norma individual, que tem sempre como modelo a norma geral como referência.

É oportuno considerar que o mecanismo da aplicação jurídica na órbita da positividade deve conduzir sempre e em conformidade com o que possibilita o sistema por um sequenciamento interpretativo/aplicativo, considerando o aplicador ao verificar o caso concreto equacioná-lo com os casuísmos hipotéticos da norma expressa em um artigo de lei. Seguidamente a isto se observa a lei na sua composição sistêmica nos articulados em geral com seus princípios especiais, e se para a aplicação isto ainda não for suficiente recorre-se à Constituição com suas normas, princípios especiais e princípios gerais. Com este curso sistêmico extraído da positividade a aplicação não terá qualquer frustração ou qualquer forma de inviabilidade quando da solução do caso concreto. É que neste curso previne-se a hipótese do caso concreto, afastando-se qualquer forma de vacância, de ilegalidade e de inconstitucionalidade na solução aplicada. Com um cuidado assim abre-se espaço também em cuidar da ordem jurídica aplicativa como um todo, que por um critério teleológico-finalístíco na aplicação, o que se verifica é a atuação de todos os ramos jurídicos positivos colocarem-se à disposição para a solução de um conflito num caso concreto, envolvendo concomitantemente tanto os ramos substanciais (ou materiais) como os ramos processuais (ou instrumentais) do Direito.

3.1.5 O Sistema Jurídico como Norma Jurídica e como Proposição Jurídica. Proposição