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Na organização do Direito Positivo o Sistema Jurídico providencia, juntamente com a

autonomia jurídica e com a valoração jurídica, também a sua linguagem jurídica (do Direito). Este terceiro ponto fundamental da compreensão jurídica constitui, ao lado dos dois anteriores, algo indispensável para um reconhecimento ontológico do Direito. Daí o seu fechamento (conclusivo) na trilogia para uma composição sistêmica, esta que passa a ser objeto da Ciência Jurídica. E o papel da linguagem jurídica neste caso acontece porque as palavras de um modo geral não surgem do nada, ou por acaso, mas são colocadas em função de algo que as impõe244, sendo que para nós este algo impositivo é o Sistema Jurídico.

A Ciência Jurídica, então, tem como foco, ao lado da autonomia jurídica - pela unidade, autorreferencialidade, autocriação, autointerpretação e autoaplicação - e da valoração jurídica - pela valoração -, também a linguagem jurídica - pela linguagem -, que deve ser analiticamente compreendida e levada em consideração. É que não devemos descuidar com relação a uma linguística que gravita em torno de prescrições jurídicas, e que sem se confundir com outras formas linguísticas comparece como uma necessidade concreta da práxis jurídica, visto que a norma jurídica como modelo de ordenamento é marcada pela matéria que enuncia como um projeto, este que é retratado pelo preceito jurídico através da linguagem245, uma linguagem peculiar. E esta linguagem peculiar existe porque tanto os textos legislativos e os regulamentos, como os documentos contratuais, juntamente com as decisões judiciais, estão cheios de vocábulos e expressões, ambos fechados e também isolados do leigo, mas que são dotados de um sentido jurídico bem determinado246 e bem definido, e por isso condicionadores, ao mesmo tempo em que são caracterizadores de uma província teórica específica. A constatação e a necessidade disso não poderiam ser diferentes, visto que, como veremos, com a linguagem jurídica o que se verifica é uma linguagem caldeada e precisa para a localização, o enfrentamento e a solução dos problemas jurídicos. Por isso o

244 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. op. cit., p. 371.

245 MÜLLER, Friedrich. O Novo Paradigma do Direito - Introdução à Teoria e Metódica Estruturantes. op.

cit, p. 14 e 27.

discorrer jurídico comprometido com o Direito Positivo haverá de enfrentar setores como o semântico e sintático, e o pragmático.

Neste último foco que é relacionado à linguagem jurídica, o que se realça é o fato de que o Direito deve ser portador de uma linguagem jurídica enquanto uma linguagem própria, cujo desengate consequente é no sentido de se possibilitar a existência de uma linguagem técnica, não só do ponto de vista compreensivo, mas também do ponto de vista aplicativo. E isto se explica porque na experiência jurídica se verifica que o Direito “torna as práticas sociais possíveis e, para entendê-lo, é preciso adotar uma concepção interna do direito (...) aquela de um cidadão que vive sob um sistema e compreende a finalidade das leis”247. Com uma experiência assim, vinculada a uma província específica do Direito, é possível se reconhecer a produção de juízos jurídicos ou legais que daí são emanados, sentindo-os em conformidade ou em desconformidade com a realidade jurídica. Mas para o entendimento da sua concepção interna é necessário uma linguagem jurídica, e que não se confunde com uma linguagem poética, sociológica, psicológica, histórica, política etc. É necessário também que ela seja diferenciada da linguagem comum, transmudada para uma condição técnica voltada à finalidade aplicativa do Direito, com vistas a uma precisão e a uma coerência, por força de método, princípios e conceitos próprios, e neste caso é reconhecer a existência de uma “linguagem apropriada”248. Isto é sintomático porque na medida em que temos a ideia de obrigação, juntamente com a ideia das regras que comparecem como particularidades do Direito, é possível se extrair como consequência também a ideia de um vocabulário normativo249 que se assume como vocabulário jurídico. Por isso, e ao mesmo tempo, o sistema jurídico torna-se responsável e comparece também como o agente desencadeador para uma linguagem jurídica. Assim, da mesma forma que se compreende o Direito por uma linguagem própria, também se aplica o Direito por uma linguagem que é dele próprio. Esta função que emana do sistema jurídico acontece na medida em que juridicamente os vários setores da vida social, nos seus respectivos interesses típicos (tanto público como privado), são reconhecidos congruentes diante do Direito250. Uma congruência que converge em dois sentidos básicos, ou seja, do sistema jurídico e para o sistema jurídico. Ademais, esta noção através da qual se pede uma linguagem própria oriunda do sistema jurídico está numa relação direta com uma característica dos sistemas, e que Luhmann chama de “acoplamento

247 MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito, op. cit, p. 425. 248 BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do Direito. op. cit, p. 291. 249 HART, H. L. A. El Concepto de Derecho. op. cit, p. 107. 250 Ibidem, p. 146.

estrutural”, em que os sistemas ao construir estruturas compatíveis ao meio fazem-no, todavia, sem que este último determine a operação desta construção251.

Frise-se que uma preocupação em se reconhecer uma linguagem própria ao Direito constitui isto uma particularidade como acontece também com todos os ramos científicos em geral, entre os quais a Ciência Jurídica em especial não se coloca como exceção. E nem poderia ser diferente, eis que tanto uma concepção envolvendo as regras jurídicas, como a origem e o desenvolvimento dos conceitos que daí promanam, vão estar presos à Ciência do Direito. Para este desiderato a linguagem jurídica “não é mais que o instrumento formal que os traduz e os veicula”252. E isto melhor se explica porque a linguagem do sistema é uma linguagem de conjunto, e por isso é salutar reconhecer que a linguagem jurídica no sistema jurídico é também uma linguagem de conjunto, um conjunto que providencia e distingue o ser do Direito, principalmente porque do seu discorrer conjuntivo extrai-se formas principiológicas de identidade (A é A), não-contradição (A não pode ser B e não B ao mesmo tempo), e também do terceiro excluído (A é B, ou não B). Frise-se que uma diversificação disto colocaria em dúvida a própria habilitação e competência científica do Direito, uma apologia teórica com a qual não devemos em hipótese alguma concordar, a despeito daqueles que comparecem apenas como apologistas da arte jurídica e da técnica jurídica, negligenciando com os conceitos científicos no âmbito da teoria jurídica.