• Nenhum resultado encontrado

O Sistema Jurídico e a Hierarquia dos Valores Jurídicos

4.2 SISTEMA JURÍDICO E VALOR JURÍDICO

4.2.2 O Sistema Jurídico e a Hierarquia dos Valores Jurídicos

Tratar com o sistema jurídico no seu papel de enfeixar as modalidades valorativas que dele devem fazer parte é um ponto de significativa consideração quanto a um aspecto essencial para o Direito. É que o Direito pela sua vocação seletiva haverá de selecionar as modalidades jurídicas valorativas na condição de fundamentais para a sociedade. Há nisto um processo de inclusão, mas também um processo de exclusão. Com a inclusão o que temos é a caracterização de um valor jurídico e com a exclusão o que temos é a caracterização de um

antivalor jurídico. No primeiro caso é ir a um valor e no segundo caso é afastar um não valor. Para a constatação disto devemos nos advertir e reconhecer de início o valor como uma “qualidade pela qual uma coisa ou ação possui dignidade, é merecedora de consideração, apreço, respeito”194. Na dimensão jurídica, em sede de um Positivismo Jurídico, competirá apenas ao Direito e a nenhum outro ente estabelecer a interpretação acerca disto. Neste projeto o Direito atua num campo onde o universo dos valores é vasto, competindo a ele caldear as possibilidades em torno daquilo que deve ser levado à condição de um valor jurídico.

É bem verdade, como comenta Lalande, que “o sentido exato de valor é difícil de precisar rigorosamente, porque esta palavra representa o mais das vezes um conceito móvel, uma passagem do fato ao direito, do desejado ao desejável”195. Esta dificuldade pode ser apontada ainda mais quando um fato no processo desta passagem deve ser eleito à condição do jurídico, sendo que esta dificuldade só é afastada mediante o trabalho desenvolvido pelo sistema. O que conta para isto num primeiro momento é compreender um valor como fundamental tanto para os indivíduos como para a sociedade, e que vão compor as várias modalidades valorativas no Direito. E identificar um valor como fundamental isto pode se perder num labirinto quando deparamos com as possíveis modalidades que assim possam se caracterizar. Do lado do indivíduo o campo é vasto e “abrange muitas ramificações, das quais a mais importante se refere aos valores espirituais, absolutos e perenes”196. Com estes pontos objetivos da caracterização dessume-se uma aceitação cristalina no sentido de se concretizar aspetos que estão relacionados em concretizar algo pertinente ao que é próprio de uma

194 MONDIN, Battista. Os Valores Fundamentais. 1. ed. Trad. de Jacinta Turolo Garcia. Bauru: Edusc, 2005, p.

25.

195 LALANDE, André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. op. cit, p. 1.190 - 1.191. 196 MONDIN, Batista. Os Valores Fundamentais. op. cit., p. 22.

humanística, naquilo que é caro em todos os sentidos para a condição humana. O Direito na sua missão elevada não pode fechar os olhos para esta realidade, sob pena de se colocar em contrariedade lógica com a sua principal função que é realizar o mundo do homem, numa conformidade com as condições humanas e naquilo que lhe é mais congênito. É que em última análise não se constitui e não se realiza o Direito senão com o propósito de realização do ser humano. Mas também pela ótica da sociedade não há como o Direito descuidar disto na medida em que a sociedade com o beneplácito dele Direito haverá de assimilar referências valorativas como a justiça, a verdade, a liberdade, a honestidade, a vida, etc, valores estes que haverão de estar acima de qualquer arbítrio ou disposição dos grupos sociais que deverão reconhecê-los, assimilá-los e até defendê-los197.

Na sua missão em assimilar os valores o Direito haverá de circular por diferentes dimensões, onde culminará por se debater desde aspectos morais, religiosos, espirituais, numa dimensão de transcendentalidade superior e sublime, até aspectos históricos, sociais, econômicos, políticos e culturais, numa dimensão onde o transcendente e metafísico cede espaço também ao que é físico, concreto e experimental. Esta circularidade valorativa vai contar com formas e fórmulas que poderão assumir caráter e assunção absolutos (valores absolutos), mas também caráter e assunção relativos (valores relativos), numa extensão que pode contar com o previsível e também com o imprevisível, os quais passam a fazer parte da caracterização ontológica do Direito. O sistema jurídico haverá de se imbuir desta realidade, tanto no propósito da criação jurídica como no propósito da aplicação jurídica.

No processo de caldeamento a cargo do sistema jurídico, o valor jurídico já fazendo parte do sistema jurídico como algo ontologicamente jurídico - significando o ser do Direito -, merece uma classificação como uma entidade objetiva, diferentemente das classificações que possam reconhecê-lo como uma entidade subjetiva ou transcendental. Como uma entidade objetiva, um valor enquanto valor, deve ser admitido como algo já subsistente em si mesmo198, e transmudando-se para valor jurídico na dimensão do Direito Positivo deve o valor jurídico assim também ser admitido, para cuja subsistência e fazendo parte do enunciado da norma jurídica tem ele nesta última a viga da sua sustentação. Dessarte, observa-se um valor jurídico porque imposto pela norma jurídica que a ele dá asseguramento. Assim, todo enunciado normativo - da norma - é um enunciado valorativo, embora não devamos confundir norma jurídica e valor jurídico. Se na primeira contamos com um

197 MONDIN, Batista. Os Valores Fundamentais. op. cit., p. 22 - 23. 198 Ibidem, p. 26.

exercício de uma autoridade - comando -, no segundo contamos com um exercício de referência ou sugestão valorativa. Neste caso, o valor embora um ente subsistente como valor - que serve também para um valor jurídico -, torna-se impositivo não por ele mesmo, mas pela autoridade jurídica da norma.

Com a assunção assimiladora levada a efeito pelo sistema jurídico, os valores jurídicos numa acepção geral podem ser conceituados, quando jurídicos, como Direitos Fundamentais da sociedade. Dessarte, não será impróprio se relacionarmos a significação de valores fundamentais com Direitos que fundamentam a sociedade. Se determinado valor foi levado à condição de valor jurídico é porque esse valor assume uma condição necessária e indispensável naquele momento. São valores, pois, que ganham destaque com certa elevação. Daí porque tratar com este problema na dimensão do sistema jurídico é, como lembra com proficiência Canaris, tratar “com celeridade, perante a problemática dos ‘valores jurídicos mais elevados’ e da relação entre eles”199. Então, dois pontos aqui comparecem e merecem a nossa atenção. O primeiro é reconhecer os valores jurídicos como os mais elevados a ponto de serem alçados à condição do jurídico; o segundo deles é nominá-los pela relação implicativa que desempenham entre eles na função de um mecanismo de arranjo e de estabilidade no sistema.

Nesta constatação dual de uma colocação dos valores jurídicos no sistema jurídico - valores mais elevados e relação implicativa de estabilidade do sistema -, isto leva o jurista a reconhecer uma existência de hierarquia entre os valores que comparecem de uma forma graduada no comparativo entre um e outro. E nisto é possível reconhecê-los, conforme Max Scheler (1874 - 1928), sob a condição de objetos objetivamente admitidos numa ordem hierárquica, ao mesmo tempo em que podem ser reconhecidos de forma associada na linha de Nicolai Hartmann (1882 - 1950) como algo objetivamente realista, dotados de fundamento em si mesmo e daí subsistentes. Para isto o primeiro grau de hierarquia que comparece, e que devemos levar em consideração, é o fato de que aquilo que é absorvido e admitido no arcabouço sistêmico tem prioridade, como verdade e relevância jurídica, diante daquilo que não faz parte do sistema. Dessarte, uma hipótese fática deve se equacionar com uma hipótese jurídica prevista. Os demais graus em geral deverão ser compreendidos e interpretados na conformidade como são colocados no interior do sistema onde, no contraponto entre um valor jurídico e outro, deverá prevalecer aquele que goza de prioridade.

199 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 5. ed.

Frise-se que ao se estabelecer essa prioridade, várias são as situações onde é possível se constatar esta realidade positivada no próprio interior do sistema jurídico. Esta constatação não é estranha também ao mundo valorativo em geral onde é possível se verificar esta diferença de graduação, na medida em que os valores podem ser considerados numa relação direta com o mundo diferenciado dos seres, e onde um é mais reconhecido como prioritário diante de outro numa contextualização de ontologia geral. É que não há paridade entre os seres na ordem existencial, sendo que por isto o grau de um determinado valor corresponde ao grau de um determinado ser, e daí uma colocação diferenciada dos valores numa relação com o mundo dos seres. Assim, se compararmos um homem com um molusco - ou com algo entomológico -, dessume-se já uma prioridade do primeiro em relação ao segundo. Diante disto é possível se estabelecer uma adjunção entre ontologia e axiologia. Neste rebolo comparativo, para se estabelecer uma hierarquia dos valores, leva-se em consideração o que uma determinada coisa ou uma determinada ação possa repercutir na realização “do projeto- homem”200, e não em relação a outro tipo de finalismo.

4.2.3 Motivação Valorativa Anteposta para a (e na) Norma Jurídica, e para o (e no) Sistema