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Conforme comentamos acima (tópico 2.2), comparece ao lado de uma autonomia jurídica que deve ser creditada ao Direito, também um segundo ponto fundamental à experiência do Direito Positivo e que constitui a valoração jurídica. Discutir a questão da valoração jurídica isto pode parecer num primeiro momento algo incompatível com a teoria científica no Direito, para relegá-la apenas a uma discussão de teoria filosófica. Mas a questão não é tão simples assim quando se trata de focar o Direito como um universo valorativo. Para isto a ciência jurídica desenvolve seus métodos próprios. Daí o oportuno escólio de Karl Larenz no sentido de que “a ciência do Direito desenvolve por si métodos de um pensamento ‘orientado a valores’, que permitem complementar valorações previamente dadas, vertê-las no caso singular e orientar a valoração que de cada vez é exigida”178. Só por isto se verifica, de início e como indicação inauguradora, três circunstâncias básicas valorativas que são impostas pelo próprio Direto na dimensão de uma discussão científica, quais sejam, quando trata da complementação das valorações previamente dadas, ao vertê-las nos casos singulares, e ainda ao orientá-las. Para isto registre-se que tratar sobre valor jurídico na seara do Direito Positivo isto coloca em pauta uma necessária consideração sobre Sistema Jurídico e Valoração Jurídica, esta última que é uma providência levada a efeito pelo primeiro. Com isto podemos afirmar que o Sistema Jurídico tem a ver com a valoração jurídica, na medida em que é ele que leva uma organização a esta peculiar e especial forma de valoração.

Valoração como entendemos aqui implica no ato de valorar, uma prática em se atribuir um valor a determinada coisa ou a determinado objeto. O mundo jurídico na sua especificidade não se coloca como exceção a este processo, pelo que compreendemos da sua existência e da sua própria subsistência diante dos demais entes. É que o Direito, ao mesmo tempo que comparece como um conjunto de regras para regulamentar as ações dos homens entre si, ele também constitui o “fundamento do que é exigível do homem que vive em

sociedade”, sendo que por isso as regras de Direito expressam valores fundamentais179. Isto é uma prática valorativa, o que levaria Herbert Hart a reconhecer numa taxonomia de variedades normativas do sistema jurídico, o fato de que as ações produzidas com base nas regras jurídicas serem criticadas ou valoradas, dependendo do seu reconhecimento como juridicamente corretas ou incorretas180. Há, pois, uma relação entre Sistema Jurídico e valoração jurídica, e se considerarmos as normas jurídicas do ponto de vista das pessoas por causa dos deveres, vamos deparar com elementos reconhecidamente valiosos para a sociedade. Nisto sobressai o papel relevante do sistema jurídico visto que através dele aparecem elementos adicionais que são introduzidos pelo Direito na vida social, e com um controle coercitivo181.

O Direito, então, tem a sua permanência pela afirmação da valoração, uma atuação funcionalista através da qual se assegura na vida social determinados aspectos que são levados à condição de algo precioso, digno de estimação e de preservação da e para a sociedade. A sua configuração - da valoração - se dá no contexto jurídico, fazendo parte do sistema jurídico e também pela ideia de ordenamento jurídico, e pode ser compreendida por aquilo que Karl Larenz relata como “Jurisprudência de Valoração”. Esta jurisprudência, conforme o jusfilósofo, é ainda hoje tida e reconhecida pacificamente na atividade jurisprudencial, sendo que resulta como uma emanação da “Jurisprudência dos interesses” e permite que as valorações do legislador propiciem resultados tanto com relação à interpretação da lei, como com relação à solução de casos não regulamentados mediante analogia por um critério de valoração. A sua percepção se dá a partir de situações de ordenação e de casuísmos como interesses individuais ou de grupo, o estabelecimento de prazos, exigência do tráfego, a segurança jurídica, etc. Segundo Larenz, a maioria dos defensores da Jurisprudência de Valoração sustentam “a possibilidade de enunciados suscetíveis de fundamentação sobre as valorações adequadas (no sentido de um dado ordenamento jurídico), mesmo que os fundamentos não sejam coagentes de um ponto de vista lógico”. Assim, o caráter cogente da valoração jurídica emanado do ordenamento não se prende a uma elaboração lógica, subsistindo como um ente próprio. Ademais, no seu entendimento a Ciência Jurídica atua ainda com critérios pontuais de pensamento de valoração como é o caso da analogia, da comparação de casos, da conformação de tipos, os quais propiciam uma abordagem neste

179 BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do Direito. op. cit, p. 6 e 21. 180 HART. H. L. A. El Concepto de Derecho. op. cit, p. 40 - 41. 181 Ibidem, p. 51 - 52.

sentido182. Aspectos como estes e outros mais, como veremos, anunciam uma relação por uma ligação umbilical entre sistema jurídico e valoração jurídica.

A ideia de valoração - ou valor para a sua significação e extensão geral - perde-se nos meandros do mundo fenomênico em geral, como se verifica da Filosofia Pura ou Geral, mas quando se trata da sua consideração em especial naquilo que diz respeito ao Direito Positivo, a sua caracterização como padrão de referência para o mundo jurídico vai acontecer numa relação direta com uma realidade ontológica que emana apenas do Sistema Jurídico. Podemos dizer que as valorações que culminam na valoração jurídica é uma construção do próprio sistema jurídico. Esta implicação na identidade do valor jurídico haverá de abranger tanto o sistema enquanto ordenamento jurídico - mandamento, prescrição, autoridade normativa -, como também o sistema como algo responsável do ponto de vista teórico para desnudar, numa reflexão, os processos e os fundamentos que vão envolver o seu conhecimento, para neste caso esclarecer determinados pressupostos lógicos de coerência, verdade e de não- contradição. É que a explicação dos valores jurídicos não pode acontecer de uma forma solta e descomprometida, mas deverá obedecer a uma organização sistêmica, um cuidado que merece atenção em ambas as formas de aplicação, o que recomenda a sua ocorrência no interior do sistema jurídico para daí desdobrar-se na sua aplicação referencial fora do sistema. Então, valor jurídico aqui constitui algo que emana do próprio sistema jurídico positivo, sem se inquietar com as possíveis configurações que possam acontecer fora e além disto. E isto se explica porque naquilo que estamos tratando, a preocupação teórica que emerge desta equação tem uma relação direta com uma objetivação de teoria científica do Direito, e não uma objetivação de teoria filosófica do Direito, embora possamos nos utilizar de conceitos oriundos desta última para o aprimoramento da primeira.

Nesse desiderato, e num trabalho interpretativo com vistas à aplicação do Direito, quando da valoração jurídica, não há espaço para qualquer profilaxia na qual se conta a participação de “sentimento jurídico”, este que se descaracteriza como fonte de conhecimento do Direito. Dessarte, o órgão julgador não pode descuidar deste aspecto “sob pena de incorrer na censura de parcialidade ou de decisão ‘arbitrária’”. O enfrentamento das possíveis dificuldades neste setor da valoração jurídica, pela teoria da argumentação jurídica, irá se deparar com questões como “a interpretação da lei, critérios de valoração supralegais, o alcance dos ‘precedentes’ ou do ‘argumento sobre as consequências’”, ou seja, “a maior parte

das questões da metodologia ‘clássica’”183. De forma sumária podemos dizer que a valoração jurídica, porque emerge do sistema jurídico, coloca este último sob uma prática ciosa acerca dos valores por ele construídos e albergados. E isto se explica porque o ambiente normativo constitui um conglomerado de elementos estruturais em conexão, previamente constituídos juridicamente a partir de uma perspectiva seletiva e ao mesmo tempo valorativa que é oriunda de um programa normativo184. A isto podemos chamar de programação condicional que emerge dos condicionamentos das normas jurídicas positivas, e através da qual o jurista procura com argumentos teleológicos colocar em evidência tanto o processamento lógico como o controle lógico do Direito185.