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Valor Jurídico: Objetividade e Dogmática Jurídica O Papel da Eficácia Normativa: a

4.2 SISTEMA JURÍDICO E VALOR JURÍDICO

4.2.1 Valor Jurídico: Objetividade e Dogmática Jurídica O Papel da Eficácia Normativa: a

O valor jurídico é o embate interativo de todos aqueles valores acima referidos. Mas aqueles referenciais gerais nada apresentam de jurídico, senão quando postos pelo próprio sistema (jurídico) naquilo que este elege à condição do jurídico, produto de uma interatividade intra-sistêmica. Isto é a objetividade jurídica, que nasce dentro do próprio sistema, produto de uma seleção e filtragem que haverá de plasmar com uma autoridade mandamental nas condutas, e sob uma condição dogmática.

Sob uma condição dogmática e ao admitirmos o papel dos valores dogmáticos pelo seu caráter peremptório, sentencioso e decisivo, e que fundamentam uma adesão a um certo tipo ou número de ideias que já não passam mais pelo crivo de um questionamento – ao

mesmo tempo em que existem para assumir a partir daí uma relevância na dimensão do mundo jurídico –, deparamos com a “dogmática jurídica” que acontece pela força dos valores que dão sustentação à imposição da norma jurídica, ou seja, o seu ponto fundamental. Podemos encontrar então nos valores os fundamentos para uma dogmática jurídica. E a sedimentação disto tanto no caso de normas específicas, como no caso de uma norma geral pelo significado que o enunciado desta apresenta, podemos buscar mesmo as soluções desejadas e imprevistas em razão de prescrições dotadas de julgamentos de valor. A dogmática jurídica como prescrição valorativa compõe o Direito. E a contribuição valorativa neste caso é no sentido de, ao lado da aplicabilidade jurídica pelo alcance da sua eficácia, também organizar e sistematizar o Direito com os textos aí produzidos numa relação entre as regras aplicáveis e os casos que haverão de receber a aplicação destas regras.

Sob essa organização, e tendo pressupostos valorativos na sedimentação da dogmática jurídica, é necessário contar com formas de encaminhamento sistêmico apropriado para isto, visto que, do ponto de vista de uma necessária legitimidade ao Direito, uma providência assim comparece como fundamental. Isto é tão verdadeiro que considerado o Direito pela ótica da sua legitimidade, um dos pontos básicos para a concreção disto é focar a sua ocorrência - se legítimo ou não - tendo como referencial a sua eficácia diante daqueles aos quais ele é direcionado. A legitimidade do Direito neste caso cobra a sua eficácia diante daqueles a quem ele é posto para a regulamentação das respectivas condutas. E tratar o Direito com eficácia, é reconhecer a necessidade dos integrantes da comunidade jurídica correspondente em agir de conformidade com o Direito. Ao caldearmos este equacionamento deparamos com a efetividade do Direito.

Caracteriza-se a eficácia do Direito de conformidade com a aceitação geral em relação àquilo que é posto como Direito. Uma prática assim necessita, não há dúvida, de um componente valorativo condicionante para a dogmática jurídica. Para se verificar este caráter de eficácia jurídica, diante da consciência social, basta comparar como uma sociedade compreende um comando para uma prática criminosa e um comando para uma prática lícita, e daí teremos a noção clara e diferenciada que poderá ser extraída das duas formas de comando normativo, na conformidade da expectativa desta sociedade. Nisto estaremos diante de condicionantes valorativos diferenciados, onde a eficácia dos comandos em ambos os casos haverá de apresentar resultados também diferenciados. Em tais hipóteses a questão do valor jurídico é colocada sob uma avaliação crítica no rebolo da preferência geral. Não há como fugir desta realidade. E não se diga que este aspecto pontual, como aqui considerado, não seja

fundamental também na caracterização ontológica do Direito numa perspectiva de Positivismo Jurídico.

Conforme a lição de Hans Kelsen (1881 - 1973), considera ele o Direito como uma ordem dotada de um constrangimento eficaz, e o reconhecimento do Direito enquanto Direito, passa por uma assunção, ao lado da sua validade e da sua vigência como requisitos de essência, também da sua eficácia e com o mesmo destaque. Segundo este jusfilósofo a validade de uma norma jurídica comparece através do fundamento de validade mediante uma relação lógica entre normas e que culmina na norma fundamental. Por sua vez, a vigência comparece mediante a existência específica da norma, como ela nos é dada e como ela se apresenta, por observância aos requisitos necessários (tanto formais como materiais) para a sua positividade, como é a prática do órgão legislativo. Vigência então é considerar a norma como regularmente posta. Por seu lado a eficácia, que se distingue tanto da validade como da vigência, comparece “pelo fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada”, isto é, em razão de se constatar uma situação em que se percebe a “circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos”189. Assim, há que se equacionar conduta humana e norma jurídica como um fato verificável, e que se reduz a uma observância à norma. Por isso é necessário que ela seja efetivamente aplicada pelos órgãos jurídicos, e também respeitada pelos indivíduos subordinados à ordem jurídica (mediante uma conduta como forma de se evitar a sua sanção)190. Se assim não for, e permanecendo a norma sem eficácia de forma duradoura, tal situação poderá influenciar na sua própria vigência191. Neste caso, pela implicação recíproca que se denota, é possível se falar de uma relação entre vigência e eficácia, mesmo porque a vigência pela sua índole acontece como um caldeamento resultante das experiências extraídas, e que são levadas à condição de positividade pelos órgãos legislativos. É que a vigência, em última análise, deve ser compreendida como resultado da complexidade e da contingência no campo da experimentação, e onde se verifica uma espécie de redução (resumo, sumário, seleção) exercendo o seu papel e a sua função192 para uma disposição normativa.

189 Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. op. cit, p. 29. 190 Ibidem, p. 30.

191 Ibidem.

A tratativa destes pontos como requisitos de essência foi considerada também por Norberto Bobbio (1909 - 2004) como “valorações distintas” e de formas independentes umas das outras, e sob o reconhecimento de justiça, validade, e eficácia. Para o jusfilósofo italiano o primeiro problema que é o da justiça consiste na correspondência de uma norma aos valores que motivam e inspiram um determinado ordenamento jurídico. Por sua vez a validade vai estar ligada à “existência da regra enquanto tal”, com uma verificação se uma regra jurídica pertence ao sistema jurídico, observando-se para isto a autoridade de quem a expediu, a condição de não ter sido ab-rogada, e ainda a sua compatibilidade com as demais normas do sistema (principalmente com uma norma superior e com uma norma posterior). Quanto à eficácia da norma Bobbio trata como um problema de ela “ser ou não seguida pelas pessoas a quem é dirigida”, e “no caso de violação, ser imposta através de meios coercitivos pela autoridade que a evocou”193. Neste último caso tanto a sua inobservância como a sua ausência de aplicação, geram a ineficácia da norma. Percebe-se em ambos os autores um nítido reconhecimento de um alcance, na dimensão da eficácia normativa, aquilo que vai significar uma peculiar forma de relevância para o anseio social, ou seja, uma ressonância de algo que significa em última ratio reconhecer a presença de um padrão valorativo, seja pela natural aceitação, cumprimento e observância da norma, seja pela sua aplicação mesmo que por meios coercitivos.

Com a verificação do valor jurídico como um estado de não-indiferença tangenciando o mundo das pessoas e moldando as respectivas condutas, constata-se uma verdade conceitual no sentido de que ao lado das formas positivas comparecem também as formas negativas, estas que não escapam também à apreciação do sistema jurídico. Na forma positiva temos o que se deseja; na forma negativa temos o que não se deseja. Assim, na forma negativa que comparece como conduta proibida (operação deôntica de proibição que acompanha a norma) constata-se o reconhecimento de uma forma negativa do ponto de vista valorativo. Uma norma jurídica, então, preocupa-se com um contingenciamento generalizado para abranger inclusive as situações não permitidas, que neste sentido podem ganhar tanto uma regulamentação de forma expressa (como é o caso das tipologias penais, cuja compreensão lógica é no sentido de não se praticar o fato típico) como uma regulamentação de forma subentendida (como no caso de contrariedade lógica ao que dispõe o Direito Civil, onde a compreensão lógica diferentemente é no sentido de se praticar o fato típico).