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5.7 METALINGUAGEM JURÍDICA, SISTEMA E RETÓRICA RETÓRICA JURÍDICA E

5.7.1 Retórica Jurídica e Semiologia Jurídica

Ao considerarmos (também) a retórica como um estudo da organização discursiva envolvendo atos de linguagem na dimensão da prática linguística, isto vai implicar, segundo Warat, numa retórica fazendo parte da linguística dos discursos sob um alcance semiológico, contribuindo para afastar uma separação entre o sistema da língua e a fala de um sujeito, por ser a linguagem uma atividade, e também por concentrar regras quanto à sua produção. Ademais disso, ela (retórica) postula ainda convenções para normatizar o uso prático da língua pelos sujeitos que exercem a fala, indo além de uma mera lei interna da sua articulação sistemática302. Por isso, a implicação semiológica culmina por se envolver com dois pontos fundamentais. O primeiro deles é reconhecer na linguística a atividade desenvolvida pelo sujeito, que é a própria fala; o segundo é reconhecer na linguística a existência de convenções para normatizar o uso da língua nesta fala, envolvendo a sua própria organização sistêmica. Esta é uma compreensão de aplicação geral. Na dimensão jurídica, em especificidade, devemos reconhecer que esta aplicabilidade no cuidado com a linguagem vai envolver o

301 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. op. cit, p. 408 - 410. 302 WARAT, Luis Alberto. O Direito e Sua Linguagem. op. cit, p. 85-86.

jurista como sujeito da fala, este que vai estar envolto com as possíveis convenções que aí podemos reconhecer. Daí a ideia de retórica jurídica por uma peculiar semiologia, ou seja, uma semiologia jurídica.

A semiótica na sua acepção geral cuida, enquanto ciência (semiologia), em compreender teoricamente não só os modos de produção, mas também o funcionamento e a própria estrutura dos sistemas de signos (sinais) na comunicação, que pode acontecer tanto entre os indivíduos como numa coletividade em geral. Neste diapasão, a semiologia tem a grande responsabilidade em tratar com a abrangência dos sinais em geral no seio da vida social. Por isso, e como considerou Ferdinand de Saussure (1857 - 1913), podemos então tratar com a possibilidade de “conceber uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da

vida social”, uma ciência que fora denominada por ele de Semiologia (do grego semeion,

“signo”) e cujo propósito básico seria desvendar no que consistem os signos, juntamente com as leis que os governam303. Há, pois, um comprometimento da Semiologia com os signos, competindo-lhe por isso “averiguar se os modos de expressão que se baseiam em signos inteiramente naturais - como a pantomima - lhe pertencem de direito”, e daí acolhê-los ou não para o seu principal objetivo que é estabelecer um conjunto sistêmico baseado na “arbitrariedade do signo”304 . Sob este aspecto a Semiologia vai estar envolvida com o influxo dos signos na linguagem que faz parte da retórica. Pode-se mesmo afirmar que se trata nisto de uma linguagem refletida de um sistema de signos. Como comenta de forma oportuna Hjelmslev, “o fato de que uma linguagem é um sistema de signos parece ser uma proposição evidente e fundamental de que a teoria deve levar em consideração desde o início”305. Com esta implicação dos signos na linguagem haverão de exercer eles uma função, ou seja, eles funcionam para designar ou significar algo. Assim, um signo constitui algo “portador de uma significação”306. Ao envolverem um signo, e no contraponto entre o significado e o significante, se este último acontece como condicionante do (e para o) primeiro, proporcionando-lhe as condições afirmativas, pode-se afirmar um signo como um significado codificado307. Os signos, então, comparecem no discurso como códigos.

303 SUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 28 ed. Trad. de Antonio Chelini, José Paulo Paes e

Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2012, p. 47.

304 Ibidem, p. 108.

305 HJELMSLEV, Louis Trolle. Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem. 3. ed. Trad. de José Teixeira

Coelho Neto. São Paulo: Abril Cultural, 1985, p. 194 - 195.

306 Ibidem, p. 195.

307 NAVARRO, Francisco González. Lo Fáctico y Lo Sígnico - Uma Introducción a la Semiótica Jurídica. 1.

Ao referirmos ao signo na linguagem como algo portador de uma significação isto identifica a sua função que deve ser desempenhada na linguagem, e em se tratando o problema na seara jurídica a sua implicação neste caso abrange a linguagem que é incumbida de retratar o Direito enquanto algo ontológico. A pacificação quanto ao entendimento deste problema devemos encontrá-la na conformidade com o que se sedimenta no sistema jurídico. É que a linguagem jurídica, por uma visão de semiótica jurídica, não pode ser descartada desta vinculação. Dessarte, linguagem jurídica e sistema jurídico mais uma vez comparecem como duas realidades que caminham por uma única via, e onde a linguagem jurídica haverá de traduzir sempre o sistema jurídico naquilo que representa a roupagem deste último, não havendo possibilidade de concessão fora disto. Assim, a linguagem deve acontecer de forma a se introduzir no espírito do sistema, onde os signos por ela refletidos fazem a diferença, ao mesmo tempo em que não se alijam dele sistema. Na providência disto “as palavras devem inserir-se no sistema que intentam expressar, essa ‘aura do sistema’ que é consubstancial ao Direito como um todo, sem o qual sua simples compreensão seria impossível” 308. Neste contexto os signos se anunciam através das palavras, ou seja, da linguagem.

Assim, pois, a linguagem jurídica com suas palavras e os signos trazidos devem se equacionar, e com isto retratar o sistema jurídico, e não o contrário. Neste caso, linguagem, palavras e signos se fundem num processo em que um identifica o outro. Ademais, ao considerarmos a linguagem jurídica como um sistema de signos isto envolve a palavra com sua significação no contexto do sistema. As palavras como representação dos signos podem ser analisadas por partes portadoras de significação, envolvendo radicais, sufixos de derivação (palavras derivadas), bem como as desinências que apontam as flexões309. Mas em concomitância a isto sobressai o que devemos reconhecer, na sua significação, aquilo que forceja e determina o fenômeno da contextualização. Como comenta Hjelmslev, no mundo das palavras e da linguagem “nenhuma das grandezas mínimas, nem mesmo o radical, tem existência ‘independente’ tal que se lhe possa atribuir significações lexicais”, afastando-se com isto outras significações que não as contextuais. Por isso todo signo “se define de modo relativo e não absoluto, isto é, unicamente pelo lugar que ocupa no contexto”, sendo que ele nasce de um contexto quer seja um “contexto de situação”, ou um “contexto explícito”310. No caso, o contexto que se releva é o próprio Sistema Jurídico.

308 ENTERRÍA, Eduardo García de. La Lengua de los Derechos - La Formación del Derecho Público

Europeo tras la Revolución Francesa. 2. ed. Madrid, Espanha: Civitas Ediciones, S.L., 2001, p. 39.

309 HJELMSLEV, Louis Trolle. Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem. op. cit, p. 195. 310 Ibidem, p. 195 - 196.