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1. As Perícias

1.5. A obrigatoriedade de realização de perícia

Da leitura do artigo 151.º do Código de Processo Penal não resulta claro se a determinação da realização de perícia é facultativa ou obrigatória.

Importa, então, perceber se a execução de perícia depende da ponderação da autoridade judiciária ou se existem situações em que a sua realização tem cariz obrigatório.

Ora, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13-05-2014, processo n.º 200/11.8GTEVR.E1, relator João Gomes de Sousa, esclarece-se que “há casos claros de exigência legal (literal), a implicar necessariamente a realização de perícia. Estão neste caso, pelo menos, os previstos nos artigos 166.º, n.º 2 (documento cifrado) e 351.º, n.º 1 (imputabilidade), do Código de Processo Penal, e no artigo 18.º da Lei 45/2004 (autópsia médico-legal”9.

De facto, de acordo com o artigo 166.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, “se o documento for dificilmente legível, é feito acompanhar de transcrição que o esclareça e, se for cifrado, é submetido a perícia destinada a obter a sua decifração”, pois a autoridade judiciária não possui, à partida, conhecimentos especiais que permitam decifrá-lo.

Da mesma forma, o artigo 351.º, n.º 1, do Código de Processo Penal estabelece que, “quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, ordena a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele”.

Também o artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, remete para a obrigatoriedade da realização de perícia (autópsia médico-legal), a não ser que existam “informações clínicas suficientes que associadas aos demais elementos permitam concluir, com segurança, pela inexistência de crime”.

Ora, apesar de em determinados casos previstos na lei a realização de perícia ser obrigatória, existem situações em que, pelo contrário, se estipula a não obrigatoriedade da perícia, ficando a mesma dependente da ponderação da autoridade judiciária competente para a sua determinação. É o caso do artigo 131.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que consagra que “tratando-se de depoimento de menor de 18 anos em crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, pode ter lugar perícia sobre a personalidade”. A este respeito, explica o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-11-2004, processo n.º 5404/2004-9, relator Almeida Cabral, que do referido artigo 131.º, n.º 3, resulta que “a realização de perícia a menor de 16 anos que haja de prestar testemunho é facultativa, cabendo, por isso, à respectiva autoridade judiciária aferir (…) da necessidade da mesma”10.

9 Acórdão disponível em www.dgsi.pt. 10 Acórdão disponível em www.dgsi.pt.

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7. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Assim sendo, podemos concluir que a perícia é obrigatória sempre que a lei assim o determinar e que, nos demais casos, incumbe à autoridade judiciária avaliar se a mesma deve ou não ser realizada.

De acordo com JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, “este acto pericial de carácter obrigatório, ao não se realizar, cairá sob o manto da nulidade atípica, dependente de arguição, na modalidade de falta de diligência essencial ou, na letra da lei, insuficiência de inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, ao abrigo do artigo 120.º, n.º 2, d)”11.

Não obstante, nos casos em que a perícia não é obrigatória mas se revela essencial para a descoberta da verdade, coloca-se a questão de saber quais as consequências da sua não realização.

Na verdade, apesar de, muitas vezes, a perícia não ser legalmente obrigatória, a essencialidade da sua realização para a descoberta da verdade torna-a indispensável, pelo que há autores, como MANUEL MAIA GONÇALVES12, que entendem que, mesmo nos casos em que inexiste

obrigatoriedade legal, sempre que a perícia pudesse ser essencial para a descoberta da verdade, verifica-se a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal; por outro lado, há autores, como PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE13, que defendem, tal

como nós, que só nos casos em que a lei determina a obrigatoriedade da perícia é que se verifica a nulidade prevista no aludido artigo 120.º, n.º 2, alínea d), estando os restantes casos sujeitos ao regime da irregularidade, prevista no artigo 123.º do Código de Processo Penal.

1.6. A obrigação de sujeição a perícia

Como vimos, as perícias podem ter como objecto coisas ou pessoas.

Quando incidem sobre pessoas, as perícias suscitam algumas questões constitucionais relativas a direitos fundamentais, nomeadamente a de saber se as pessoas, perante ordem da autoridade judiciária, podem ou não eximir-se à submissão a perícia e, em caso afirmativo, qual a consequência desta recusa.

De facto, sempre que as pessoas colaboram na realização da perícia, prestando o seu consentimento de forma livre, não se levantam quaisquer problemas, porquanto estamos perante interesses juridicamente disponíveis. Porém, há pessoas que se recusam a colaborar e recusam submeter-se à realização da perícia.

Como explanamos supra, nos termos do artigo 154.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, quando a perícia incide sobre características físicas ou psíquicas de pessoas que não prestem o

11 JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, op. cit., p. 3.

12 MANUEL LOPES MAIA GONÇALVES, op. cit., comentário ao artigo 151.º.

13 PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República

Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição actualizada, Lisboa, Universidade Católica

editora, 2011, p. 422.

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7. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

seu consentimento, a competência para ordenar a sua realização é do juiz, porquanto, estando em causa direitos fundamentais, é a este que incumbe a ponderação da necessidade da sua execução.

Não obstante, nesses casos, mantém-se a questão de saber se o juiz que ordena a realização da perícia pode compelir a pessoa a submeter-se à mesma. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE esclarece que o Código de Processo Penal “é omisso sobre o procedimento a adoptar no caso de o visado recusar obedecer à ordem da autoridade judiciária e, designadamente, não permite que o visado possa ser compelido (…). Portanto, a recusa de obediência só pode dar lugar à incriminação do artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do CP (…)”14. Diferentemente, ANTÓNIO LOURENÇO PIMENTEL afirma que “a substituição do consentimento do visado pelo despacho do juiz, responsável por aquela fase processual, leva a concluir que este não terá outra alternativa que não seja a submissão à sua realização compulsiva que poderá ser feita, se necessário for, através da utilização de força pública15”.

Ora, entendemos que apesar de estarmos perante uma questão controversa e de delicados contornos, esta é uma matéria que exige ponderação casuística e a realização de um juízo de proporcionalidade em cada caso concreto.

Contudo, não nos repugna que, em determinadas situações, a autoridade judiciária possa compelir a pessoa que não presta o seu consentimento a sujeitar-se à realização de perícia. Esta é, aliás e como veremos adiante, a solução legal adoptada para os exames e prevista no artigo 172.º, n.º 1, do Código de Processo Penal: “se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”.

De facto, no que respeita ao arguido, é o próprio artigo 61.º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal, que estabelece que recai em especial sobre ele a obrigação de “sujeitar-se a diligências de prova (…) ordenadas e efectuadas por entidade competente”.

Além disso, o artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, cuja epígrafe é “obrigatoriedade de sujeição a exames”, mas deveria ser “obrigatoriedade de sujeição a perícias”, uma vez que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses, estipula que “ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este se mostrar necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo e desde que ordenado pela autoridade judiciária competente, nos termos da lei”.

De facto, o entendimento de que a autoridade judiciária pode compelir o visado, mesmo sem o seu consentimento, a sujeitar-se a perícia tem sido unanimemente acolhido pela jurisprudência dos tribunais comuns, que admite, por exemplo, a legalidade e

14 PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, op. cit., p. 430.

15 ANTÓNIO LOURENÇO GOMES PIMENTEL, O papel da perícia na descoberta da verdade e como garante de um

processo equitativo, Tese de Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses, Faculdade de Direito da Universidade de

Lisboa, 2012, p. 120.

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