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IV. Hiperligações e referências bibliográficas

2. Prática e Gestão Processual

2.1. Um exemplo de requerimento apresentado pelo Ministério Público

No âmbito do 2.º Ciclo da Formação para Magistrados do Ministério Público25, deparamo-nos

com um Inquérito cuja investigação visava factualidade susceptível de integrar a prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 2, agravado pelo disposto no artigo 177.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

O referido Inquérito teve início com a denúncia apresentada pela CPCJ, na qual dava conta que a criança em questão tinha relatado tais factos a uma das técnicas da referida comissão, pelo que, visando evitar a duplicação de inquirições à criança, o que aumentaria a sua fragilização, e perante a obrigatoriedade da realização da tomada de declarações para memória futura, optamos, logo na fase inicial da investigação, por requer a realização da dita diligência, o que se fez, nos seguintes termos:

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

2. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Processo n.º xxx/18.8JABRG Conclusão a 30/04/2019

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No presente Inquérito investiga-se factualidade que, em abstracto, consubstancia a prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 2, agravado pelo disposto no artigo 177.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, por parte do denunciado xxx, na pessoa da sua filha, yyy, nascida a 27 de Outubro de 2010.

Segundo o disposto no artigo 271.º, n.º 1, do Código de Processo Penal: “Em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como nos casos de vítima de crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do assistente ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento”.

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior”.

Na referida diligência de inquirição da vítima menor de idade, esta deverá ser assistida por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito, conforme o disposto no artigo 271.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, cumpre proceder à realização da tomada de declarações para memória futura à menor yyy – melhor identificada a fls. 37.

Remeta os autos ao Mm.º Juiz de Instrução, a quem se requer que sejam tomadas declarações para memória futura a yyy, nos termos do disposto no artigo 271.º do Código de Processo Penal, com observância do n.º 4 do referido artigo.

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(processei e revi - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) Felgueiras, 30/04/2019,

A Procuradora-Adjunta, _______________________________

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2. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

2.2. A importância do papel do Ministério Público

Ao Ministério Público, enquanto detentor da acção penal, compete-lhe a direcção efectiva do inquérito, pelo que cabe-lhe, em primeiro lugar, aferir da necessidade de proceder à realização da tomada de declarações para memória futura, seja qual o for o seu fundamento, mas, principalmente no caso de existirem vítimas menores de idade de crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual, para as quais a lei impõe tal realização (artigo 271.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), dado o seu dever estatutário de representação dos incapazes, mormente das crianças (artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, n.º 1, alínea a), ambos do Estatuto do Ministério Público).

O Ministério Público deve estar principalmente atento aos casos em que o crime ocorre no seio familiar, nos quais existe necessidade de intervenção ao nível da promoção e protecção da criança. Nestes casos, a pedra de toque é o superior interesse da criança, pelo que a interacção entre os magistrados responsáveis por cada jurisdição (Criminal e Família e Menores) deve ser o mais estreita possível, por forma a compatibilizar decisões, nomeadamente quanto às medidas de coacção e às medidas de promoção e protecção a aplicar em cada Processo e quanto ao aproveitamento das diligências realizadas, evitando-se a sua duplicação26.

Neste sentido, o legislador consagrou no artigo 5.º, n.º 7, alínea d), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro) que “quando em processo-crime a criança tenha prestado declarações para memória futura, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível”, sendo que tal disposição é aplicável no âmbito dos Processos de Promoção e Protecção, nos termos do disposto no artigo 84.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro).

Também a alteração legislativa de 2007 (Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), que tornou obrigatória, no caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, a inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda

26 No entanto, a necessidade de estreita cooperação entre os magistrados do Ministério Público responsáveis pela

jurisdição penal e pela jurisdição de família e menores não se cinge aos casos de promoção e protecção, já que também no âmbito dos Inquéritos Tutelares Educativos essa necessidade se faz sentir, nomeadamente em casos de prática de crimes em co-autoria por um imputável em razão da idade e por um jovem com idade compreendida entre os doze e os dezasseis anos, nos quais haja necessidade ou obrigatoriedade de inquirir vítima ou testemunha em declarações para memória futura. A este respeito, ma senda do entendimento de JÚLIO BABOSA E SILVA (“Por

quem os sinos dobram as declarações para memória futura, a sua (des)necessidade no âmbito da Lei Tutelar Educativa e o contraditório no âmbito da jurisprudência nacional e do TEDH”, in: Julgar – Coimbra, Coimbra Editora, n.º 19 (Jan.- Arbil 2013), páginas 177 e 178): “Outra alternativa para quem não concorde com algumas das soluções

adiantadas poderia passar por um indispensável diálogo próximo e conjunto entre ambas as jurisdições (crime e família) organizando-se a diligência em conjunto, dessa forma permitindo que a vítima apenas fosse ouvida por uma vez, com aproveitamento em ambos os processos. Não vemos qualquer óbice a que assim se possa proceder, permitindo-se que o defensor do jovem pudesse estar presente na diligência (declarações para memória futura) e aí pudesse exercer aquele contraditório, já que apenas artificialmente tivemos um tratamento processual diferenciado à nascença (os factos são os mesmos, a vítima é a mesma mas os actores e tratamento processual são diferentes) que não deve ser feito pesar na intervenção da vítima, já que a organização do sistema não deve funcionar em seu prejuízo, sendo a sua protecção, por aqui, também um direito a preservar pelos Estados. Para tal parece-nos que o carácter sui generis e raro destes casos apenas convocará conformação de procedimentos e práticas, não exigindo alterações legislativas, as quais, como se sabe, muitas vezes não convocam, elas próprias e por si só, alterações de práticas judiciárias”.

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maior, nos termos do disposto no artigo 271.º, n.º 2, do Código Penal, veio incrementar a protecção da vítima menor de idade.

No entanto, entendemos, na esteira do pensamento de RUI DO CARMO27, que esta disposição

normativa não é suficiente para acautelar de forma efectiva os direitos e interesses das crianças vítimas de crime, dada a dispersão de dispostitos legais acerca desta temática (Código de Processo Penal, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Estatuto da Vítima, Lei de Protecção de Testemunhas), pelo que urge em sistematizar as coordenadas a seguir pelos magistrados do Ministério Público, quando deparados com este tipo de situações.

A este respeito, refira-se a exemplar Instrução n.º 1/2016, datada de 29 de Fevereiro de 2016, emitida pelo Procurador-Geral Distrital de Coimbra e dirigida aos magistrados do Ministério Público da área do Tribunal da Relação de Coimbra, segundo a qual:

1. As declarações para memória futura de criança vítima de crime contra a liberdade ou a

autodeterminação sexual devem ser tendencialmente as primeiras declarações a prestar pela criança no âmbito do inquérito, e devem realizar-se em tempo próximo daquele em que houve a notícia do crime.

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