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IV. Hiperligações e referências bibliográficas

5. Gestão processual

5.1. O momento em que devem ser tomadas declarações para memória futura

As declarações para memória futura podem ser realizadas quer em sede de inquérito, quer em sede de instrução, sendo que na primeira hipótese não podem ser oficiosamente determinadas pelo juiz de instrução, mas antes têm de ser requeridas por algum dos sujeitos processuais a quem a lei atribua legitimidade para o efeito (artigos 271.º, n.º 1, e 294.º a contrario do Código de Processo Penal e ainda 33.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro).

Ora, a grande maioria das vezes, a iniciativa para a tomada de declarações para memória futura parte do Ministério Público, o qual, no decurso da investigação, entende ser obrigatória, ou conveniente aos interesses em causa, a sua realização, pelo que promove a sua realização junto do juiz de instrução criminal, a quem a incumbirá autorizar (cfr. artigo 269.º, n.º 1, al. f), e 268.º, n.º 1, al. f), e 271.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal) e, posteriormente, presidir.

32 Por exemplo, na maioria das situações, as vítimas de crimes sexuais mesmo quando são ouvidas para memória

futura, foram já inquiridas anteriormente inúmeras vezes, por inúmeros profissionais diferentes (quando participaram os factos, posteriormente perante a autoridade policial em que foi delegada a competência para a investigação, perante peritos médicos, etc.), situação que poderia, no nosso entendimento, ser parcialmente evitável se o magistrado do Ministério Público promover, desde logo, a sua inquirição perante o próprio e, posteriormente, perante o juiz de instrução, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 271.º e 294.º do Código de Processo Penal. Acresce ainda que a reinquirição das testemunhas tende a corromper as suas declarações, as quais são tão mais fidedignas quanto mais próximas dos factos (especialmente quando estamos perante vítimas de tenra idade).

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3. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Importa, no entanto, tentar perceber, sem prejuízo das circunstâncias concretas da situação que nos é apresentada, qual o momento ideal para a realização desta diligência, desde logo porque o Código de Processo Penal não fornece quaisquer elementos nesse sentido.

A Lei de Protecção de Testemunhas33, por seu turno, no seu artigo 28.º, prevê que a

testemunha especialmente vulnerável deve ser inquirida “o mais brevemente possível após a ocorrência do crime”.

Atendendo a que a lei é omissa quanto ao momento ideal para a tomada de declarações para memória futura, na prática judiciária têm vindo a ser adoptadas diferentes formas de actuação.

Na maioria das situações, as vítimas de crimes tendem a ser inquiridas inúmeras vezes não só no âmbito do mesmo processo, como também em vários processos diferentes (por exemplo, quando se trata de um menor de idade, correm simultaneamente quer processos crimes, quer processos de promoção e protecção de crianças e jovem em perigo), sendo que a tomada de declarações perante autoridade judiciária acontece, também na maioria das vezes, numa fase já muito avançada da investigação. Ora, estas diligências, além de abordarem de forma repetitiva, os factos pelos quais a vítima passou, são, na grande maioria das vezes também, realizadas em ambientes e contextos diferentes, com a intervenção de profissionais também eles diversos e guiados por objectivos totalmente díspares, situação que, além de agravar o estado emocional da vítima e prolongar o seu sofrimento, tem igualmente implicações importantes ao nível da fiabilidade das declarações prestadas34, especialmente quando nos

referimos a vítimas menores de idade.

Em especial no caso concreto das vítimas menores de idade, entendemos que o Ministério Público (esteja ele a exercer no âmbito da acção penal ou, por exemplo, no âmbito do direito das crianças) não pode deixar de agir com redobrada atenção e cuidado, desde logo por fazer parte das suas competências, em qualquer caso, a defesa do superior interesse da criança. É exactamente com este propósito que a Convenção do Conselho da Europa para a Protecção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais (Lanzarote 2007, à qual Portugal se encontra vinculado), determina que as audições das crianças “tenham lugar sem atrasos injustificados após a denúncia dos factos às autoridades competentes”, que “o número de audições seja limitado ao mínimo e na estrita medida da necessário à evolução do processo” e que, “se possível e apropriado, as audições da criança sejam efectuadas pelas mesmas

33 Lei n.º 93/99, de 14 de Julho.

34 Como doutamente refere Rui do Carmo “As declarações para memória futura realizadas numa fase avançada, ou

mesmo final, da investigação contrariam a evidência científica de que “a entrevista mais exacta é a primeira” e de que “um intervalo de tempo curto entre o acontecimento e o relato diminui o risco de enviesamento e erros, enquanto um longo intervalo de tempo e entrevistas múltiplas tornam difícil uma inquirição adequada”[28]. Além de que “são as declarações da criança no estado bruto que devem ser colhidas e não as que a autoridade policial ou judicial gostaria de ouvir” – in, “Declarações para memória futura: Crianças vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual”, n. º 134, Ano 34 – Abril-Julho, 2013, p. 162.

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pessoas”. Audições que devem “ser gravadas em vídeo” e “ser aceites em tribunal como elemento de prova, segundo as regras previstas no direito interno (…)” 35.

Resulta do supra exposto que as declarações para memória futura devem ser realizadas assim que se descortina a sua obrigatoriedade, ou conveniência, por um lado, de forma a acautelar devidamente a prova a produzir e, por outro lado, para salvaguardar os interesses das pessoas que nas mesmas deverão intervir (em especial a vítima).

Acresce que quando a vítima seja menor de idade, além da inquirição para memória futura dever ter lugar no mais curto espaço de tempo após a ocorrência dos factos (e ainda que não exista sequer um suspeito identificado), a mesma deve ocorrer num espaço adequado e com o acompanhamento de técnico especializado (excepto se a criança a tal prescindir). Deve ainda tal inquirição ser realizada nos termos previstos no artigo 349.º do Código de Processo Penal, ou seja, a inquirição é realizada pelo juiz, podendo os demais sujeitos processuais solicitar outros esclarecimentos à testemunha, todavia sempre por intermédio do juiz de instrução (esta disciplina pode ser aplicada à inquirição de vítima com idade superior a 16 anos, nos termos do disposto no artigo 29, al. c), da Lei de Protecção de Testemunhas36).

Por fim, apenas uma breve nota no que à renovação do depoimento da vítima concerne. Nos termos do disposto no artigo 271.º, n.º 8, do Código de Processo Penal “A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar”.

Sem prejuízo de parecer resultar do supra referido normativo legal, a possibilidade da renovação do depoimento acontecer sempre que assim for requerido, ou oficiosamente determinado pelo tribunal, e desde que tal renovação não ponha em causa a saúde física e psíquica da pessoa que o deva prestar, entendemos que a norma deve ser interpretada de forma cuidadosa.

Com efeito, não poderá o intérprete olvidar-se dos objectivos que estão na base da previsão das declarações para memória futura, os quais, por um lado, se relacionam com a preservação da prova, por outro, têm igualmente a ver com interesses de protecção da própria vítima, em especial da vítima menor de idade37.

35 CARMO, Rui do - “Declarações para memória futura: Crianças vítimas de crimes contra a liberdade e a

autodeterminação sexual”, n. º 134, Ano 34 – Abril-Julho, 2013, p. 163.

36 A referida norma legal dispõe que “O juiz que presida a acto processual público ou sujeito ao contraditório, com

vista à obtenção de respostas livres, espontâneas e verdadeiras, pode:

a) Dirigir os trabalhos de modo que a testemunha especialmente vulnerável nunca se encontre com certos intervenientes no mesmo acto, designadamente com o arguido;

b) Ouvir a testemunha com utilização de meios de ocultação ou de teleconferência, nomeadamente a partir de outro local do edifício do tribunal, aplicando-se devidamente adaptado o disposto nos artigos 4.º a 15.º;

c) Proceder à inquirição da testemunha, podendo, depois disso, os outros juízes, os jurados, o Ministério Público, o defensor e os advogados do assistente e das partes civis pedir-lhe a formulação de questões adicionais”.

37 Relativamente à renovação os depoimentos das crianças, a Convenção do Conselho da Europa para a Proteção

das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais (Lanzarote, 2007), determina, no seu artigo 35.º, n.º 1,

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Assim, tendemos a defender que a renovação do depoimento deve ter sempre carácter excepcional e apenas poderá ser ordenada se não colocar em causa a saúde (física ou psíquica) do visado, o que deve ser analisado casuisticamente, atendendo, nomeadamente, à sua idade, à sua condição de saúde, à sua maturidade (quando estiver em causa a renovação do depoimento de uma criança), à vontade manifestada em renovar o seu depoimento e colaborar com o tribunal na descoberta da verdade, bem como às circunstâncias concretas do caso.

Importante seria ainda neste aspecto, por exemplo, garantir sempre a gravação audiovisual das declarações prestadas, desde logo porque a mesma “apresenta a vantagem incontestável de reproduzir integralmente não só os seus dizeres, mas também todas as perguntas feitas, bem como as circunstâncias da entrevista. Permite recuperar as atitudes não-verbais do menor, as hesitações ou os silêncios, por vezes cheios de significado, as variações de tom (…), as respostas gestuais, os olhares, as mímicas e posturas, os estados emocionais (…). Na escrita estes não-ditos estão apagados ou só podem ser recuperados pelo inquiridor através de um trabalho de investigação sempre sujeito a prova. A gravação exprime mais fielmente as interacções entre inquiridor e menor interrogado e permite pôr em evidência as interferências e as induções entre estes actores”.38

5.2. A articulação entre os Magistrados do Ministério Público que actuam nas diferentes

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